Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A REFORMA E OS REFORMADORES - PARTE 3

IV - IDEIAS ORIGINAIS E OBJETIVOS DOS REFORMADORES

O primeiro impulso da secessão foi fornecido pela oposição de Martin Lutero, na Alemanha, e de Ulrich Zwingli (Ulrico Zuínglio, como é conhecido em Português), na Suíça Alemã, à promulgação, pelo Papa Leão X, de indulgências para contribuições à reconstrução da Basílica de São Pedro, em Roma. As “Indulgências” constituem um tema tão complexo e importante na questão da Reforma, que vamos dedicar ao assunto um subcapítulo especial, dedicado aos leitores que queiram se aprofundar um pouco mais no assunto.

IV.1 - INDULGÊNCIAS

A palavra “Indulgência” talvez encoraje mais falsos juízos do que qualquer outro ensinamento na teologia católica. As pessoas que atacam a Igreja pelo uso das indulgências, confiam na – e tiram vantagem disso – ignorância de católicos e não católicos.
O que é uma indulgência? Originalmente significava uma gentileza ou favor; posteriormente veio a significar a remissão de uma taxa ou débito. Na lei romana e no Velho Testamento ela foi usada para expressar liberação do cativeiro ou punição. Em linguagem teológica a palavra é algumas vezes empregada em seu sentido original para significar benevolência e perdão de Deus. A Igreja explica: “Uma indulgência é uma remissão (perdão), diante de Deus, da punição temporal devido aos pecados cuja culpa já foi perdoada, que o fiel cristão, devidamente disposto recebe, sob certas condições definidas, com a ajuda da Igreja quando, como ministro de redenção, ela dispensa e aplica com a autoridade do tesouro das satisfações conquistadas por Cristo e os Santos”.
No ensinamento da Igreja Católica Romana, uma indulgência é “uma forma de reduzir o tamanho da punição que alguém deve sofrer por ter pecado”, que pode reduzir a penitência necessária após cometer um pecado que foi confessado e perdoado e/ou, após a morte, o tempo a permanecer no Purgatório[1].
O recebedor de uma indulgência deve realizar alguma ação para recebe-la. Na maioria das vezes, trata-se de dizer, uma ou mais vezes, uma oração ou conjunto de orações específicas, mas pode também incluir a visitação a um local determinado ou a realização de boas obras específicas.
As indulgências foram introduzidas visando a remissão das severas penas da Igreja primitiva e concedidas pela intercessão de cristãos que aguardavam o martírio ou, pelo menos, que tivessem sido presos pela fé. Eram sacadas do “Tesouro do Mérito[2]” acumulado pelo sacrifício meritório superabundante de Cristo na cruz e pelas virtudes e penitências dos Santos. São concedidas por boas obras e orações específicas proporcionalmente à devoção com que elas são praticadas ou recitadas.
De acordo com os ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica, dois tipos de consequências ocorrem quando alguém peca: eternas e temporais (ou seculares). Um pecado mortal (muito grave e cometido consciente e livremente) é equivalente a recusar amizade com Deus e comunhão com a única fonte de vida eterna. A perda da vida eterna com Deus e a eterna morte no inferno, efeito desta rejeição, é chamada de “punição eterna” do pecado. Além desta punição devido ao pecado mortal, cada pecado (incluindo os venais) afasta o cristão de Deus através do que o Catecismo chama de ligação insalubre às criaturas, uma ligação que deve ser purificada aqui na Terra ou, após a morte, no Purgatório. A necessidade resultante de quebrar essa conexão às criaturas é uma outra punição do pecado, chamada de “punição temporal” porque, não sendo uma rejeição total de Deus, não é eterna e pode ser superada com o tempo. Mesmo quando o pecado é perdoado, a conexão associada pode permanecer; a punição temporal que segue o pecado é assim experimentada durante a vida terrena ou no purgatório. Nesta vida, a purificação necessária da ligação às criaturas pode, pelo menos em parte, ser alcançada pela opção a Deus, pela oração, penitência e obras de perdão e caridade.
As indulgências seriam uma ajuda para que se alcançar esta purificação. A doutrina católica da comunhão dos Santos ensina que o trabalho de purificação ou santificação não necessita ser feita inteiramente pela pessoa diretamente interessada, dado que por esta comunhão, “a vida de cada filho de Deus, em Cristo e por Cristo, é ligada por um maravilhoso vínculo, à vida de todos os seus outros irmãos cristãos, na unidade sobrenatural do Corpo Místico de Cristo até que uma só pessoa mística seja formada”. A comunicação dos bens espirituais, que incluem os méritos infinitos do próprio Cristo, o “Tesouro da Igreja”, e considerando a interpretação da Igreja do “poder de atar ou desatar” garantido por Cristo, a Igreja considera que pode administrar, aos que estão sob sua jurisdição, os benefícios desses méritos em vista de orações ou outras obras pias empreendidas pelos fiéis. Ao abrir aos cristãos individuais seu tesouro, “a Igreja não quer simplesmente vir ao auxílio desses cristãos, mas também estimulá-los aos trabalhos de devoção, penitência e caridade”.
Assim, uma indulgência não perdoa a culpa do pecado, nem libera o castigo eterno que a doutrina da Igreja associa com pecados mortais não perdoados. A Igreja Católica ensina, ao contrário, que as indulgências apenas abrandam o castigo temporal resultante do efeito do pecado e que a pessoa ainda necessita ter seus graves pecados absolvidos, normalmente pelo sacramento da Confissão, para receber a salvação. Similarmente, a indulgência não é uma licença para pecar, um perdão para um pecado futuro, nem uma garantia de salvação para ninguém. Ordinariamente, o perdão de pecados mortais é obtido através da confissão.
Uma vez que aqueles que morreram em estado de graça (com seus pecados mortais perdoados) são membros da comunhão dos santos, crê a Igreja Católica que os vivos podem ajudar àqueles a quem a purificação de seus pecados ainda não foi completada, não apenas por orações, mas também pela obtenção de indulgências para eles. E como a Igreja da Terra não tem jurisdição sobre os mortos, as indulgências podem ser ganhas somente por um ato de intercessão.
Uma indulgência pode ser plenária, quando redime toda a punição temporal exigida para purificar a alma da conexão a tudo com exceção de Deus; ou parcial, quando redime somente parte da punição temporal (purificação) devido ao pecado. Para receber uma indulgência plenária, uma pessoa deve excluir toda a ligação ao pecado de qualquer espécie, mesmo pecados veniais, realizar as obras ou dizer as orações pelas quais a indulgência é concedida, bem como preencher as três condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração pelas intenções do Papa. A condição mínima para receber uma indulgência parcial é ter o coração contrito; nessas condições, um católico que realiza a obra ou recita a oração prescrita, recebe, através da Igreja, a remissão da punição temporal de mesmo valor que a obtida pela própria ação da pessoa.
Ponto importantíssimo a considerar, no que foi dito até aqui sobre as indulgências, é a crença que o fiel deve possuir na doutrina da Igreja Católica. Se a pessoa não acredita na doutrina da Igreja, ela não vai aceitar a indulgência como ferramenta importante e válida para a sua salvação.
Na Igreja antiga, especialmente do século III para a frente, autoridades eclesiásticas autorizavam um confessor ou cristão aguardando o martírio a interceder por outro cristão para encurtar sua penitência canônica. O Concílio de Epaone, em 517, testemunha o surgimento da prática de substituir severas penitências canônicas por uma nova mais suave: o seu 29º Canon reduzia para dois anos a penitência a que os apóstatas[3] se deviam sujeitar no seu retorno à Igreja, mas os obrigava a jejuar um dia em três, durante aqueles dois anos, para virem à igreja e tomar o seu lugar na porta dos penitentes e sair com os catecúmenos[4]. Qualquer um que objetasse ao novo arranjo, deveria observar a antiga penitência muito mais longa.
Após saber o que são as indulgências, é muito importante que se esclareça o que elas não são e, para isso, aqui colocamos os sete mitos mais comuns sobre as indulgências, segundo a Igreja.
Mito 1: Uma pessoa pode evitar a sua ida para o inferno com a compra de indulgências.
Tal ideia é totalmente sem fundamento. Uma vez que as indulgências perdoam só as penas temporais, elas não podem perdoar a pena eterna do inferno. Uma vez que a pessoa esteja no inferno, nenhuma quantidade de indulgências jamais mudará tal fato. A única forma de evitar o inferno é através do apelo à eterna misericórdia de Deus enquanto ainda vivo. Após a morte, o destino eterno de alguém está selado.
