Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A HISTÓRIA DO IMPÉRIO PERSA (IRÃ) - Parte 7

IV.1.3 – A IDADE DE OURO MUÇULMANA, O MOVIMENTO SHU’UBIYYA E O PROCESSO DE PERSIFICAÇÃO
 
Abu Muslim Khorasani, o general
que depôs o Império Abássida
A islamização foi um longo processo pelo qual o Islamismo foi gradualmente adotado pela maioria da população do Irã. A história indica que somente 10% do Irã se converteu ao Islã durante o período Omíada. Com o período Abássida e sua mistura de mandantes persas e árabes, a percentagem da população muçulmana cresceu. À medida que que os muçulmanos persas consolidavam seu governo do país, a população muçulmana cresceu para aproximadamente 40% pelo meio do século IX até próximo de 100% pelo final do século XI, demonstrando que o rápido crescimento da conversão foi ajudado pela nacionalidade persa dos mandatários. Embora os persas tenham adotado a religião muçulmana dos seus conquistadores, com o passar dos séculos eles trabalharam para proteger e reviver sua língua e cultura diversas, num processo conhecido por persificação, com árabes e turcos participando do processo.
Nos séculos IX e X, súditos não árabes do Ummah[1] criaram um movimento chamado Shu’ubiyyah em resposta ao status privilegiado dos árabes. A maioria dos que estavam por trás do movimento eram persas, mas também foram atestadas referências a egípcios, berberes e arameus. Citando como sua base, as noções islâmicas de igualdade de raças e nações, o movimento preocupava-se, primariamente, com a preservação da cultura persa e a proteção da identidade persa, embora num contexto muçulmano. O mais notável efeito do movimento foi a sobrevivência da língua persa até os dias atuais. 
Rudaky, primeiro gênio literário da
moderna língua persa
A dinastia Samânida (819-999), fundada por Saman Khoda, conduziu ao renascimento da cultura persa e de vários dos seus festivais. O primeiro poeta persa importante após a chegada do islamismo, Rudaki, nasceu durante esta era e foi louvado pelos reis samânidas. Rudaki é visto como o primeiro grande gênio literário da moderna língua persa; compôs poemas no novo alfabeto persa e é considerado o fundador da Literatura Clássica Persa. Infelizmente, somente uma pequena parte de sua extensa poesia sobreviveu até hoje. Os samânidas foram a primeira dinastia de origem iraniana a controlar a Ásia Central e o leste do Irã, desde a invasão árabe e governaram um imenso império por 102 anos.
Seus sucessores foram os Gaznávidas (ou Gaznévidas), dinastia muçulmana de origem turca não iraniana (origem mameluca), também muito importantes para o renascimento da cultura persa. A dinastia foi fundada por Sabuktigin, após assumir o governo de Ghazna (hoje Ghazni, uma das 34 províncias do Afeganistão, localizada na região sudeste do país), com a morte de seu sogro, Alp Tigin, um ex-general do Império Samânida. Embora a dinastia fosse de origem turca da Ásia Central, ela foi fortemente persificada em termos de língua, cultura, literatura e hábitos, sendo por isso vista por alguns como uma dinastia persa e não turca. O filho de Sabuktigin, Mahmud de Ghazni, declarou sua independência do Império Samânida e expandiu o Império Gaznávida até o Amu Darya (também chamado Rio Amu, historicamente conhecido por seu nome latino Oxus, um dos principais rios da Ásia Central), na última década do século X, o Rio Indus e o Oceano Índico, no ano 1000, para o leste, e para o Rey (capital do distrito de mesmo nome, na província de Teerã, no Irã) e Hamadan (na província do mesmo nome, no Irã), ao oeste.
Sob o reino de Mas’ud I, a dinastia Gaznávida começou a perder controle sobre seus territórios ocidentais para a dinastia Seljúcida, após a batalha de Dandanagan, resultando numa limitação de suas propriedades para os modernos Afeganistão, Punjab, Paquistão e Baloquistão. Em 1151, o sultão Bahran Shah perdeu o Ghazni para o rei Ghurid, Ala al-Din Husayn. 
Estátua de Firdawsi na Praça de
mesmo nome, Teerã, Irã.
O auge do movimento de Persificação foi o Shahnameh (Livro dos Reis), o poema épico nacional do Irã, escrito quase integralmente em persa, pelo cultuado poeta Abu al-Qasim Firdawsi, durante quase trinta anos. Este volumoso trabalho reflete a antiga pré-história e história do Irã, começando com a criação do mundo, seus valores culturais sem paralelo, sua religião Zoroastriana, pré-islâmica, e seu senso de nacionalidade, terminando com a conquista islâmica da Pérsia durante o reinado de Yazdegerd III, último rei da dinastia sassânida.
Historiadores conhecidos dizem que o Irã foi islamizado, mas não foi arabizado e que os persas permaneceram persas. Foi esse islamismo persa, e não o islamismo árabe, que foi levado a novas áreas e novos povos: aos turcos, primeiro na Ásia Central e então no Oriente Médio, ao país que veio a se chamar Turquia e, com certeza, na Índia. Os turcos otomanos[2] trouxeram uma forma de civilização iraniana até os muros de Viena.
A islamização do Irã traria profundas transformações dentro da estrutura cultural, científica e política da sociedade iraniana. O desabrochar da literatura, filosofia, medicina e arte persas, tornou-se elemento fundamental da nova civilização muçulmana em formação. A herança de milhares de anos de civilização e sua situação no cruzamento das principais estradas culturais, contribuíram para que a Pérsia emergisse com o que culminou com a “Época Áurea do Islamismo”. Durante este período, centenas de estudiosos e cientistas contribuíram de maneira importante para a tecnologia, a ciência e a medicina, posteriormente influenciando a ascensão da ciência europeia durante a Renascença. Os mais importantes estudiosos de quase todas as seitas e escolas muçulmanas do pensamento foram persas ou viveram no Irã, incluindo os mais notáveis e confiáveis colecionadores Hadith (relatórios da descrição das palavras, ações ou costumes do profeta islâmico Maomé) xiitas e sunitas, os maiores teólogos, físicos, matemáticos, metafísicos, filósofos e cientistas.

IV.1.4 – ESTADOS E DINASTIAS DO PERSIANATO[3] (977-1219)

Os seljúcidas que eram, como os gaznávidas, um persianato por natureza e de origem turca, lentamente conquistaram o Irã ao longo do século XI. A dinastia tinha suas origens nas confederações tribais turcomanas da Ásia Central e marcou o início do poder turco no Oriente Médio. Eles estabeleceram um poder muçulmano sunita por partes da Ásia Central e Oriente Médio, do século XI ao século XIV. Estabeleceram um império conhecido como Grande Império Seljúcida, que se espalhou desde a Anatólia, no oeste, até o Afeganistão ocidental, no leste e as fronteiras ocidentais da moderna China, no nordeste, sendo alvo da Primeira Cruzada. Hoje eles são vistos como ancestrais culturais dos turcos ocidentais, os habitantes do atual Azerbaijão, Turquia e Turcomenistão, sendo lembrados como grandes clientes da cultura, arte, literatura e língua Persa. 
Omar Khayyam, filósofo, matemático
e poeta do Rubaiyat
O fundador da dinastia, Tughril Beg, que reinou de 1037 a 1063, dirigiu seus exércitos contra os gaznávidas, no Khorasan, movendo-se para o sul e então oeste, conquistando todas as cidades em seu caminho, sem devasta-las. Em 1055 o califa de Bagdá deu-lhe, além de túnicas e presentes, o título de “Rei do Leste”. Com seu sucessor, Malik Shah (1072-1092), o Irã assistiu a um renascimento cultural e científico, por muitos atribuído ao seu brilhante vizir iraniano Nizam al Mulk. Esses líderes estabeleceram o observatório onde Omar Khayyam realizou a maioria dos seus experimentos para um novo calendário e construíram escolas religiosas em todas as principais cidades. Trouxeram Abu Hamid Ghazali, um dos maiores teólogos muçulmanos, e outros estudiosos eminentes para Bagdá, a capital seljúcida, apoiando os seus trabalhos.
Quando Malik Shah I morreu, em 1092, o império rachou quando seus quatro filhos e seu irmão brigaram pela partilha do império entre eles. Na Anatólia, seu sucessor foi Kilij Arslan I, que fundou o Sultanato do Rum; na Síria ele foi sucedido por seu irmão Tutush I; Na Pérsia, seu sucessor foi o seu filho Mahmud I, cujo reino foi contestado por seus outros três irmãos, Barkiyaruq no Iraque, Muhammad I em Bagdá e Ahmad Sanjar no Khorasan. A medida que poder seljúcida no Irã enfraquecia, outras dinastias começaram a surgir em seu lugar, incluindo um ressurgente califado abássida e os Khwarazm Shahs. O Império Khwarezmid, correspondente, foi uma dinastia do Persianato Muçulmano Sunita, de origem turca oriental, que governou na Ásia Central. Originalmente vassalos dos seljúcidas, aproveitaram o seu declínio para a sua expansão no Irã. Em 1194, o Khwarazm Shah Ala ad-Din Tekish derrotou o sultão seljúcida Togrul III em batalha, resultando no colapso seljúcida no Irã. Com isso, do império seljúcida original somente restou o Sultanato do Rum na Anatólia.
Uma séria ameaça interna aos seljúcidas, durante seu reinado, veio dos Ismailis, ramo muçulmano xiita, uma seita secreta com quartel general em Alamut, entre Rasht e Teerã. Eles controlaram a área vizinha por mais de 150 anos e, esporadicamente, enviavam sectários para reforçar seu poder, com o assassinato de funcionários importantes. Várias das teorias sobre a etimologia da palavra assassino derivam desses matadores.
Partes do Irã noroeste foram conquistados no início do século XIII, pelo reinado da Georgia, conduzido por Tamar, o Grande.

IV.2 – INVASÃO MONGOL (1219-1221)
Genghis Khan, fundador do Império Mongol
 
O Império Khwarezmid somente durou umas poucas décadas, até a chegada dos Mongóis, um grupo étnico do leste central asiático, nativo da Mongólia. Genghis Khan havia unificado os mongóis e, sob o seu comando, o Império Mongol rapidamente se expandiu em várias direções, até que cerca de 1218, ele chegou às fronteiras do Khwarazm. Nesta época, o Império Khwarezmid era governado por Ala ad-Din Muhammad (1200-1220). A intenção de Muhammad, como a de Genghis, era expandir suas terras e já havia ganho a submissão da maior parte do Irã. Declarou-se shah e exigiu reconhecimento formal do califa abássida na-Nasir; quando o califa rejeitou sua exigência, Muhammad proclamou um de seus nobres, califa e, sem sucesso, tentou depô-lo.
A invasão mongol do Irã começou em 1219, após o massacre de duas missões diplomáticas enviadas por Genghis ao Khwarazm. Entre 1220 e 1221, Bukhara, Samarkand, Herat, Tus e Nishapur foram arrasadas e as suas populações massacradas. O Khwarazm Shah fugiu, para morrer em uma ilha da costa do mar Cáspio. Durante a invasão da Transoxiana, em 1219, com a principal força mongol, Genghis Khan fez uso de uma unidade especialista chinesa em catapultas, que foram usadas novamente, em 1220, na Pérsia. Os chineses podem ter usado as catapultas para lançar bombas de pólvora pois já as conheciam neste tempo e serviam ao exército de Genghis Khan. Muitos historiadores sugerem que a invasão mongol tinha trazido várias armas com uso de pólvora à Ásia Central, uma delas uma espécie de morteiro feito na China.