Mito 2: Uma pessoa pode comprar indulgências por pecados ainda não cometidos.
A Igreja sempre ensinou que indulgências não se aplicam a pecados ainda não cometidos. A Enciclopédia Católica observa: “Uma indulgência não é uma permissão para cometer pecados, nem um perdão para futuros pecados; nenhum deles pode ser garantido por qualquer poder”.
Mito 3: Uma pessoa pode “comprar perdão” com indulgências.
A definição de indulgência pressupõe que o perdão já foi concedido. Indulgências não perdoam pecados em nenhuma hipótese. Elas tratam com as punições aplicadas após os pecados terem sido perdoados.
Mito 4: As indulgências foram inventadas como forma da Igreja levantar fundos.
As indulgências se desenvolveram a partir de reflexões sobre o sacramento de reconciliação. Elas são apenas um meio de encurtar a penitência de doutrina sacramental e estavam em uso séculos antes de surgirem problemas relacionados a dinheiro.
Mito 5: Uma indulgência encurtará o seu tempo no purgatório por um número fixado de dias.
O número de dias que costumava ser ligado às indulgências, eram referências ao período de penitência que alguém poderia ter durante a vida na terra. A Igreja Católica não afirma conhecer algo sobre quão longo ou curto o purgatório é, em geral, muito menos no caso de uma pessoa.
Mito 6: Uma pessoa pode comprar indulgências.
O Concílio de Trento instituiu severas reformas na prática de concessão de indulgências e, por causa de abusos anteriores, “em 1567 o Papa Pio V cancelou toda a concessão de indulgências envolvendo quaisquer taxas ou outras transações financeiras”. Esse ato provou a seriedade da Igreja quanto a cessar os abusos relativos a indulgências.
Mito 7: Uma pessoa costumava poder comprar indulgências.
Nunca alguém pode comprar indulgências. O escândalo financeiro envolvendo indulgências, o escândalo que deu a Martin Luther uma desculpa para sua heterodoxia, envolveu esmolas – indulgências em que a doação de esmolas para algum fundo ou fundação de caridade foi usado como a ocasião para conceder a indulgência. Nunca houve uma franca venda de indulgência. A Enciclopédia Católica estabelece: “É fácil de ver como os abusos se infiltraram. Entre as boas obras que poderiam ser encorajadas para se tornarem condição de uma indulgência, a doação de esmolas naturalmente iria ocupar um local proeminente. É bom observar que nestes objetivos não há nada de essencialmente mau. Dar dinheiro a Deus ou ao pobre é um ato louvável e, quando isso é feito por motivos corretos, não ocorrerá sem uma recompensa”.
Esses sete mitos ajudam a entender as indulgências, mas ainda há algumas questões a serem postas, sempre segundo a Igreja:
Quantas punições temporais de alguém podem ser perdoadas?
Potencialmente, todas elas. A Igreja reconhece que Cristo e os Santos são interessados em ajudar os penitentes a tratar das consequências de seus pecados, como indicado pelo fato de que eles sempre oram por nós. Cumprindo o seu papel na administração das punições temporais, a Igreja saca o farto estoque de recompensas que Deus escolheu conceder aos Santos – que O agradaram – e ao Seu Filho – que Lhe agradou mais que todos. As recompensas que a Igreja extrai são infinitas porque Cristo é Deus, de forma que as recompensas que ele provê são infinitas e nunca serão exauridas. As recompensas dos Santos são adicionadas às de Cristo não porque algo esteja faltando, mas porque unindo as suas recompensas às d’Ele, os Santos estarão unidos com Ele. Embora imensas, suas recompensas são finitas, mas as dele são infinitas.
Se a Igreja possui os recursos para apagar as punições temporais de todos, por que ela não faz isso?
Porque Deus não deseja que isso seja feito. O próprio Deus instituiu o padrão de punições temporais serem deixadas pendentes. Elas preenchem várias funções, uma delas disciplinar. Se uma criança não fosse disciplinada, nunca aprenderia a obediência. Deus nos disciplina como suas crianças, de forma que algumas punições temporais devem permanecer. Da mesma forma que o arrependimento e a fé são necessários para a remissão das punições eternas, elas são também necessárias para a remissão das punições temporais. O Papa Paulo VI estabeleceu: “As indulgências não podem ser ganhas sem uma sincera conversão de perspectiva e unidade com Deus”. Poderíamos dizer que o grau de remissão depende de quão bem o penitente aprendeu a sua lição.
Como alguém sabe a quantidade de que sua punição foi reduzida?
Antes do Concílio Vaticano II, cada indulgência removia um certo número de “dias” do castigo de alguém – por exemplo, um ato poderia receber uma “indulgência de 300 dias” -, mas o uso do termo “dias” confundia as pessoas, dando-lhes a impressão enganosa de que no Purgatório o tempo, como o conhecemos, ainda existe, e que podemos calcular nosso “bom tempo” de uma forma mecânica. O número de dias associado às indulgências, nunca significou, de fato, que aquele tempo seria retirado da estada de alguém no Purgatório; apenas significava que uma quantidade indefinida de remissão, mas parcial, nunca total, seria concedida, adequada ao que os Cristãos antigos teriam recebido pela realização daquela penitência de tantos dias. Assim, alguém que ganhasse 300 dias de indulgência, ganhava, grosseiramente, o que um Cristão antigo teria ganho por, digamos, recitar uma oração particular que valesse 300 dias. Para superar a confusão, Paulo VI editou uma revisão do manual de indulgências. Hoje, o número de dias não está associado às indulgências, mas elas apenas podem ser plenárias ou parciais.
Qual a diferença entre uma indulgência parcial e uma plenária?
Uma indulgência é parcial ou plenária se ela remover parte ou toda a punição temporal devida ao pecado. Somente Deus sabe exatamente quão eficaz é uma particular indulgência parcial ou se uma indulgência plenária foi totalmente recebida.
As indulgências não duplicam ou mesmo negam as obras de Cristo?
A despeito do suporte bíblico às indulgências, alguns são críticos agudos delas e insistem em que a doutrina suplanta o trabalho de Cristo e nos transforma em nossos próprios salvadores. Esta objeção resulta da confusão sobre a natureza das indulgências e sobre a forma como o trabalho de Cristo é aplicado a nós. As indulgências aplicam-se somente às punições temporais, não às eternas. A Bíblia indica que essas punições podem permanecer após um pecado ter sido perdoado e que Deus atenua essas punições como recompensa aos que o agradaram. Se a Bíblia indica isso, o trabalho de Cristo não pode ter sido suplantado pelas indulgências. Os méritos de Cristo, dado que são infinitos, compreendem a maioria dos que compõem o Tesouro de Méritos. Aplicando esses méritos aos crentes, a Igreja atua como serva de Cristo na aplicação do que ele tem feito por nós e sabemos, das Escrituras, que o trabalho de Cristo é consagrado a nós ao longo do tempo e não de uma só feita.
Não seria melhor colocar toda a ênfase somente em Cristo?Se ignoramos o fato das indulgências, esquecemos como Cristo age através de nós e falhamos em reconhecer o valor do que ele tem feito em nós. São Paulo usa a mesma espécie de linguagem: “Agora eu me alegro em meus sofrimentos por Vós e em minha carne eu completo o que está faltando nas aflições de Cristo, por este corpo, isto é, a Igreja” (Col. 1:24). Embora os sofrimentos de Cristo fossem superabundantes (muito mais do que o necessário para pagar qualquer coisa), São Paulo falou em completar o que “faltava” nos sofrimentos de Cristo. Se essa forma de discurso era permitida a Paulo, é permitida a nós, embora a linguagem Católica sobre indulgências seja muito menos chocante que a linguagem de Paulo sobre seu papel na salvação. Os Católicos não deveriam ser defensivos sobre as indulgências. Elas são baseadas em princípios diretos da Bíblia e podemos ter confiança, não apenas de que as indulgências existem, mas que são úteis e valiosas de obter. O Papa Paulo VI declarou: “A Igreja convida todos os seus filhos a pensar e ponderar em suas mentes, tão bem quanto possam, sobre como usar as indulgências em benefício de suas vidas e da sociedade cristã... Apoiados por essas verdades, a Santa Mãe Igreja novamente recomenda a prática de indulgências aos fiéis, que tem sido tão cara ao povo cristão por tantos séculos bem como em nossos próprios dias. A experiência prova isso. ”