IV.2.1 – DESTRUIÇÃO SOB OS MONGÓIS

Antes de sua morte em 1227, Genghis Khan havia alcançado o Azerbaijão Ocidental, pilhando e incendiando cidades à sua passagem. A invasão mongol foi desastrosa para os iranianos. Embora os mongóis invasores eventualmente se convertessem ao islamismo e aceitassem a cultura do Irã, a destruição mongol da área central islâmica marcou uma profunda mudança de direção para a região. Muito dos seis séculos de aprendizado, cultura e estrutura islâmica foi destruída quando os invasores queimaram bibliotecas e substituíram mesquitas por templos budistas.
A destruição dos sistemas de irrigação com uso de água subterrânea, por gravidade, encerrou o padrão de povoamentos relativamente contínuos, produzindo numerosas cidades oásis em uma terra onde elas eram antigamente raras. Muitas pessoas, particularmente homens, foram mortos; entre 1220 e 1258, a população total do Irã pode ter caído de 2.500.000 para 250.000 como resultado de exterminação em massa, emigração e fome.

IV.2.2 – KHANATO (1256-1335)

Após a morte de Genghis Khan, o Irã foi governado por vários comandantes mongóis. Seu neto Hulagu Khan foi encarregado da expansão do domínio mongol embora ao tempo de sua ascensão ao poder, o Império Mongol já se tivesse dissolvido, dividido por diferentes facções. Chegando com um exército, ele estabeleceu-se na região e fundou o Ikhanato, um estado distinto do Império Mongol que governaria o Irã pelos próximos oitenta anos tornando-se um novo persianato no processo. Khanato (ou Canato) era uma entidade política governada por um Khan (como Genghis), típica de povos da estepe eurasiana, equivalente a uma chefia tribal, principado, reino ou mesmo império. O Ikhanato (ou Icanato) se estabeleceu como um canato que formava o setor sudoeste do Império Mongol, governado pela casa mongol de Hulagu; sua capital foi em Bagdá e, em 1258, executou o último califa abássida. O avanço de suas forças para o oeste foi, contudo, interrompido pelos mamelucos, na Batalha de Ain Jalut, na Palestina, em 1260. As campanhas de Hulagu contra os muçulmanos também enfureceu Berke, khan da “Horda Dourada”, convertido ao Islamismo. Berke foi o líder da “Horda Dourada”, uma divisão do Império Mongol que efetivamente consolidou o poder da “Horda Azul” e da “Horda Branca”, de 1257 a 1266. Ele sucedeu a seu irmão, Batu Khan, da “Horda Azul” (oeste) e foi responsável pelo estabelecimento do primeiro estabelecimento oficial do islamismo num khanato do Império Mongol. Hulagu e Berke lutaram entre si, demonstrando o enfraquecimento do Império Mongol. O governo do bisneto de Hulagu, Ghazan Khan (1295-1304) viu o estabelecimento do Islamismo como religião oficial do Ikhanato. Ghazan e seu famoso vizir iraniano Rashid al-Din, levaram o Irã a um breve e parcial renascimento econômico. Os mongóis reduziram os impostos para os artesãos, encorajaram a agricultura, reconstruíram e expandiram os trabalhos de irrigação e melhoraram a segurança das rotas de comércio. Como resultado, o comércio cresceu dramaticamente. Itens da Índia, China e Irã passavam facilmente através das estepes asiáticas, com isso enriquecendo culturalmente o Irã. Como exemplo, os iranianos desenvolveram um novo estilo de pintura baseado numa fusão única de pintura mesopotâmica sólida e bidimensional com plumagens, leves batidas com o pincel e outros motivos característicos da China. Após a morte do sobrinho de Ghazan, Abu Said, em 1335, contudo, o Ikhanato se inclinou para a guerra civil sendo dividido entre várias dinastias insignificantes – Jalayrids, Muzaffarids, Sarbadarsd e Kartids. A Epidemia Negra do século XIV matou cerca de 30% da população do país.

IV.2.3 – SUNISMO E XIISMO NO IRÃ PRÉ-SAFÁVIDA

Antes da ascensão do Império Safávida, a religião dominante era o islamismo sunita, praticada por 90% da população da época, que permaneceu sunita até a chegada dos Safávidas. A dominação dos sunitas não significou que os xiitas não possuíam raiz no Irã. Os escritores dos “Quatro Livros” (um termo do maior ramo muçulmano xiita que se refere às suas mais conhecidas coleções hadith xiita) eram iranianos, bem como muitos outros grandes estudiosos xiitas.
A dominação do credo sunita durante os nove primeiros séculos islâmicos caracterizou a história religiosa do Irã deste período. Houve, contudo, algumas exceções a esta dominação geral que emergiu sob a forma dos Zaiditas[4] do Tabaristão (uma das províncias do Irã, ao norte, às margens do Mar Cáspio), dos Buyidas, dos Kakuyidas (dinastia relacionada aos Buyidas que tomaram o poder na Pérsia Ocidental, Jibal e Iraque persa), do governo do Sultão Muhammad Khudabandah (oitavo governador da dinastia Iikhanid, em Tabriz, no Irã) e dos Sarbedarans (mistura de ascetas religiosos muçulmanos e governantes seculares que governaram parte do Khorasan ocidental no meio da desintegração do Ikhanato Mongol, meados do século XIV).
Além dessa dominação, ainda existiu durante esses nove séculos, primeiramente inclinações xiitas entre os muito sunitas da terra e, em seguida, o xiismo Imami, bem como o xiismo Zaydi tiveram prevalência em algumas partes do Irã. Durante este período o xiismo no Irã foi alimentado por Kufah (cidade do Iraque a 170 km ao sul de Bagdá), Bagdá e, posteriormente, por Najaf (cidade do Iraque Central, a 160 km ao sul de Bagdá) e Hillah (outra cidade do Iraque Central a cerca de 100 km ao sul de Bagdá). O xiismo foi a seita dominante no Tabaristão, Qom (oitava maior cidade do Irã a 125 km a sudoeste de Teerã), Kashan (cidade da província de Isfahan, Irã), Avaj (cidade da província de Quazvin, ao norte do Irã) e Sabzevar (cidade da província de Razavi Khorasan, no nordeste do Irã). Em muitas outras áreas uma população de xiitas e sunitas viviam fundidas.
Durante os séculos X e XI os Fatímidas (califado muçulmano do ramo ismaili dos xiitas) enviaram missionários ao Irã e outras terras muçulmanas. Quando os Ismailis se dividiram em duas seitas, os Nizaris (seu maior ramo, também conhecidos como assassinos, já mencionados) estabeleceram sua base no Irã com Hassan-i Sabbah, seu líder, conquistando fortalezas e capturando Alamut[5] em 1090, mantida até uma incursão mongol em 1256.
Após a incursão mongol e a queda dos Abássidas, as hierarquias sunitas vacilaram, perdendo seu califado para os xiitas, cujo centro não era no Irã, à época. Durante este período, várias dinastias xiitas foram então aí estabelecidas.
A partir daí a principal alteração na área religiosa ocorreu no início do século XVI, quando os ismailis fundaram a dinastia Safávida iniciando uma política religiosa para reconhecer o islamismo xiita como a religião oficial do Império Safávida. O fato do Irã permanecer até hoje como um Estado oficialmente xiita, é um resultado direto das ações dos Ismailis.


[1] Ummah é uma palavra árabe que significa “comunidade”, não com o sentido de uma nação com ancestrais e geografia comum, mas aplicada a uma comunidade supranacional com uma história comum.
[2] O Império Otomano, também historicamente conhecido na Europa Ocidental como Império Turco, Turco Otomano ou simplesmente Turquia, foi um império fundado ao final do século XIII, na região noroeste da Anatólia, na cidade de Sogut (hoje Província de Bilecik), pelo líder tribal Turco Oghuz (povo turco ocidental que falava a língua Oghuz, do ramo comum da língua turca), Osman. Após 1354, os otomanos atravessaram para a Europa e, com a conquista dos Balcãs, os principados otomanos se transformaram num império transcontinental. Os otomanos acabaram com o Império Bizantino com a conquista de Constantinopla em 1453, por Mehemd, o Conquistador.
[3] Um Persianato ou Sociedade Persificada, é uma sociedade baseada ou fortemente influenciada pela língua, cultura, literatura, arte e ou identidade persa. O termo designa persas étnicos, mas também sociedades que podem não ter sido etnicamente persa ou iraniana, mas cujas atividades culturais linguísticas, materiais ou artísticas foram influenciadas ou baseadas numa cultura de persianato. O Persianato é uma categoria cultural multirracial, mas parece ser, às vezes, uma categoria religiosa ou de origem racial.
[4] O Zaidismo, adjetivo de Zaidita, é uma seita muçulmana que emergiu no século VIII como derivação do islamismo xiita. Os Zaiditas tiraram seu nome de Zayd ibn ‘Ali, o neto de Husayn ibn ‘Ali, que eles reconhecem como o quinto Imam (principais líderes religiosos do islamismo que sucederam a Maomé).
[5] Alamut é uma região geográfica do Irã que inclui partes ocidentais e orientais da Cordilheira de Alborz, entre a seca e estéril planície de Aazvin, no sul, e as ladeiras de densas florestas da província de Mazandaran, ao norte. Alamut era também um dos castelos, com cidadela, dessa área.