Para ganhar uma indulgência, você deve ser um católico, para estar sob a jurisdição da Igreja, e estar em estado de graça porque, afastado da graça de Deus, nenhuma de suas ações é fundamentalmente agradável a Deus (meritória).
Aqueles que alegam que indulgências não fazem mais parte dos ensinamentos da Igreja, têm o desejo admirável de se distanciar dos abusos ocorridos à época da Reforma Protestante. Também desejam remover obstáculos que impedem não católicos de terem uma visão positiva da Igreja. Embora esses motivos sejam admiráveis, a alegação é falsa. A prova disso é o Catecismo da Igreja Católica que estabelece: “Uma indulgência é obtida através da Igreja que, pelo poder de atar e desatar a ela concedido por Jesus, intervém em favor dos cristãos individuais, abrindo a eles o tesouro dos méritos de Cristo e dos Santos, para obter do Pai a remissão da punição temporal devida por seus pecados”. A Igreja faz isso não apenas para ajudar os Cristãos, mas também para estimulá-los aos trabalhos de devoção, penitência e caridade. As indulgências são parte do ensinamento infalível da Igreja, significando que nenhum Católico tem liberdade para descrer delas. O Concílio de Trento estabeleceu que condena com o anátema (excomunhão) àqueles que dizem que as indulgências são inúteis ou que a Igreja não tem o poder de concedê-las, colocando-as no domínio do ensinamento definido como infalível.

[1] Purgatório, de acordo com a doutrina da Igreja Católica, é um estado intermediário, após a morte física, em que aqueles que são destinados ao Céu, “são submetidos à purificação para alcançar a santidade necessária para obter a alegria do Céu”. Somente aqueles que morrem em estado de graça, mas durante a vida não alcançaram um nível suficiente de santidade, podem ir ao Purgatório; no Purgatório ninguém permanecerá para sempre naquele estado ou irá para o Inferno.
[2] O “Tesouro do Mérito” ou “Tesouro da Igreja”, de acordo com a crença católica, são os méritos de Jesus Cristo e seus fiéis, um tesouro que, por causa da comunhão dos Santos, beneficia também outras pessoas. De acordo com o Dicionário Westminster de Termos Teológicos, a crença católica é uma forma de expressar a visão de que as boas obras de Jesus e outros podem beneficiar outras pessoas. Os teólogos católicos contemporâneos o vêm como uma metáfora dos caminhos pelos quais a fé de Cristo e dos Santos pode ajudar a outros.
[3] Apostasia significa o afastamento definitivo e deliberado de alguma coisa, uma renúncia de sua anterior fé ou doutrinação, que pode manifestar-se abertamente ou de modo oculto. Dependendo de cada religião, um apóstata, afastado do grupo religioso do qual era membro, pode ser vítima de preconceito, intolerância, difamação e calúnia por parte dos demais membros ativos. Um caso extremo é a aplicação da pena de morte para apóstatas da religião islâmica em países muçulmanos, como por exemplo, na Arábia Saudita.
[4] O catecumenato ou formação dos catecúmenos, tem por finalidade permitir às pessoas, em resposta à iniciativa divina e em união com uma comunidade eclesial, a sua conversão e a obtenção da fé. Trata-se de uma "formação à vida cristã integral (...) pela qual os discípulos são unidos a Cristo, seu mestre. Por isso, os catecúmenos devem ser iniciados (...) nos mistérios da salvação e na prática de uma vida evangélica, e introduzidos, mediante ritos sagrados celebrados em épocas sucessivas, na vida da fé, da liturgia e da caridade do povo de Deus "

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A REFORMA E OS REFORMADORES - PARTE 2

III – OS PRECURSORES DA REFORMA

Como a Renascença, que pouco a antecedeu, a Reforma tem um grande número de possíveis pontos de partida. O desejo de redescobrir uma versão mais simples e autêntica da vida cristã é característico de muitos novos movimentos dentro do Cristianismo, um dos quais o comprometimento com a pobreza de São Francisco. A reação contra o mundanismo da Igreja é outro tema recorrente, como o caso de Savonarola[1]. Mas John Wycliffe,
John Wycliffe, precursor das reformas religiosas que