A postagem prossegue com a PARTE 8

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A HISTÓRIA DO IMPÉRIO PERSA (IRÃ) - Parte 6

Efígie de Kavad I sobre dinar de ouro

Kavad I foi um soberano enérgico e reformador, dando apoio à seita fundada por Mazdak, que exigia que o rico dividisse suas esposas e seus bens com os pobres, com a evidente intenção de quebrar a influência dos magnatas e da crescente aristocracia. Suas reformas conduziram à sua deposição e prisão no “Castelo do Esquecimento”, em Susa, com a elevação ao trono, de seu irmão mais jovem Jamasp (Zamaspes), em 496. Jamasp (496-498), instalado no trono por membros da nobreza, foi um bom rei que reduziu impostos para aliviar os camponeses e os pobres e aderiu à principal corrente da religião Zoroastriana, que haviam custado a Kavad I o trono e sua liberdade. Seu reino logo terminou quando Kavad I, que havia fugido em 498, recebendo abrigo do rei Huno, à frente de um enorme exército, retornou à capital do Império e tomou o trono.
A segunda era dourada começou com o segundo reinado de Kavad I. Com o apoio dos Hunos Brancos, Kavad I lançou uma campanha contra os romanos, conquistando Theodosiopolis (extremo leste da Turquia moderna), na Armênia, em 502 embora logo perdendo-a novamente. Em 503 ele tomou Amida, na margem direita do Tigre, hoje pertencendo à moderna Turquia. Em 504, uma invasão da Armênia pelos hunos ocidentais do Cáucaso, conduziu a um armistício, ao retorno de Amida ao controle romano e a um tratado de paz em 506. Em 521/522, Kavad perdeu o controle de Lazica (hoje região do oeste da moderna Georgia, margens do Mar Negro), cujos monarcas se aliaram aos romanos; uma tentativa dos ibéricos, em 524/525, para agir da mesma forma, desencadeou uma guerra entre Roma e a Pérsia. Em 527 uma ofensiva romana contra Nisibis foi repelida e os esforços romanos de fortificar posições próximo às fronteiras foi frustrada. Em 530 Kavad I enviou um exército para atacar Dara, importante cidade de fronteira romana ao leste, com os romanos derrotados na Batalha de Dara. Várias batalhas foram travadas nessas chamadas Guerras Ibéricas, com vitorias e derrotas de ambos os lados até que, em 532, uma paz “eterna” foi celebrada. Embora sem poder se livrar dos laços com os Hunos, Kavad I restaurou a ordem no interior e lutou com geral sucesso contra os romanos orientais, fundou várias cidades, algumas com seu nome e iniciou a regulação dos impostos e a administração interna. 
Khosrau I, o mais celebrado
monarca sassânida
Após Kavad I, reinou seu filho Khosrau I (também conhecido por Anushirvan) de 531 a 579, o mais celebrado dos monarcas sassânidas. Khosrau I ficou famoso por suas reformas no corpo governante dos anciãos sassânidas, pela introdução de um racional sistema de impostos iniciado por seu pai e por suas tentativas em aumentar a riqueza e as receitas de seu império. Desenvolveu uma nova força de cavalheiros pagos e equipados pelo governo e burocracia centrais, ligando o exército e a burocracia ainda mais proximamente do governo central do que aos lordes locais. Em 540, Khosrau I quebrou o tratado de paz invadindo a Síria, saqueando a Antióquia e arrebatando grandes somas de dinheiro de um grande número de cidades. Nos anos que se seguiram, obteve outros sucessos, interrompidos em 545 por uma trégua que foi novamente interrompida em 547; a guerra reiniciou, confinada à posse de Lazica que ficou com os bizantinos quando a paz foi concluída em 562.
Revoltas na Armênia provocaram, em 571, o massacre do governador persa e sua guarda, do que se aproveitou o imperador romano Justiniano II para interromper os pagamentos anuais a Khosrau I para a defesa dos passes do Cáucaso. As guerras recomeçaram fazendo com que Justiniano II concordasse a reiniciar os pagamentos anuais em troca de uma trégua de cinco anos na frente mesopotâmica, embora a continuação da guerra em outros locais. Em 576 Khosrau I liderou sua última campanha, uma ofensiva na Anatólia que acabou em desastre: os persas sofreram pesadas perdas em sua fuga através do Eufrates sob ataque bizantino. Aproveitando a desorganização persa, os bizantinos penetraram profundamente no território de Khosrau I, mesmo pelo Mar Cáspio. Khosrau implorou por paz, mas decidiu continuar a luta na Armênia e na Mesopotâmia. A revolta armênia chegou a um fim com uma anistia geral e o retorno da Armênia ao Império Sassânida.
Hormizd IV (579 a 590) assumiu o trono após Khosrau I. A guerra com os bizantinos prosseguiu furiosa, mas de forma inconclusiva, até que o general Bahram Chobin, dispensado e humilhado por Hormizd IV, revoltou-se em 589. No ano seguinte ele foi derrubado do palácio por um golpe e seu filho Khosrau II (590 a 628) colocado em seu lugar. Tal mudança não aplacou Bahram que derrotou Khosrau II, forçando-o a fugir para território bizantino e tomando o trono como Bahram VI. Khosrau II pediu apoio contra Bahram VI ao imperador bizantino Mauricio, oferecendo em troca o Cáucaso Ocidental aos bizantinos. Para reforçar a aliança, Khosrau II casou com Miriam, filha de Mauricio. Sob o comando de Khosrau II, com o auxílio de forças e generais romanos, a força combinada bizantino-persa derrotou Bahram na Batalha de Blarathon, em 591. Cumprindo o acordo, Khosrau II cedeu o controle da Armênia ocidental e da Ibéria caucasiana. O novo arranjo de paz permitiu aos dois impérios focar em questões militares em outros locais: Khosrau II expandiu as fronteiras orientais do Império Sassânida enquanto Mauricio restaurou o controle bizantino dos Balcãs.
Khosrau II o restaurador dos
Territórios aquemênidas
Quando Mauricio foi derrubado e morto por Phocas, em 602, Khosrau II usou o assassinato de seu benfeitor como pretexto para começar uma nova invasão que se beneficiou da guerra civil contínua no Império Bizantino, encontrando pouca resistência efetiva. Os generais de Khosrau II atacaram as fortificadas cidades da Mesopotâmia e Armênia bizantinas, lançando as fundações de uma expansão sem precedentes, aniquilando a Síria e capturando a Antióquia em 611. Em 613 os generais persas derrotaram um decisivo contra-ataque liderado pelo próprio imperador bizantino Heraclius. Depois disso, o avanço persa prosseguiu incontrolável: Jerusalém caiu em 614, Alexandria em 619 e o resto do Egito em 621. O sonho sassânida de restaurar as fronteiras aquemênidas estava quase completo, enquanto o Império Bizantino se achava à beira do colapso. Este notável pico de expansão foi acompanhado pelo florescer da arte, música e arquitetura persas.
Embora bem-sucedida num primeiro estágio (de 602 a 622), a campanha de Khosrau II havia exaurido a riqueza e o exército persas; E num esforço para reconstruir as finanças nacionais, Khosrau II sobretaxou a população. Enquanto seu império se achava à beira da derrocada, o Império Bizantino preparava uma imensa contraofensiva e partia para uma série de vitórias contra as forças persas. Como resposta, Khosrau II, em coordenação com nômades eurasianos e eslavos, lançou o cerco à capital bizantina de Constantinopla em 626. Os sassânidas atacaram a cidade pelo lado oriental do Bósforo enquanto seus aliados invadiam o lado ocidental. A frota bizantina conseguiu impedir o transporte dos persas através do Bósforo e o cerco acabou fracassando. Em contrapartida, os persas sofreram ataques dos romanos em 627-628, quando desceram o Tigre devastando o país e saqueando o palácio de Khosrau II em Dastagerd; somente não atacaram Ctesifonte por causa da destruição de pontes pelos persas, mas sofreram mais ataques no noroeste do Irã. O impacto das vitórias de Heraclius e a devastação das mais ricas terras do Império Sassânida acabaram por minar o prestígio de Khosrau II e seu apoio junto a aristocracia persa. No início de 628 ele foi destronado e assassinado por seu filho Kavad II que, imediatamente, trouxe um fim à guerra, concordando em retirar-se de todos os territórios ocupados, incluindo Jerusalém.
Kavad II morreu em dois meses, seguindo-se o caos e a guerra civil. Em um período de quatro anos - e cinco diferentes reis, incluindo duas filhas de Khosrau II e o comandante militar Shahrbaraz -, o Império Sassânida enfraqueceu consideravelmente, com o poder da autoridade central passando pelas mãos dos generais, sem tempo para a recuperação do Império.
No início de 632, Yazdegerd III, um neto de Khosrau I que se refugiara em Estakhr (cidade do sul do Irã, província de Fars, 5 km ao norte de Persépolis), assumiu o trono. Nos mesmo ano, os primeiros ataques das tribos árabes, então unidas pelo Islamismo, chegaram ao território Persa. Yazdegerd III era ainda um menino a mercê de seus conselheiros e incapaz de unir um vasto país repartido em pequenos reinos feudais, as guerras contra o Império Bizantino haviam exaurido o Império Sassânida que sofria uma enorme declínio econômico, pesados impostos e agitação religiosa e foi impossível conter a conquista islâmica da Pérsia, mesmo sem sofrer o assédio dos romanos que também eram invadidos pelos muçulmanos, que foram tomando conta, paulatinamente, de todo o Irã. A abrupta queda do Império Sassânida foi completada em um período de cinco anos com a maioria do seu território absorvida pelo califado Islâmico, embora muitas cidades iranianas tenham lutado muitas vezes contra os invasores. Yazdegerd III, acompanhado de nobres persas fugia para as províncias mais orientais quando foi assassinado por um moleiro em 651. Muitos de seus nobres se estabeleceram na Ásia Central onde contribuíram grandemente para a difusão da cultura e língua persa e para o estabelecimento da primeira dinastia iraniana islâmica nativa, a dinastia Samânida, que buscou reviver as tradições sassânidas. A população persa, inicialmente sob pequena pressão para converter-se ao islamismo, foi gradualmente se convertendo, principalmente porque as elites de língua persa tentavam ganhar posições de prestígio bem mais tarde sob o Califado Abássida.
A Era Sassânida, abarcando todo o período da Antiguidade Final, é considerado um dos mais importantes e influentes períodos históricos do Irã, com um importante impacto mundial. De várias maneiras, o período sassânida testemunhou as maiores conquistas da civilização persa e constituiu o último grande Império Iraniano antes da adoção do islamismo. A Pérsia influenciou consideravelmente a civilização romana durante a Era Sassânida, com sua influência cultural se estendendo muito além das fronteiras territoriais do império, alcançando a Europa Ocidental, África, China e Índia, bem como representando um importante papel na formação da arte medieval europeia e asiática, prosseguindo no mundo muçulmano. A cultura única e aristocrática da dinastia transformou a conquista e destruição muçulmana do Irã, num renascimento persa. Muito do que mais tarde tornou-se conhecido como cultura, arquitetura, escrita e outras contribuições islâmicas para a civilização, foram obtidas dos persas sassânidas no mais amplo mundo muçulmano.
Sobre a conquista islâmica da Pérsia, remeto os meus leitores ao meu blog, à postagem intitulada “Uma Pequena História dos Árabes Muçulmanos”, em sete partes, que a inclui, para evitar a repetição do mesmo assunto. Da mesma forma, para o significado de termos árabes que não serão reexplicados aqui, remetemos nossos leitores àquela postagem.