sacudiram a Europa nos séculos XV e XVI
na Inglaterra do século XIV, introduz tantos fatores da Reforma – com relação a prelados mundanos, a primazia da escritura e a natureza da Eucaristia – que ele é usualmente identificado como o principal precursor deste maior de todos os levantes da história Cristã.
Entre 1376 e 1379, John Wycliffe, escrevendo principalmente de Oxford, segue uma linha controversa em muitas questões. Ele argumenta que a Igreja não tem um papel correto em questões materiais e que homens corruptos da Igreja perdem até a autoridade espiritual supostamente inerente às suas posições. Ele sustenta que tudo que um cristão precisa é o exemplo da Escritura, que os crentes deveriam poder ler em suas próprias línguas. Ele nega que o pão e o vinho consagrado sejam literalmente transubstanciados no corpo e sangue de Cristo. Mais provocativo que tudo, não encontra justificativa na Bíblia para a autoridade papal. Em 1377, o Papa Gregório XI
Papa Gregório XI, o último Papa antes do
“Grande Cisma”
ordena que Wycliffe seja preso e examinado, mas contando com protetores poderosos na Inglaterra, entre eles, John of Gaunt
[2], ele é apenas posto em prisão domiciliar. Em 1378 Gregório XI morre e o papado mergulha no “Grande Cisma”[3], originando mais problemas que o herético inglês que muda para passar os últimos poucos anos de sua vida em Lutterworth, onde morre em 1384. Suas ideias se espalharam pela Inglaterra cujos seguidores passaram a ser conhecidos como “Lollards” (uma palavra holandesa para “resmungão), prefigurando muito do que seria associado com o “Puritanismo”. As “Doze Conclusões” publicadas pelos Lollards, em 1395, além dos temas de Wycliffe – a maior tarefa do padre é pregar, as escrituras devem ser acessíveis a todos e a recusa desdenhosa às pretensões de Roma – repudiavam as imagens, as peregrinações, as vestimentas, a confissão, o celibato dos padres e mesmo os votos de castidade das freiras. Como seita proibida, os Lollards somente vão ter qualquer papel na Inglaterra do século XV, mas os trabalhos de Wycliffe, levados de Oxford para Praga, fermentam uma poderosa agitação entre os seguidores de John Huss.
John Huss, um professor de filosofia na Universidade de Praga, é nomeado, em 1402, para uma posição controversa, encarregado da capela de Bethlehem, Praga. Fundada 10 anos atrás, a capela é associada a uma abordagem radical do Cristianismo. O púlpito, lugar para sermões na língua tcheca, para pessoas comuns, é tão proeminente quanto o altar e nele os pregadores pedem por um cristianismo simples, uma religião de pobreza e humildade, bem diferente da grandeza mundana do papado. Ao tempo do primeiro envolvimento de Huss com a capela, a tensão foi aumentada pelo retorno de Oxford de seu jovem amigo Jerome de Prague, que traz consigo livros de Wycliffe cujos pontos de vista, particularmente a natureza não santa do papado, coincidem com os de Huss. Por vários anos violentos os reformadores pregam e agitam em Praga tendo o papado como um alvo fácil já que desde 1378 existiam dois papas rivais; a partir de 1409 eles eram três. Um deles chegou ao despudor de vender indulgências em Praga para financiar sua campanha contra seus oponentes. Em 1414 um concílio é reunido em Constance[4] para resolver a questão dos três Papas. Como voz proeminente da reforma eclesiástica, Huss é convidado para expor seu caso. O convite implica em perigo pessoal para Huss, mas ele conta com a promessa de salvo conduto do Imperador Sigismund. Viaja para a pequena cidade agora cena de brilhante reunião de potentados cristãos e em semanas de sua chegada Huss é preso com a tácita aprovação do Imperador.
A execução de Jan Hus, importante
precursor da Reforma, em 1415
O Concílio trata da heresia mais rapidamente do que discute com sucesso a redução de três papas para um. As ideias de Wycliffe e Huss são discutidas e rapidamente condenadas e o último é queimado na estaca em 1415. Jerome de Prague que corre a Constance em defesa de seu mestre também é preso e em maio de 1416 é queimado no mesmo local em que o fora Huss. Como garantia de que não restassem sinais de heresia, o Concílio espalha as cinzas de Huss no rio Reno, da mesma forma que ordena que o corpo de Wycliffe seja desenterrado, queimado e destinado a um rio inglês.
Quando as notícias da morte de Huss chegaram a Praga, o movimento da reforma foi grandemente ampliado. Seu sucessor na capela de Bethlehem lista quatro princípios radicais em que os Hussitas insistem: liberdade para pregar; o vinho, como o pão, a ser dado aos fiéis na Missa; um clero comprometido com a pobreza, junto com a expropriação da propriedade da Igreja; e uma punição pública de pecadores notórios, entre os quais as prostitutas são escolhidas por atenção especial. Os Hussitas também discordavam de Roma por conduzir seus serviços em tcheco ao invés de latim. Suas ideias se espalharam rapidamente pela Bohemia[5], alimentadas por uma onda nacionalista antigermânica, já que Huss havia sido morto em solo germânico, por traição do rei germânico e imperador do Sacro Império Roman Germânico, Sigismund, meio irmão do rei boêmio Wenceslas IV. Com sua morte, em 1419, Sigismund pressiona sua reivindicação ao trono da Bohemia e o reino explode.
Em 1420 os hussitas constroem uma cidade fortificada em Tabor, a 80 km ao sul de Praga, de onde seu líder, Jan Zizka, conduz uma série de brilhantes campanhas contra os exércitos de Sigismund e o novo Papa Martin V. Em 1420 o Papa proclama uma cruzada contra os hussitas, na primeira vez em que uma heresia é especificamente atacada por determinação Católica Romana e o Papa acusado de trair o exemplo dos primeiros cristãos de duas formas: sua universalidade e sua restrição do sacramento. Marchando sob sua bandeira simbólica, um cálice de comunhão, os hussitas derrotam uma dúzia de exércitos papais e imperiais enviado contra eles entre 1420 e 1431. Tais vitórias finalmente arrancam do Papa algumas concessões notáveis da Bohemia, em termos acordados em 1433.