IV – IRÃ MEDIEVAL

IV.1 – ERA DO CALIFADO E DO SULTANATO

IV.1.1 – O CALIFADO OMÍADA E SUAS INCURSÕES NA COSTA DO MAR CÁSPIO

Após a queda do Império Sassânida em 651, os árabes do Califado Omíada adotaram muitos costumes persas, especialmente os padrões administrativos e da corte. Os governadores provinciais árabes eram, evidentemente, ou arameus[1] persificados ou persas étnicos; certamente a língua persa permaneceu para os negócios oficiais do califado até a adoção do árabe pelo fim do século VII, quando em 692 a cunhagem iniciou na capital, Damasco. As novas moedas islâmicas evoluíram de imitações das moedas sassânidas (bem como bizantinas) quando a escrita Pahlavi (forma particular e exclusivamente escrita de várias línguas do Iraniano Médio) na cunhagem foi substituída pelo alfabeto arábico.
Durante o califado Omíada, os conquistadores árabes impuseram a arábica como a língua básica dos povos súditos por todo o império. Al-Hajjaj ibn Yusuf[2], descontente com a prevalência da língua persa no divan (alto corpo governamental em vários estados islâmicos ou seu principal funcionário), ordenou que a língua oficial das terras conquistadas fosse substituída pela arábica, algumas vezes à força.
Há muitos historiadores que vêm a regra dos omíadas no estabelecimento do “dhimmah” (uma espécie de obrigação) como uma tentativa de aumentar as taxas impostas aos cidadãos não muçulmanos, num estado islâmico, para beneficiar a comunidade árabe muçulmana financeiramente e pelo desencorajamento à conversão. Os governadores se queixavam ao califa quando ele promulgava leis que tornavam a conversão mais simples, assim privando as províncias de cobrança impostos. Quando no século VII, muitos não árabes, como persas, convertiam-se ao Islamismo, eram reconhecidos como “clientes” e tratados como cidadãos de segunda classe pela elite árabe mandante, até o final do Califado Omíada. Durante essa era, o Islamismo foi inicialmente associado com a identidade étnica do árabe e exigia uma associação formal com uma tribo árabe e a adoção do status de cliente (mawali, muçulmano não árabe).
Contudo, nem todo o Irã estava ainda sob o controle árabe, com várias regiões ainda sob controles iranianos locais; tais regiões haviam sido invadidas pelos árabes sem resultados decisivos pela inacessibilidade dos seus terrenos.
Com a morte do califa omíada Hisham ibn Abd al-Malik, em 743, o mundo islâmico entrou em uma guerra civil. O general persa convertido Abu Muslim foi enviado ao Khorasan pelo califado Abássida, inicialmente, como um propagandista e então para fazer a revolta em seu nome. Ele tomou Merv derrotando seu governador omíada Nasr ibn Sayyar, tornando-se o governador abássida, de fato, do Khorasan. Durante o mesmo período, o governador persa do Tabaristão e partes do Khorasan oeste, Khurshid, da dinastia Dabuyid, declarou sua independência dos omíadas, mas logo foi forçado a reconhecer a autoridade abássida. Em 750, Abu Muslim tornou-se o líder do exército abássida e derrotou os omíadas na Batalha de Zab, atormentando Damasco, a capital do Califado Omíada, ao final do mesmo ano.

IV.1.2 – O CALIFADO ABÁSSIDA E OS GOVERNOS IRANIANOS SEMI-INDEPENDENTES

O exército abássida consistia, principalmente, de khorasanianos e era conduzido pelo general Abu Muslim Khorasani, congregando elementos árabes e iranianos, com apoio também de ambos. Os abássidas depuseram os omíadas em 750, com a revolução abássida definitivamente marcando o fim do império árabe e o início de um Estado mais inclusivo e multiétnico no Oriente Médio.
Uma das primeiras alterações por eles realizadas após a tomada do poder, foi a mudança da capital do império de Damasco, no Levante, para o Iraque, região influenciada pela história e cultura persa, parte da demanda persa mawali, por influência árabe no império. A cidade de Bagdá foi construída no rio Tigre, no ano 762, para servir de nova capital do Império Abássida.
Os abássidas criaram a posição de vizir (vice califa ou segundo em comando, mas também espécie de consultor político de alto nível ou ministro), como os Bartmakids (influente família iraniana) em sua administração. Essa mudança fez com que muitos califas dos abássidas terminassem com um papel muito mais cerimonial do que antes, deixando aos vizires o poder real. Uma nova burocracia persa começou a substituir a antiga aristocracia árabe, com toda a administração refletindo tais mudanças e demonstrando que a nova dinastia era diferente dos omíadas de várias formas.
Pelo século IX, o controle abássida começou a declinar porque os líderes regionais se abalaram aos cantos mais remotos do império desafiando a autoridade central do Califado Abássida, que começou a recrutar os mamelucos, que se haviam movido da Ásia Central para a Transoxiana, como escravos guerreiros, no início do século IX. Com isso, logo em seguida o poder dos califas abássidas caiu a tal ponto que eles se tornaram apenas títeres religiosos enquanto os mamelucos realmente governavam.
Com a diminuição do poder abássida, uma série de dinastias surgiu em várias partes do Irã, algumas com considerável influência e poder. Entre as mais importantes dessas dinastias sobrepostas, estava a dos Tairidas, no Khorasan (821-873), a dos Safáridas, no Sistão[3] (861-1003, seu governo durou como maliks, do Sistão, até 1537), e os Samânidas (819-1005), originalmente em Bukhara[4]. Os Samânidas acabaram por governar uma área que ia do Irã Central ao Paquistão.
Pelo início do século X, os abássidas quase perderam o controle para a crescente facção persa conhecida como Dinastia Buyida (934-1062). Dado que muito da administração abássida tinha mesmo sido persa, os buyidas puderam, muito calmamente, tomar o poder real em Bagdá. Entretanto, os buyidas foram derrotados no meio do século XI pelos Turcos Seljúcidas[5], que continuaram a exercer influência sobre os abássidas, enquanto publicamente hipotecavam fidelidade a eles. O equilíbrio de poder em Bagdá permaneceu assim – com os abássidas no poder, apenas no nome – até que a invasão mongol de 1258 saqueou a cidade e definitivamente encerrou a dinastia abássida.
Durante o período abássida uma alforria foi experimentada pelos mawali e uma mudança foi feita na concepção política, de um império primariamente árabe (etnia), para um império muçulmano (religião); cerca de 930, uma exigência foi decretada para que todos os burocratas do império fossem muçulmanos.


[1] Os arameus (ou arameanos) eram um povo semita que viveu em Aram (região da atual Síria) e também na Mesopotâmia. A palavra vem do Aram bíblico, filho de Sem e neto de Noé, considerado pai da antiga civilização dos Arameanos, que falavam o Aramaico.
[2] Abū Muhammad al-Ḥajjāj ibn Yūsuf ibn al-Ḥakam ibn ʿAqīl al-Thaqafī‎‎ (661–714), abreviadamente conhecido por al-Hajjaj ibn Yusuf, foi talvez o mais notável governador que serviu ao Califado Omíada. Estadista extremamente capaz, embora cruel, rígido no caráter, mas também um governante duro e exigente, foi muito temido por seus contemporâneos e tornou-se uma figura profundamente controversa bem como objeto de profunda inimizade por parte de escritores posteriores pró-abássida, que lhe atribuíram perseguições e execuções em massa.
[3] O Sistão é uma região histórica e geográfica que, nos dias atuais, incluiria o Irã Oriental, o sul do Afeganistão (Nimruz e Kandahar) e o Paquistão Ocidental.
[4] Hoje uma cidade museu do Uzbequistão.
[5] Os turcos seljúcidas ou Dinastia Seljúcida, conforme já falamos em nossa postagem sobre os Árabes Muçulmanos, foi uma dinastia muçulmana sunita (o maior ramo do Islamismo) de turcos Oghuz (da Ásia Central, de língua oghuz) que, gradualmente, tornou-se uma sociedade persa na Ásia Central e Ocidental medieval. Os seljúcidas estabeleceram o Império Seljúcida e o Sultanato de Rum que, em seu ápice, estendeu-se da Anatólia por todo o Irã.