Pelos Tratados de Praga de 1433, confirmados pelo tratado de paz de 1436, foi garantido aos hussitas (1) a permissão papal para dar o sacramento das duas formas; (2) a apreensão das terras da Igreja em seus territórios; e (3) foi garantida à Bohemia uma igreja independente sob um arcebispo eleito. Tais concessões não terminaram com a discussão. A divisão religiosa permaneceu como principal questão por todo o século XV, que viu a eleição do rei hussita George de Podebrady ao trono da Bohemia em 1458.
Durante o século XV desenvolveu-se, no noroeste da Europa, um calmo movimento devoto do Cristianismo, muito diferente da pompa e cerimônia de Roma, como uma percepção tardia da complexa evolução da Reforma. Conhecido como “Devoção Moderna”, o movimento derivou da “Fraternidade da Vida Comum”, um grupo de padres e leigos que compartilhavam uma vida simples semelhante à dos primeiros cristãos, que se devotavam ao ensino e cuidado do pobre. Um livro escrito no início do século XV, a Imitação de Cristo, provavelmente de Thomas de Kempis, transformou-se no manual extremamente influente, para a devoção cristã. Sem hierarquia e ritual, a ênfase do grupo ficava na abordagem pessoal de Cristo através do intenso estudo dos primeiros textos cristãos. Tais textos, originalmente em grego, tinham por séculos sido conhecidos somente no latim da Vulgata[6]. Tentando retornar às fontes originais, tais estudiosos do norte compartilhavam o interesse com os pioneiros da Renascença na Itália.
A educação de Erasmus[7], nos Países Baixos, na década de 1470, é tingida pela influência da “Devoção Moderna”. Como a fraternidade, ele pode ser visto como parte de uma tendência em direção à Reforma, embora ele ardorosamente evitasse endossá-la. Sua atitude com relação ao papado materialista do século XVI é essencialmente a dos reformadores. Sua tradução do Novo Testamento grego para o latim, sempre teve em vista a “Devoção Moderna” e a Reforma.
A Alemanha estabelece um contexto em que materialismo dentro da Igreja Romana Católica é ofensivamente evidente. Alguns dos principados que juntos fazem o Sacro Império Romano, são governados por prelados inescrupulosos vivendo ao estilo dos príncipes da Renascença, entre eles e principalmente, Albert, arcebispo de Mainz e um dos sete eleitores imperiais. Com a idade de 24 anos, Albert ocupa um bispado e um segundo arcebispado além de Mainz. Tal pluralidade é proibida pela lei canônica, mas o Papa Leão X 
Papa Leão X, Giovanni di Lorenzo de Medici,
último Papa não sacerdote
negligencia a irregularidade em troca de uma grande doação para os custos da nova São Pedro. O Papa e o arcebispo eram homens do mundo (o Papa era um Médici) e o primeiro vê um meio de recompensar o segundo por seus custos, garantindo-lhe a concessão da venda de indulgências para a Basílica de São Pedro, com a metade do dinheiro de cada indulgência indo para Roma e a outra metade para pagar as dívidas de Albert para com a dinastia dos Fuggers a quem havia solicitado o empréstimo. Este arranjo secreto poderia perturbar os fiéis se soubessem dele, mas mais chocante foi o procedimento imediato de Johann Tetzel, a quem Albert empregou para vender as indulgências e que foi muito além da doutrina oficial das indulgências.
Johann Tetzel, (1465–1519) foi um frade e pregador dominicano alemão da Igreja Católica. Foi um Grande Inquisidor de Heresia na Polônia, mais tarde tornando-se o Grande Comissário para indulgências na Alemanha. Dizem que ia tão longe a ponto de prometer a liberação das dores do Purgatório assim que uma compra fosse efetuada. Foram as agressivas práticas de “marketing” de Johann Tetzel na promoção desta causa, que provocaram Lutero a escrever suas “Noventa e Cinco Teses”, condenando o que ele via como “compra e venda da salvação”. Na Tese 28 Lutero objetava a um dito atribuído a Tetzel: “Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma se salva do Purgatório”. As “Noventa e Cinco Teses” não apenas denunciavam tais transações, mas negavam ao Papa o direito de garantir perdão por Deus, em primeiro lugar. A única coisa que as indulgências garantiam, segundo Lutero, era um aumento do lucro e da avareza, porque o perdão da Igreja estava somente no poder de Deus.
Johann Tetzel, o frei dominicano pivô
imediato das teses de Lutero
Na verdade, as palavras de Tetzel não eram representativas do ensinamento oficial da Igreja sobre as indulgências, mas antes um reflexo da sua capacidade de exagerar. Contudo, se Tetzel exagerava a questão das indulgências para os mortos, seu ensinamento de indulgências para os vivos era puro e quanto a elas, ele sempre ensinou a doutrina pura. A afirmativa de que ele evidenciava as indulgências como sendo, não apenas uma remissão da punição temporal do pecado, mas um perdão da sua culpa, é tão infundada quanto a de que ele vendia o perdão do pecado por dinheiro, sem mesmo qualquer menção de contrição e confissão, ou que, por pagamento, ele absolvia de pecados que ainda seriam cometidos no futuro. Seu ensinamento era, de fato, muito definido e em total harmonia com a teologia da Igreja, como era então e como é agora, isto é, as indulgências “aplicam-se apenas à punição temporal devido a pecados dos quais já houve o arrependimento e a confissão”...
O caso era muito diferente com relação às indulgências para os mortos, para as quais não há dúvida do que Tetzel fez, de acordo com o que ele considerava suas instruções oficiais: proclamar como doutrina cristã que nada além de uma doação em dinheiro era necessário para ganhar a indulgência dos mortos, sem aqui existir qualquer questão de contrição ou confissão. Ele também ensinou, de acordo com a opinião então tida, que uma indulgência poderia ser aplicada a qualquer alma, de efeito sem falha. Partindo dessa hipótese, não há dúvida de que sua doutrina era, virtualmente, a do drástico provérbio. Foi uma opinião escolástica vaga e certamente nunca uma doutrina da Igreja, que foi impropriamente usado como verdade dogmática. O primeiro dos teólogos da corte romana, Cardeal Cajetan, sempre foi inimigo de tais extravagâncias e declarou, enfaticamente, que mesmo que os teólogos e pregadores ensinassem tais coisas, não se lhes era preciso dar crédito. Disse ele que “pregadores falam em nome da Igreja só quando proclamam a doutrina de Cristo e Sua Igreja; mas que, se para seu próprio benefício, eles ensinam sobre coisas que nada sabem e que é somente sua própria imaginação, não devem ser aceitos como porta-vozes da Igreja”.