A postagem prossegue com a PARTE 7

domingo, 3 de dezembro de 2017

A HISTÓRIA DO IMPÉRIO PERSA (IRÃ) - Parte 5

Embora em paz com a Pártia, Roma ainda interferia em seus assuntos. O imperador romano Tibério Graco (14 a 37 DC) envolveu-se numa trama de Farasmanes I da Ibéria (no Cáucaso, nada a ver com a Península Ibérica), para colocar seu irmão Mitrídates (de Farasmanes I e que não tem nada a ver com os Mitrídates anteriores) no trono da Armênia, pelo assassinato de rei Arsaces, da Armênia, aliado Parta dos romanos. Artabano III tentou e não conseguiu restabelecer o controle Parta da Armênia, provocando uma revolta aristocrática que o forçou a fugir para a Cítia. Os romanos liberaram um príncipe refém, Tirídates III da Pártia, para governar a região como um aliado de Roma. Pouco antes de sua morte, Artabano III conseguiu expulsar Tirídates do trono, usando tropas da Hircânia. Após a morte de Artabano III, em 38 DC, uma longa guerra civil eclodiu entre os sucessores legais Vardanes I e seu irmão Gotarzes II da Pártia. Vardanes I foi assassinado durante uma expedição de caça e a nobreza parta apelou ao imperador romano Cláudio (41 a 54 DC), em 49 DC, para libertar o príncipe refém Meherdates para desafiar Gotarzes. O tiro saiu pela culatra quando Meherdates foi traído pelo governador de Edessa (cidade da Mesopotâmia Superior fundada por Seleucos I Nicator cerca de 302 AC) e por Izates bar Monobaz, de Adiabene (pertencente ao Império Armênio), capturado e enviado a Gotarzes, que lhe permitiu viver após cortar suas orelhas, ato que o desqualificou para sempre de herdar o trono.
Logo que Radamisto (51 a 55 DC), filho de Farasmanes I, rei da Ibéria, invadiu a Armênia para depor o rei cliente de Roma, Mitrídates, Vologeses I da Pártia (51 a 77 DC) planejou invadir e colocar seu irmão, o posterior Tirídates I da Armênia, no trono. Com a queda de Radamisto e começando com o reino de Tirídates I, a Pártia manteria firme controle da Armênia – com breves interrupções – com a dinastia Arsácida da Armênia. Mesmo após a queda do Império Parta, a linha Arsácida sobreviveu através dos reis da Armênia, através dos reis da Geórgia, com a dinastia Arsácida da Ibéria e, por muitos séculos após, na Albânia Caucasiana, com a Dinastia da Albânia Caucasiana.
Quando Vardanes II da Pártia rebelou-se contra seu pai Vologeses I, em 55 DC, este retirou suas forças da Armênia, e Roma rapidamente tentou preencher o vazio político deixado. Na guerra Roma – Pártia de 58 a 63 DC, o comandante Cneu Domício Córbulo, cunhado de Calígula, obteve alguns sucessos militares contra os Partas, enquanto instalando Tigranes VI da Armênia como cliente romano. Contudo, seu sucessor Lucius Caesennius Paetus foi francamente batido pelas forças partas e abandonou a Armênia. Seguindo um tratado de paz, Tirídates I viajou para Nápoles e Roma em 63 DC, sendo cerimoniosamente coroado, em ambos os locais, Rei da Armênia, pelo imperador Nero.
Um longo período de paz seguiu-se entre Roma e a Pártia, somente registrando-se a invasão dos Alanos (povo de origem iraniana do nordeste do Cáucaso) nas regiões orientais da Pártia cerca de 72 DC, registrada por historiadores romanos. Enquanto Augusto e Nero tinham escolhido uma prudente política militar de confronto com a Pártia, os imperadores que se seguiram invadiram e tentaram conquistar o Fértil Crescente oriental, coração do Império Parta ao longo do Tigre e Eufrates, agressão em parte explicada pelas reformas militares de Roma. Contudo, os romanos não possuíam grande estratégia em seu tratamento com a Pártia e conquistaram poucos territórios com essas invasões.
Em 97 DC, o general chinês Ban Chao, “Protetor Geral das Regiões Ocidentais”[1], enviou seu emissário Gan Ying em uma missão diplomática ao Império Romano. Antes de partir em direção a Roma, Gan visitou a corte de Pacorus II (78 a 105 DC), em Hecatompilo, e viajou para o oeste até o Golfo Pérsico, onde autoridades partas o convenceram de que a única forma de chegar a Roma seria por uma árdua viagem marítima contornando a Península Arábica. Desencorajado por isso, Gan Ying voltou à corte Han onde fez ao Imperador He de Han, um detalhado relatório sobre o Império Romano baseado em relatos de seus anfitriões, que não queriam o estabelecimento de relações diplomáticas entre Roma e a China.
Já há algum tempo os partas quebravam sua união política, dividindo-se em clãs que administravam as províncias do Império, criando um governo central cada vez mais fraco. Os romanos bem souberam se aproveitar disso, logrando vitórias cada vez mais expressivas. As hostilidades entre Roma e Pártia se renovaram quando Osroes I da Pártia (reinou de 109 a128 DC) depôs o rei armênio Tirídates substituindo-o por Axidares, filho de Pacorus II, sem consultar Roma. O imperador romano Trajano (reinando entre 98 e 117 DC) matou o novo parta indicado para o trono da Armênia, em 114 DC, transformando a Armênia numa província romana. Suas forças também capturaram Nisibis, essencial para garantia das rotas principais pela planície norte da Mesopotâmia. No ano seguinte Trajano invadiu a Mesopotâmia, encontrando pouca resistência uma vez que Osroes I enfrentava uma guerra civil contra Vologases III da Pártia. Após depor Osroes I, em 116 DC, Trajano desceu o Eufrates capturando várias cidades (entre elas a importante cidade persa de Susa) até chegar ao Golfo Pérsico. Quando Sanatruces II da Pártia (filho de Mitrídates IV e sobrinho do deposto Osroes I) reuniu forças na Pártia oriental para desafiar os romanos, seu primo Parthamaspates (filho de Osroes I) da Pártia o traiu matando-o: foi coroado por Trajano como novo rei da Pártia. Nunca mais o Império Romano avançaria tão longe para o leste.
Adriano, sucessor de Trajano (subitamente morto em 117 DC), reafirmou as fronteiras Roma – Pártia no rio Eufrates, decidindo pela não invasão da Mesopotâmia dados seus então limitados recursos militares. Com a retirada dos romanos, o deposto Osroes I expulsou Parthamaspates reivindicando o trono parta. Mitrídates IV acabou por suceder a Osroes I em 129, reinando até 140 quando morreu num ataque romano. O rival de seu pai, de longa data, Vologases III, ocupou seu lugar no trono, mas outro filho de Mitrídates IV, Vologases IV (reinando de 147 a 191), chegou ao trono com a morte de Vologases III, reinando num período de paz e estabilidade. Contudo, a guerra Roma – Pártia de 161 começou quando Vologases IV invadiu a Armênia e a Síria, retomando Edessa. O então Imperador Marco Aurélio (reinando entre 161 e 180) enviou Lucius Verus para a Síria, enquanto Marcus Statius Priscus invadia a Armênia em 163 e Avidius Cassius invadia a Mesopotâmia em 164. Os romanos capturaram e incendiaram totalmente Selêucia e Ctesifonte, mas tiveram que se retirar porque seus soldados contraíram uma doença mortal (possivelmente varíola) que logo devastou o mundo romano. Embora a retirada, a cidade de Dura-Europos permaneceu em mãos romanas daí para diante.
Quando o imperador romano Sétimo Severo invadiu a Mesopotâmia em 197 DC, durante o reinado de Vologases V da Pártia (191-208), mais uma vez os romanos desceram o Eufrates, capturando Selêucia e Ctesifonte de onde só saíram em 198 DC. Cerca de 212 DC, logo após Vologases VI da Pártia tomar o trono, seu irmão Artabano V da Pártia rebelou-se, ganhado o controle da maior parte do Império. Enquanto isso, o imperador romano Caracala depunha os reis de Osroene (reino histórico da Mesopotâmia superior cuja capital era Edessa) e Armênia, que se tornavam novamente províncias romanas. Ele marchou para a Mesopotâmia sob o pretexto de desposar uma das filhas de Artabano V, mas como o casamento não foi permitido, fez guerra contra a Pártia e conquistou Arbil, a leste do rio Tigre. No ano seguinte, Caracala foi assassinado por seus soldados, e os partas fizeram um acordo com Macrino (imperador romano de abril de 217 a junho de 218) pelo qual Roma pagou à Pártia mais de 200 milhões de denarii (singular denarius, pequena moeda de prata do sistema monetário romano) com presentes adicionais.
Mas o Império Parta, que sobrevivera por cinco séculos, mais tempo que a maioria dos impérios orientais, enfraquecido por disputas internas e as guerras com Roma, seria rapidamente seguido pelo Império Sassânida. Seu fim chegou em 224 DC quando sua organização havia relaxado e o último rei foi derrotado por um dos povos vassalos do Império, os persas sob os sassânidas. Contudo, há evidências de que Vologases VI continuou a cunhar moedas em Selêucia, até 228 DC. Na verdade, a dinastia Arsácida continuou a existir por séculos pela Armênia, Ibéria e a Albânia Caucasiana (não confundir com o moderno país Albânia), ramos epônimos da dinastia.

III.4 – IMPÉRIO SASSÂNIDA (224-651 DC)

Moeda de Ardashir I, fundador
do Império Sassânida
O Império Sassânida, foi o último período do Império Persa (Irã) antes da ascensão do Islamismo e tirou seu nome da Casa de Sasan, que governou de 224 a 651 DC. Sucedendo ao Império Parta, foi reconhecido como uma das principais potências mundiais, junto com seu arquirrival vizinho, o Império Romano Bizantino, por um período de mais de 400 anos. Fundado por Ardashir I, após a queda do Império Parta e a derrota do último rei Arsácida, Artabano V, englobou em sua máxima extensão os atuais Irã, Iraque, Arábia Oriental (Bahrain, Kuwait, Oman, Qatif, Qatar, Emirados Árabes Unidos), o Levante (Síria, Palestina, Líbano, Israel, Jordânia), Armênia, o Cáucaso (Geórgia, Azerbaijão, Daguestão, Ossétia do Sul[2], Abecásia[3]), Egito, grandes partes da Turquia, a maioria da Ásia Centra (Afeganistão, Turquemenistão, Uzbequistão, Tajiquistão), Iêmen e Paquistão. De muitas formas, o período Sassânida testemunhou o pico da antiga civilização iraniana, que influenciou a cultura romana, chegando a alcançar a Europa Ocidental, África, China e Índia. Muito do que ficou mais tarde conhecido como cultura islâmica em arte, arquitetura, música e outras matérias, foi transferida dos sassânidas através do mundo islâmico. 

Império Sassânida em sua maior extensão,
cerca de 620 DC, sob o rei Khosrau II
Ardashir I, o governador iraniano local de Persis (a moderna província de Fars, Irã) começou a subjugar os territórios vizinhos, desafiando o domínio Arsácida. Ele confrontou Artabano V na Batalha de Ormozdgan em 28 de abril de 224 DC, talvez num local próximo de Isfahan (na província de Isfahan do Irã moderno, 340 km ao sul de Teerã), derrotando-o e estabelecendo o Império Sassânida. Os Sassânidas não somente assumiriam o legado da Pártia como castigo persa de Roma, mas também tentariam restaurar as fronteiras do Império Aquemênida, brevemente conquistando o Levante, Anatólia e o Egito, do Império Romano do Oriente, durante o reino de Khosrau II (590 a 628 DC); contudo, eles perderiam esses territórios para Heráclio, o último imperador romano antes das conquistas árabes. 
Castelo de Firuzabad, construído por Ardashir I
Assim que designado Xá (shah é o título dado aos governantes máximos do Irã, em sua língua, e que equivale a Rei ou Imperador; entretanto, muitos desses governantes incorporaram ao seu nome o título; em português o título é mais conhecido como Xá) do Império Sassânida, Ardashir I mudou sua capital para o sul de Pars (Fars), fundando a cidade de Ardashir-Khwarrah (atual Firuzabad), protegida por altas montanhas e facilmente defendida por passos estreitos, onde construiu o castelo que seria o centro de seus esforços para ganhar mais poder. Após estabelecer domínio sobre Pars, Ardashir rapidamente estendeu seu território exigindo fidelidade dos príncipes locais e ganhando controle sobre todas as províncias vizinhas, até diretamente combater Artabano V, morto na Batalha de Hormozgan. Nos anos seguintes, rebeliões locais se formariam em torno do Império; contudo, Ardashir I expandiu seu novo império para o leste e para o noroeste, conquistando várias províncias e pequenos reinos para as possessões dos Sassânidas. A partir daí Ardashir I prosseguiu invadindo as províncias de oeste do anterior Império Parta, realizando assaltos contra Hatra, Armênia e Adiabene, embora com menor sucesso. Em 230 ele fez ataques profundos em território romano, o que provocou um contra-ataque romano dois anos mais tarde, encerrado sem conclusão, embora o imperador Alexander Severus tenha celebrado um triunfo em Roma.
Shapur I, filho de Ardashir I, continuou a expansão do Império, conquistando a Báctria e a parte oeste do Império Kushan, enquanto liderava várias campanhas contra Roma. Invadindo a Mesopotâmia romana, Shapur capturou Carrhae e Nisibis, mas em 243 os persas foram derrotados em Resena (na moderna Síria) e os territórios foram recuperados pelos romanos. Logo Shapur I reiniciou a guerra, derrotando os romanos em 253 quando tomou e saqueou a Antióquia. O contra-ataque romano, com o imperador Valeriano, terminou em desastre quando o exército romano foi derrotado e sitiado em Edessa e Valeriano capturado por Shapur I que o manteve como prisioneiro até a sua morte. Shapur I explorou tal vitória avançando até a Anatólia (260 DC), quando se retirou em desordem após derrotas ante os romanos e a perda de todos os territórios que antes havia capturado deles.
Foi durante o reinado de Shapur I – e protegido por ele - que surgiu na Pérsia o Maniqueísmo, movimento religioso fundado pelo filósofo iraniano cristão Manes ou Maniqueu. O termo foi de tal forma popularizado, que maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda a doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal. Os reis que se seguiram reverteram a política de Shapur I, de tolerância religiosa. Sob pressão dos zoroastrianos e influenciado pelo alto sacerdote Kartir, seu filho mais velho (e sucessor de seu filho mais novo, Hormizd I), Baram I, matou Manes e perseguiu seus seguidores. Como seu pai, Baram II também acedeu aos desejos dos sacerdotes de Zoroastro. Durante seu reinado a capital sassânida, Ctesifonte, foi saqueada pelos romanos, sob o imperador Carus; a maioria da Armênia, após um século de domínio persa, foi cedida a Diocleciano.
Sucedendo a Baram III (que reinou brevemente em 293), Narseh envolveu-se em outra guerra contra os romanos e após um sucesso inicial contra o imperador Galerius em 296, foi decisivamente derrotado em 298. Galerius avançou na Média e Adiabene com vitórias sucessivas, garantindo Nisibis. Deslocou-se ao longo do Tigre tomando Ctesifonte. As negociações de paz começaram na primavera de 299, com Diocleciano e Galerius presidindo. Pelas pesadas condições de paz, a Pérsia desistiria de territórios em favor de Roma, trazendo novamente o Tigre como fronteira entre os dois impérios; a Armênia voltaria ao domínio romano; a Ibéria Caucasiana pagaria submissão a Roma através de um nomeado por ela; Nisibis, agora sob domínio romano, seria a única via para comércio entre a Pérsia e Roma, com esta exercendo controle sobre as cinco satrapias entre o Tigre e Armênia, e os sassânidas concordando em não interferir nos assuntos da Armênia e Geórgia. Ao final desta derrota, Narseh entregou o trono e morreu um ano depois, passando o reino sassânida ao seu filho Hormizd II. A agitação se espalhou por toda a terra e enquanto Hormizd II suprimia revoltas em Sistan e Kushan, não podia controlar os nobres e acabou assassinado por beduínos numa viagem de caçada, em 309.
Logo após a morte de Hormizd II, os árabes do norte começaram a saquear as cidades do oeste do império, atacando até mesmo a província de Fars, lar dos reis sassânidas. Os nobres persas mataram um, cegaram outro e aprisionaram o terceiro (que acabou fugindo para território romano) dos filhos de Hormizd II, reservando o trono para Shapur II, filho ainda não nascido de uma das esposas de Hormizd II, que foi coroado em seu útero. Assim que teve idade, Shapur II assumiu o poder, rapidamente mostrando ser um ativo e efetivo governante. Conduziu seu pequeno, mas disciplinado exército e venceu os árabes do sul. Iniciou então sua primeira campanha contra os romanos no oeste, onde conseguiu uma série de vitórias sem ganhos territoriais por não conseguir a cidade chave de Nisibis. Tais campanhas cessaram por ataques nômades ao longo da fronteira leste do Império, que ameaçavam a Transoxiana[4], uma área estratégica para a Estrada da Seda. Em sua marcha para o leste destruiu as tribos da Ásia Central, anexando-as como nova província, hoje conhecida como Afeganistão. 
Cabeça de Shapur II, décimo rei
do Império Sassânida 
Essa vitória foi seguida de uma expansão cultural e a arte sassânida penetrou o Turquestão, chegando até a China. Junto com o rei nômade Grumbates, Shapur II iniciou sua segunda campanha contra os romanos em 359, retomando cidades que haviam sido recuperadas pelos romanos. Em resposta, o imperador romano Juliano penetrou profundamente no território persa e derrotou as forças de Shapur II em Ctesifonte sem, contudo, tomar a capital, sendo morto quando tentava retornar a território romano. Seu sucessor, Joviano, emboscado na margem oriental do Tigre, teve que devolver todas as províncias que os persas haviam cedido aos romanos em 298, bem como Nisibis e Singara (posto fortemente guarnecido na extremidade norte da Mesopotâmia), para ter garantida passagem segura ao seu exército, para fora da Pérsia. Shapur II perseguiu uma severa política religiosa: sob seu reinado, a coleção da Avesta, textos sagrados do Zoroastrismo, foi completada, a heresia e a apostasia foram punidas e os cristãos foram perseguidos, como reação à cristianização do Império Romano fomentada por Constantino, o Grande. Ao tempo de sua morte, o Império Persa estava mais forte do que nunca, com seus inimigos do leste pacificados e a Armênia sob controle persa.
Da morte de Shapur II até a primeira coroação de Kavad I, houve um período de muita paz com os romanos – por essa época já Império Romano do Oriente ou Império Bizantino, sediado em Constantinopla -, apenas interrompida por duas breves guerras: a primeira em 421-422 e a segunda em 440. Por todo esse período a política religiosa sassânida diferiu dramaticamente de rei para rei. A despeito de uma série de fracos líderes, o sistema administrativo estabelecido por Shapur II permaneceu forte e o império continuou a funcionar efetivamente. Durante o tempo de Baram IV (388-399), a Armênia foi dividida por tratado entre os Impérios Romano (uma pequena parte do oeste da Armênia) e Sassânida (com domínio sobre a maior parte da Armênia). Yazdegerd I (399 a 421), seu filho, proibiu a perseguição contra os cristãos, punindo nobres e sacerdotes que os perseguiam. Teve uma era de paz com os romanos, com o jovem Teodosio II (408 a 450) sob sua tutela, casou com uma princesa judia e com ela teve um filho.
Seu sucessor foi seu filho Baram V (421 a 438), um dos mais conhecidos reis sassânidas e herói de muitos mitos. Em 427 ele esmagou uma invasão no leste por parte dos nômades Heftalitas, estendendo sua influência na Ásia Central onde sua figura sobreviveu por séculos na cunhagem de Bukhara (no moderno Uzbequistão). Depôs o rei vassalo da porção persa da Armênia, tornando-a uma província. Teve muitas vitórias sobre os romanos e simbolizou um rei a altura de uma idade de ouro, personificando a prosperidade real. Durante o seu tempo, as melhores peças da literatura sassânida foram escritas, peças notáveis de música sassânida foram produzidas e esportes como o polo tornaram-se passatempo real, uma tradição que permanece até hoje em muitos reinos.
Seu filho Yazdegerd II (438 a 457) foi, de muitas formas, um governante moderado, mas em contraste com Yazdegerd I, praticou uma política severa para com as religiões minoritárias, particularmente a cristã. Contudo, na Batalha de Avarayr (451), os súditos armênios, conduzidos por Vardan Mamikonian, garantiram à Armênia a livre profissão da fé cristã, mais tarde confirmado pelo tratado de Nvarsak (484). Em 443 lançou uma prolongada campanha contra os Kidaritas, que durou até a sua morte em 457.
Hormizd III (457-459), seu filho mais novo, ascendeu ao trono e entrou em luta com seu irmão mais velho, Peroz I, sendo morto por ele em 459. Os Hunos Brancos, que já haviam atacado a Pérsia no início do século V, derrotaram Peroz I (457-484) em 484, quando ele foi morto e seu exército liquidado. Após essa vitória os hunos avançaram até a cidade de Herat, lançando o império no caos. Finalmente um nobre iraniano, Sukhra, da antiga família de Karen, restaurou um pouco da ordem, elevando ao trono Balash, um dos irmãos de Peroz I. Balash (484-488) foi um monarca brando e generoso que fez concessões aos cristãos, mas não tomou qualquer providência contra os inimigos do Império, particularmente os hunos brancos. Após um reinado de quatro anos, foi cego e deposto pelos magnatas, sendo substituído por seu sobrinho Kavad I.


[1] O “Protetor Geral das Regiões Ocidentais” foi uma administração imperial imposta pela China Han sobre muitos estados menores e anteriormente independentes, que ficaram conhecidos na China como chineses das “Regiões Ocidentais”. Tais regiões referiam-se, principalmente, a áreas a oeste do Passo Yumen, especialmente as da bacia do rio Tarim.
[2] A Ossétia é uma região etno-linguística localizada nas duas vertentes do Grande Cáucaso e que é habitada principalmente pelos ossetas, um povo iraniano que fala a língua osseta (um idioma indo-iraniano). A área de língua osseta ao sul da principal cordilheira do Cáucaso encontra-se dentro das fronteiras legais da Geórgia, mas está, em grande parte, sob controle da República da Ossétia do Sul, um governo, na prática, não reconhecido internacionalmente.
[3] A Abecásia é uma região do Cáucaso, margem oriental do Mar Negro, e uma república autônoma ao norte da Geórgia, que se declara independente, desde o fim da guerra civil de 1992-1993, que arruinou a economia local e matou milhares de civis.
[4] Transoxiana ou Transoxania é o nome antigo usado para a porção da Ásia Central que corresponde, aproximadamente, aos modernos Uzbequistão, Tajiquistão, sul do Kirjistão e sudoeste do Cazaquistão. A região era uma das satrapias da dinastia Aquemênida da Pérsia, sob o nome Sogdiana.