[1] Girolamo Savonarola (21 de setembro 1452 – 23 de maio 1498) foi um frei dominicano italiano e ativo pregador na Florença renascentista. Ficou conhecido por suas profecias sobre glória cívica, destruição da arte e cultura secular e seus chamados à renovação cristã. Denunciou a corrupção do clero, o governo despótico e a exploração dos pobres. Enquanto Savonarola interferia com o rei francês, os florentinos expulsavam o domínio Medici e por sua incitação estabelecia uma república popular. Declarando que Florença seria a Nova Jerusalém, centro mundial da Cristandade “mais rica, poderosa e gloriosa que nunca”, instituiu uma campanha de extrema austeridade, com ajuda da juventude florentina. Em 1945, quando Florença recusou unir-se à Santa Liga do Papa Alexandre VI contra os franceses, o Vaticano convocou Savonarola a Roma; ele desobedeceu e desafiou o Papa pregando através de um édito que reforçava sua campanha por reformas. Em retaliação, Savanarola foi excomungado pelo Papa em maio de 1497, ameaçando Florença com interdição. Savonarola e dois frades que o apoiavam foram presos e, sob tortura, Savonarola confessou ter inventado suas visões e profecias. Em 23 de maio de 1498, a Igreja e autoridades civis condenaram, enforcaram e queimaram os três frades na principal praça de Florença.
[2] John de Gaunt (6 março 1340 – 3 fevereiro 1399), 1º Duque de Lancaster, o terceiro de quatro filhos sobreviventes do Rei Edward III da Inglaterra e Philippa de Hainault. Chamado “de Gaunt” porque nascido em Ghent, Flandres (hoje Bélgica). Irmão mais novo de Edward, Príncipe de Gales, John teve grande influência sobre o trono inglês enquanto o filho de Edward (Rei Ricardo II) era menor e os períodos que se seguiram de discórdia política. Devido a algumas generosas doações de terras, John foi um dos homens mais ricos de sua era. Fez uma tentativa frustrada à Coroa de Castela por anuência de sua segunda esposa, Constance, herdeira daquele reino, e por algum tempo considerou-se como tal.
[3] Em 1377, após o papado ter residido por quase 70 anos em Avignon, sob a sombra do poder real francês, Gregório XI conseguiu levá-lo de volta a Roma, a despeito da hostilidade de nobres e de seus próprios cardeais. Quando morreu, em março de 1378, vários cardeais ainda viviam em Avignon onde uma parte considerável da burocracia papal ainda funcionava. O “Grande Cisma”, que só foi encerrado pelo Concílio de Constance, em 1417, irrompeu pela impossibilidade da definição de um só Papa e do local de sua Sé.
[4] Constance é uma cidade universitária com aproximadamente 80.000 habitantes localizada na extremidade oeste do lago Constance, sul da Alemanha, fronteira com a Suíça. A cidade abriga a Universidade de Konstanz e foi, por mais de 1.200 anos, a residência da Diocese Católoca Romana de Konstanz.
[5] A Bohemia é uma região histórica da Europa Central, que compreende hoje os terços ocidental e central da República Tcheca. É flanqueada pela Alemanha, Polônia, a histórica região tcheca da Morávia e a Áustria. A Bohemia foi unificada sob a dinastia Premyslid pela qual tornou-se também uma parte autônoma do Sacro Império Romano, após aceitar o Cristianismo no nono século. Charles IV, Imperador do Sacro Império, da dinastia subsequente Luxembourg, estabeleceu a primeira universidade da Europa Central em Praga, estabelecendo a fórmula para o rápido desenvolvimento econômico, cultural e artístico da região.
[6] Em 382 o Papa Damasus encarregou Jerome de produzir uma versão definitiva da Bíblia em Latim. Tal versão, concluída em 405, ficou conhecida como Vulgata, sendo estabelecida como a Bíblia de toda a Igreja Ocidental até a Reforma.
[7] Erasmo de Roterdã (28 de outubro de 1466 – 12 de julho de 1536) foi um padre católico, humanista, crítico social, professor e teólogo da Renascença holandesa. Usando técnicas humanistas de redação, ele preparou importantes novas edições do Novo Testamento em latim e grego, que suscitaram questões influentes na Reforma e Contra Reforma Católica.