Prossegue na próxima postagem com a PARTE 6

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A HISTÓRIA DO IMPÉRIO PERSA (IRÃ) - Parte 4

III.3 – IMPÉRIO PARTA (OU IMPÉRIO ARSÁCIDA) (247 AC-224 DC)
 
Andrágoras, o sátrapa selêucida que
deu origem ao Império Parta
 
Para bem entendermos a ascensão do Império Parta, temos que voltar um pouco no tempo já que os partas surgiram na história do Irã, bem antes da queda do Império Selêucida.
Em 247 AC, conforme já mencionado acima, Andrágoras, o governador Selêucida (sátrapa) da Pártia, proclamou a independência dos selêucidas, no momento em que, seguindo a morte do rei da Pérsia, Antíoco II, Ptolomeu III (terceiro rei da dinastia ptolemaica, no Egito, de 246 a 222 AC) tomou o controle da capital Selêucida na Antióquia, deixando incerto, por um período, o futuro da dinastia Selêucida. 
Arsaces I, fundador da dinastia
Arsácida da Pártia
Antes que Arsaces I da Pártia se tornasse o fundador da dinastia Arsácida, ele fora eleito líder das tribos Parni (dos Parnos), uma antiga tribo do centro da Ásia, de povos de etnia iraniana oriental e uma das várias tribos nômades da confederação do Dahae. Falavam uma língua iraniana oriental, em contraste com a língua iraniana do noroeste, falada naquela época na Pártia, província do noroeste, primeiro sob os aquemênidas e então sob o Império Selêucida. Com a independência da Pártia do Império Selêucida e a resultante perda do apoio militar daquele império, Andrágoras teve dificuldade na manutenção da suas fronteiras e cerca de 238 AC, sob o comando de Arsaces I e seu irmão Tiridates, os Parnos invadiram a Pártia tomando controle da sua região norte. Logo em seguida os Parnos tomaram o resto da Pártia de Andrágoras, matando-o no processo. O Império Parta foi, portanto, o reino da dinastia Arsácida (de Arsaces I), que reuniu e governou o Platô Iraniano após a conquista Parni de Pártia, derrotando o Império Selêucida ao final século III AC, com o controle intermitente da Mesopotâmia entre 150 AC e 224 DC. O Império Parta rapidamente incluiu também a Arábia Oriental. 
Fraates I, primeiro imperador Arsácida
sem interferência Seêucida
Por um tempo, Arsaces consolidou a posição na Pártia e Hircânia (província a sudeste do mar cáspio no moderno Irã), aproveitando a invasão do território selêucida no oeste por Ptolomeu III (246-222 AC) do Egito. Este conflito com Ptolomeu, a Terceira Guerra Síria[1], também permitiu que Diodotus I (sátrapa selêucida da Báctria) se rebelasse formando o Reino Greco-Bactriano, na Ásia Central, conforme visto anteriormente. Seu sucessor, Diodotus II, formou uma aliança com Arsaces contra os Selêucidas, mas Arsaces foi temporariamente despejado da Pártia pelas forças de Selêucos II (como vimos anteriormente), em 246-225 AC. Após algum tempo no exílio entre a tribo nômade Apasiacae, Arsaces conduziu um contra-ataque e recapturou a Pártia. Antíoco III, o Grande (222-187 AC), não pode retaliar à época pois suas tropas se encontravam envolvidas no sufoco da rebelião de Molon na Média. Em 210 ou 209, entretanto, ele lançou uma campanha maciça para retomar a Pártia e Báctria, sem sucesso, mas com um armistício de paz com Arsaces II: este ficava com o título de rei em troca de sua submissão a Antíoco III como seu superior. Os Selêucidas não puderam mais intervir nos assuntos da Pártia devido à crescente intromissão da República Romana e a derrota selêucida em Magnésia (região da Grécia), em 190 AC. Phriapatius da Pártia (191-176 AC) sucedeu a Arsaces II e Fraates I da Pártia (176-171 AC) posteriormente ascendeu ao trono, governando a Pártia sem mais interferência selêucida. 
Mitrídates I, que expandiu o Império
Parta para o leste, sul e oeste
Fraates I expandiu o controle da Pártia, mas a maior expansão do seu poder e território aconteceria no reinado de seu irmão e sucessor, Mitrídates I da Pártia (já mencionado anteriormente), que escritores comparam a Ciro, o Grande.
As relações entre Pártia e Greco-Báctria se deterioraram com a morte de Diodotus II, quando Mitrídates I capturou duas eparquias[2] deste reino. Desviando seus objetivos do reino Selêucida, Mitrídates I invadiu a Média e ocupou a Ecbatana (cidade importante da Média, oeste do Irã) em 147 ou 148 AC, região desestabilizada pela supressão selêucida recente de uma rebelião conduzida por Timarchus (usurpador no reino Selêucida entre 163 e 160 AC). Essa vitória foi seguida da conquista da Babilônia, na Mesopotâmia, onde Mitrídates I teve moedas cunhadas em Selêucia e uma cerimônia de investidura oficial. Enquanto Mitrídates retirava-se para Hircânia, suas forças subjugavam reinos menores, com sua autoridade estendendo-se para leste até o rio Indus. Embora Hecatompylos tivesse servido como primeira capital Parta, Mitrídates I estabeleceu residências reais em Selêucia, Ecbatana, Ctesifonte (mais tarde a capital oficial do reino 33 quilômetros a sudeste da moderna Bagdá, Iraque) e a recém fundada cidade de Mithradatkert (fortaleza de Mitrídates, antiga Nisa, no Turquemenistão), onde tumbas dos reis Arsácidas foram construídas e mantidas.
Conforme introduzido acima, Demétrio II Nicator esboçou uma contraofensiva contra os Partas na Mesopotâmia, mas embora alguns sucessos iniciais, foi derrotado, capturado e conduzido para Hircânia onde foi tratado com toda a hospitalidade, recebendo de Mitrídates I a sua filha como esposa. Da mesma forma, Antíoco VII Sidetes, irmão de Demétrio II, assumindo o trono logo tentou a retomada da Mesopotâmia, então sob Fraates II da Pártia (138-128 AC). Houve um instante em que os Partas pediram a paz que Antíoco VII se recusou a aceitar, a menos que eles desistissem de todas as terras conquistadas, com exceção da própria Pártia, pagassem pesado tributo e libertassem Demétrio II. Os Arsácidas libertaram Demétrio II enviando-o para a Síria, mas negaram o atendimento das demais condições. Tendo que subjugar as revoltas que eclodiam, a principal força parta penetrou na região matando Antíoco VII em batalha. Seu filho Selêucos tornou-se refém dos Partas e sua filha foi adicionada ao harém de Fraates II.
Enquanto os partas voltavam a conquistar os territórios perdidos no oeste, outra ameaça surgia no leste. Em 177-176 AC, após receber invasões da China que forçaram outras invasões culminando com a ocupação das fronteiras nordeste do Império Parta, Mitrídates I foi forçado a deslocar-se para Hircânia, após sua conquista da Mesopotâmia. Uma das tribos invasoras (Saka) mantinha mercenários que lutavam com Fraates II, contra Antíoco VII, mas que chegaram tarde para participar do conflito; quando Fraates II recusou-se a pagar seus salários, os Saka se revoltaram e ele tentou submetê-los com a ajuda de antigos soldados selêucidas que também o abandonaram, se aliando aos Saka. Fraates II marchou então contra essa força combinada e foi morto em batalha. Seu sucessor Artabano I da Pártia (128-124 AC) teve destino semelhante lutando contra nômades no leste. Mitrídates II da Pártia (124-90 AC) recuperou, mais tarde, todas as terras perdidas aos Saka no Sistan[3]
Mitrídates II, iniciador do comércio da seda com a China
Em seguida à retirada Selêucida da Mesopotâmia, o governador Parta da Babilônia foi enviado pela corte Arsácida a conquistar Charakene[4] (Characene, Mesene ou Meshan), então dominada por Hyspaosines, de Charax Spasinou. Quando a tentativa falhou, Hyspaosines invadiu a Babilônia em 127 AC, ocupando a Selêucia. Contudo, em 122 AC Mitrídates II expulsou Hyspaosines da Babilônia fazendo os reis de Charakene vassalos dos Partas. Depois que Mitrídates II estendeu o controle parta mais a oeste, ocupando Dura-Europos (margem direita do Eufrates, atual Síria) em 113 AC, meteu-se em conflito com o Reino da Armênia. Suas forças derrotaram e depuseram Artavasdes I da Armênia em 97 AC, tomando seu filho Tigranes – que se tornaria Tigranes II, o Grande, da Armênia (95-55 AC) - como refém.
Durante o reino do Imperador Wu de Han (141 – 87 AC), o Império Han, da China, enviou uma delegação à corte de Mitrídates II, em 121 AC, abrindo relações comerciais oficias com a Pártia, via “Estrada da Seda”, embora sem conseguir uma desejada aliança militar para combater seus inimigos. Os mercadores da Sogdia, falando uma língua iraniana oriental, serviram como os revendedores primários desse vital comércio da seda entre a Pártia e a China Han[5].
O Império Parta transformou-se no arqui-inimigo oriental do Império Romano, limitando a sua expansão além da Capadócia (Anatólia Central). Os dois impérios colidiram por mais de dois séculos na Mesopotâmia, com sérias derrotas iniciais infligidas aos romanos, como a de Crassus, na Batalha de Carrhae (moderna Harran, a sudeste da Turquia), em 54 AC, ou a de Marco Antônio (36 AC). O Império Yuezhi Kushan, na região norte da Índia, garantia a segurança da fronteira leste da Pártia e, por isso, a partir de meados do século I AC, a corte Arsácida focou na defesa da fronteira oeste, principalmente contra Roma.
Um ano após Mitrídates II ter subjugado a Armênia, Lucius Cornelius Sulla, o pro-cônsul (funcionário romano que atuava em nome de um cônsul) romano da Cilícia[6], fez um acordo com o diplomata Parta Orobazus, pelo qual ambos acordavam que o rio Eufrates serviria como fronteira entre Pártia e Roma. A despeito desse acordo, em 93 ou 92 AC, a Pártia lutou na Síria (margem romana do Eufrates) contra o líder tribal Laodice e seu aliado selêucida Antíoco X Eusebes. Quando um dos últimos monarcas selêucidas, Demétrio III Eucaerus, tentou sitiar Beroia (moderna Alepo), a Pártia enviou ajuda militar aos habitantes e Demétrio foi derrotado.
Após o governo de Mitrídates II, Gotarzes I governou a Babilônia e Orodes I (90 a 80 AC) governou a Pártia separadamente; esse sistema de monarquia dividida enfraqueceu a Pártia, permitindo que Tigranes II da Armênia anexasse território parta a oeste da Mesopotâmia. Essas terras só retornariam à Pártia durante o reinado de Sanatruces da Pártia (78 a 71 AC). Logo após a eclosão da Terceira Guerra Mitridática (última das três guerras entre Roma e Pártia), Mitrídates VI do Ponto, um aliado de Tigranes II da Armênia, pediu ajuda da Pártia contra Roma, que Sanatruces recusou dar. Quando o comandante romano Lucullus marchou contra Tigranocerta, a capital da Armênia, em 69 AC, Mitrídates VI e Tigranes II pediram ajuda de Fraates III da Pártia (71 – 58 AC), que também não os atendeu. Após a queda de Tigranocerta, ele reafirmou, com Lucullus, o Eufrates como limite entre a Pártia e Roma.
O filho de Tigranes II da Armênia, Tigranes, o Jovem, tentou um golpe contra seu pai e falhou. Fugiu então para Fraates III, convencendo-o a marchar contra a nova capital armênia em Artaxarta. Quando este cerco falhou, Tigranes o Jovem fugiu novamente, desta vez para o comandante romano Pompeu, oferecendo-se como guia através da Armênia, mas quando Tigranes II submeteu-se a Roma como rei cliente, Tigranes o Jovem foi levado para Roma como refém. Fraates III exigiu a liberdade de Tigranes o Jovem, que Pompeu recusou. Em retaliação, Fraates III lançou uma invasão na Corduene (sudeste da Turquia) onde, de acordo com relatos romanos conflitantes, o cônsul romano Lucius Afranius expulsou os Partas, por meios militares ou diplomáticos.
Fraates III foi assassinado por seus filhos, Orodes II da Pártia e Mitrídates III da Pártia, após o que Orodes virou-se contra o irmão que fugiu da Média para a Síria Romana. O pro-cônsul romano na Síria, Aulus Gabibius, marchou em apoio a Mitrídates III mas teve que retornar em ajuda a Ptolomeu XII que enfrentava revolta no Egito. Mesmo sem o apoio romano, Mitrídates III conquistou a Babilônia, cunhando moedas na Selêucia até 54 AC, quando um general de Orodes II, conhecido apenas como Surena, recapturou a Selêucia executando Mitrídates III.
Marcus Licinius Crassus, um dos membros do primeiro triunvirato romano (Cesar, Crassus e Pompeu), agora pro-cônsul da Síria, invadiu a Pártia em 53 AC como atrasado apoio a Mitrídates III. Enquanto seu exército marchava para Carrhae, Orodes II invadiu a Armênia impedindo o apoio de Artavasdes II da Armênia, aliado de Roma, persuadindo Artavasdes a uma aliança de casamento entre Pacorus I da Pártia, príncipe herdeiro, com a sua irmã. Surena, com um exército com inferioridade de quatro para um, lutou e venceu o exército de Crassus, que fugiu para o interior da Armênia. À frente de seu exército, Surena aproximou-se de Crassus para propor uma negociação que Crassus aceitou. Quando montava para o encontro, um oficial seu suspeitou de uma emboscada e segurou as rédeas do seu cavalo, provocando uma súbita luta entre partas e romanos que acabou com a morte de Crassus. Com seu exército, cativos de guerra e um precioso saque, Surena viajou 700 km de volta para Selêucia onde sua vitória foi celebrada. Temendo suas ambições para com o trono Arsácida, Orodes II mandou executar Surena logo em seguida.
Estimulados por sua vitória sobre Crassus, os Partas tentaram capturar territórios romanos na Ásia Ocidental. O príncipe herdeiro Pacorus I, com seu comandante Osaces, atacou a Síria até a Antióquia, em 51 AC, mas foi repelido por Gaius Cassius Longinus que emboscou e matou Osaces. Os Arsácidas se juntaram a Pompeu contra Júlio Cesar (no Primeiro Triunvirato), enviando também tropas para apoiar as forças contra Cesar Augusto na batalha de Philippi, Macedônia, em 42 AC, que selou a vitória do Segundo Triunvirato (Gaio Julio Cesar Octaviano ou Cesar Augusto, Marco Antônio e Marco Emilio Lepido) contra os assassinos de Júlio Cesar, Cassius e Brutus. Após a ocupação da Síria, Pacorus I e seu comandante Barzapharnes invadiram o Levante romano. Subjugaram todos os povoamentos ao longo da costa do Mediterrâneo até Ptolomais (moderna Acre, em Israel), com a exceção do Tiro. Na Judea, as forças judias pró Roma, do alto sacerdote Hircano II, Fasael e Herodes foram derrotadas pelos Partas e seu aliado judeu Antígono II Matatias, mais tarde rei da Judea, enquanto Herodes fugia para sua fortaleza de Massada. A despeito desses sucessos, os Partas logo foram expulsos do Levante por uma contraofensiva romana. Uma força parta na Síria, comandada pelo general Pharnapates, foi derrotada pelo romano Ventidius na batalha de Amanus Pass, causando a retirada de Pacorus I da Síria; quando ele retornou, na primavera de 38 AC, enfrentou Ventidius em nova batalha no nordeste de Antióquia. Pacorus foi morto durante a batalha e suas forças se retiraram para além do Eufrates. Sua morte causou uma crise na sucessão, quando Orodes II escolheu Fraates IV da Pártia como seu novo herdeiro.
Assim que assumiu o trono, Fraates IV eliminou a concorrência ao trono matando e exilando seus próprios irmãos. Um deles, Monaeses, fugiu para Marco Antônio e convenceu-o a invadir a Pártia. Marco Antônio derrotou o aliado da Pártia, Antígono II Matatias, da Judea, em 37 AC, instalando Herodes o Grande, como rei cliente, em seu lugar. No ano seguinte, quando Marco Antônio marchou para Erzurum (extremo leste da Anatólia), Artavasdes II da Armênia, mudou de lado mais uma vez, enviando tropas adicionais para ele. Marco Antônio invadiu a Média Atropatene (o moderno Azerbaijão Iraniano), então governado pelo aliado da Pártia, Artavasdes I da Média Atropatene, com a intenção de capturar sua capital Praaspa. Contudo, Fraates IV emboscou a retaguarda das forças de Marco Antônio causando a retirada do apoio de Artavasdes II às forças de Marco Antônio. Os Partas perseguiram e fustigaram o exército de Marco Antônio em sua retirada para a Armênia, que finalmente conseguiu alcançar a Síria, muito enfraquecido. Através de um ardil que prometia um casamento de aliança, Marco Antônio aprisionou Artavasdes II em 34 AC, enviando-o para Roma e lá executando-o. Posteriormente tentou uma aliança com Artavasdes I da Média Atropatene, cujas relações com Fraates IV haviam recentemente azedado. Tal ideia foi abandonada quando as forças de Artavasdes I se retiraram da Armênia em 33 AC, escapando de uma invasão parta, enquanto seu rival Cesar Augusto atacava suas forças a oeste. Após o suicídio de Marco Antônio no Egito, o aliado da Pártia, Artaxis II reassumiu o trono na Armênia.
Cerca de 26 AC, Tiridates II da Pártia depôs Fraates IV - por curto espaço de tempo -, que rapidamente restabeleceu seu domínio com a ajuda dos nômades da Cítia. Tiridates II fugiu para os romanos levando consigo um dos filhos de Fraates IV. Em 20 AC Fraates IV conseguiu negociar a liberdade de seu filho com os romanos, que receberam em troca os estandartes legionários tomados em Carrhae, em 53 AC, bem como os sobreviventes prisioneiros de guerra, com isso selando uma paz com Roma, já sob Otaviano, agora Cesar Augusto, como primeiro Imperador Romano. Com o príncipe, Augusto também deu a Fraates IV uma escrava italiana que tornou-se mais tarde a rainha Musa da Pártia. Para garantir que seu filho Fraataces herdasse o trono sem incidentes, Musa convenceu Fraates IV a dar seus outros filhos a Augusto como reféns, fato que ele usou como propaganda de submissão da Pártia a Roma, como um de seus grandes feitos. Quando Fraataces assumiu o trono como Fraates V (2 AC a 4 DC), Musa casou com seu próprio filho governando junto com ele. A nobreza parta, desaprovando as relações incestuosas de mãe e filho e a noção de um rei de sangue não Arsácida, obrigou o casal ao exílio em território romano. Seu sucessor, Orodes III, reinou por apenas dois anos e foi sucedido por Vonones I, que tinha adotado maneirismos romanos por sua estada em Roma. A nobreza parta, enfurecida pelas simpatias de Vonones pelos romanos, apoiou um vindicante rival, Artabano III da Pártia (10 a 38 DC), que derrotou Vonones enviando-o para o exílio na Síria Romana.
Durante o reinado de Artabano III, dois irmãos plebeus judeus, Anilai e Asinai, de Nehardea (próxima da moderna Fallujah, Iraque), lideraram uma revolta contra o governador Parta, da Babilônia, derrotando-o e conseguindo de Artabano III o direito de governar a região, com medo de mais revoltas. A esposa Parta de Anilai envenenou Asinai com medo de que ele atacasse seu esposo por ser casado com não judia. A seguir, Anilai envolveu-se em um conflito armado contra um genro de Artabano III, que acabou derrotando-o. Com o regime judeu removido, os babilônios nativos passaram a ameaçar a comunidade judia obrigando-a a emigrar para a Selêucia. Quando esta cidade rebelou-se contra o domínio Parta, em 35-36 DC, os judeus foram novamente expulsos pelos gregos e arameus locais, desta feita para Ctesifonte, Nehardea (cidade da Babilônia próxima do encontro do Eufrates com o Nahr Malka e da moderna Faluja) e Nisibis (antiga Mesopotâmia, hoje moderna Turquia).



[1] As Guerras Sírias foram uma série de seis guerras entre o Império Selêucida e o Reino Ptolomaico do Egito, estados sucessores do Império de Alexandre, o Grande, durante os séculos II e III AC, pela conquista da região da Coele-Síria, uma das poucas rotas para o Egito. Esses conflitos drenaram material e homens de ambas as partes conduzindo às suas eventuais destruições e conquistas por Roma e Pártia.
[2] Eparquia é uma palavra grega que pode ser traduzida como domínio ou jurisdição sobre algo como uma província, prefeitura ou território. No uso secular, a eparquia denotava um distrito administrativo na região do reino Greco-Báctria.
[3] Conhecido em épocas anteriores como Sakastan (terra dos Saka), o Sistan é uma região histórica e geográfica que seria formada pelos atuais Irã oriental, sul do Afeganistão e oeste do Paquistão.
[4] Charakene foi um reino do Império Parta localizado no início do Golfo Pérsico, parte sul do atual Iraque. Sua capital, Charax Spasinou, foi um importante porto para o comércio entre a Mesopotâmia e a Índia, também provendo instalações para a cidade de Susa, mais a montante no rio Karun.
[5] A dinastia Han foi a segunda dinastia imperial da China (201 AC a 220 DC), e seu período é considerado a era de ouro da história chinesa. Até hoje o grupo étnico majoritário da China refere-se a si próprio como o “povo Han” e a china daquela dinastia ficou sendo conhecida como China Han.
[6] Na antiguidade, a Cilícia era a região costeira da Ásia Menor, existindo como entidade política do Reino Armênio da Cilícia, durante o antigo Império Bizantino. Estendendo-se da costa sul da moderna Turquia, a Cilícia avança ao norte e nordeste da ilha de Chipre, correspondendo à moderna região de Çukurova, na Turquia.
Continua com a Parte 5