PROSSEGUE COM A PARTE 3

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A REFORMA E OS REFORMADORES - PARTE 1

I - INTRODUÇÃO

Inicio este trabalho, que considero, talvez, o mais importante de tantos quantos publiquei até hoje, com um parágrafo do prefácio da obra “História da Reforma do Século XVI”, de autoria de J. H. Merle d’Aubigné. E faço isto, porque considero este parágrafo extremamente importante para a questão que me proponho apresentar, qual seja, a Reforma:

“A história de uma das maiores revoluções jamais consumadas nas relações humanas – de um poderoso impulso comunicado ao mundo três séculos atrás, e cuja influência é ainda hoje visível em todo o mundo – e não a história de uma mera facção, é o objeto da minha presente empresa. A história da Reforma é distinta da história do Protestantismo. Na primeira, cada coisa traz a marca do renascimento da raça humana – de uma mudança religiosa e social emanando do próprio Deus. Na segunda, muitas vezes testemunhamos uma evidente degeneração dos princípios originais, lutas entre facções, um espírito sectário e os traços de mesquinhas individualidades. A história do Protestantismo pode ter interesse apenas para os Protestantes; a história da Reforma se dirige a toda a Cristandade, ou ainda, a toda a Humanidade.”

A Reforma Protestante, muitas vezes conhecida simplesmente por “Reforma”, foi um cisma (ou uma dissidência) da Igreja Católica Romana iniciado por Martin Luther e continuado por Jean Calvin e outros reformadores protestantes da Europa do século XVI.
Embora tenham havido tentativas significativas anteriores para reformar a Igreja Católica Romana, como as de Jan Hus, Peter Waldo e John Wycliffe, Martin Luther[1] é amplamente reconhecido por ter iniciado a Reforma com suas “Noventa e Cinco Teses”[2], de 1517.
O movimento religioso que iniciou na Europa Ocidental e que, ostensivamente, visava uma renovação interna da Igreja, realmente conduziu a uma grande revolta contra si e a um abandono das principais crenças cristãs.
Luther começou por criticar a venda de indulgências, insistindo que o Papa não tinha autoridade sobre o Purgatório e que a doutrina católica dos “méritos dos Santos”[3] não possuía respaldo nos Evangelhos. A posição protestante, entretanto, incorporaria mudanças doutrinais como os "Cinco Somente” (de que ainda falaremos). A motivação central atrás dessas mudanças era teológica, embora muitos outros fatores tenham agido, incluindo a ascensão do nacionalismo, o “Cisma Ocidental”, que erodiu a fé do povo no Papado, a corrupção observada na Cúria Romana, o impacto do humanismo e o novo “Renascimento” que questionou muito do pensamento tradicional.
O movimento iniciado na Alemanha proliferou em vários lugares e outros impulsos à reforma surgiram independentes de Lutero. A difusão criada pela prensa de Gutenberg forneceu os meios necessários para a rápida disseminação de materiais religiosos no vernáculo. Os maiores grupos foram os Luteranos e os Calvinistas. As igrejas luteranas foram fundadas, principalmente, na Alemanha, nos Bálticos e na Escandinávia, ao passo que as calvinistas na Suíça, Hungria, França, Holanda e Escócia. O novo movimento influenciou a Igreja da Inglaterra[4] decisivamente após 1547, embora tenha se tornado independente sob Henry VIII, mais por razões políticas do que religiosas.
Outros movimentos reformadores também aconteceram por toda a Europa, conhecidos por Reforma Radical, que deu origem aos movimentos Anabatista[5], Moraviano e outros. Os reformadores radicais, além de formar comunidades fora da sanção do Estado, muitas vezes empregaram mudanças doutrinárias extremadas, tais como a rejeição das doutrinas dos Concílios de Niceia e Calcedônia.
A Igreja Católica Romana respondeu com uma Contrarreforma iniciada pelo “Concílio de Trento”. Desenvolvido em três períodos, entre 1545 e 1563, nas cidades de Trento e Bolonha, norte da Itália, o “Concílio de Trento” foi dos mais importantes concílios ecumênicos da Igreja Católica Romana. Motivado pela Reforma, ele tem sido descrito como a personificação da Contrarreforma. Quatrocentos anos mais tarde, quando o Papa João XXIII preparava o “Concílio Vaticano Segundo”, ele confirmou os éditos então emitidos: “O que era ainda é”. Como os éditos, o Concílio emitiu condenações do que ele definiu como heresias cometidas pela Reforma e, em resposta a eles, declarações-chave e esclarecimentos sobre as doutrinas e ensinamentos da Igreja. Tais incluíram uma ampla gama de assuntos, incluindo as Escrituras, o Cânon Bíblico, a tradição sagrada, o pecado original, reabilitação, salvação, os sacramentos, a Missa e a veneração dos Santos. O Papa Paulo III, que convocou o Concílio, presidiu a abertura e as onze primeiras sessões (1545-1547); as sessões de números 12 a 16 (1551-1552) foram presididas pelo Papa Júlio III e as sessões 17 a 25 (1562-1563), pelo Papa Pio IV.
Em geral, o norte da Europa, com exceção da maior parte da Irlanda ficou sob a influência do Protestantismo (como sinônimo de Reformador), enquanto o sul da Europa permaneceu Católico Romano, embora a Grécia permanecesse, predominantemente, Ortodoxa Oriental, ao passo que a Europa Central foi um local de conflito feroz, que culminou com a Guerra dos Trinta Anos, que a deixou devastada.
Todos os assuntos apenas anunciados nesta Introdução, serão vistos com detalhes na exposição que segue.

II – IDEIAS GERAIS DAS CAUSAS DA REFORMA

As causas da grande revolução religiosa do século XVI retroagem até o século XIV.
A doutrina da Igreja, é verdade, havia até então permanecido pura; vidas santas eram ainda frequentes em todas as partes da Europa e as numerosas instituições medievais beneficentes da Igreja continuavam o seu curso sem interrupção. Fossem quais fossem as condições infelizes que existiam, eram devidas às influências civis e profanas ou pelo exercício de autoridade por eclesiásticos nas esferas civis; as coisas não eram obtidas em todos os lugares com a mesma intensidade, nem ocorriam simultaneamente no mesmo país. A vida eclesiástica e religiosa exibia, em muitos lugares, vigor e variedade; trabalhos de educação e caridade abundavam; a arte religiosa, em todas as suas formas, tinha uma força viva; os missionários domésticos eram muitos e influentes; uma literatura pia e edificante era comum e apreciada. Gradualmente, contudo, e muito devido ao espírito hostil, de forma variada, dos poderes civis, nutrido e aumentado por vários elementos da nova ordem, surgiram, em várias partes da Europa, condições políticas e sociais que obstruíram as livres atividades reformadoras da Igreja, favorecendo o audacioso e o inescrupuloso, que usou uma oportunidade única de liberar todas as forças de heresia e cisma por tanto tempo mantidas em cheque pela ação harmoniosa das autoridades eclesiásticas e civis.
Desde as invasões bárbaras, a Igreja havia observado uma transformação e renascimento completos das raças da Europa Oriental, além de um desenvolvimento glorioso da vida intelectual e religiosa. O Papado havia se tornado o centro de poder da família das nações cristãs e como tal teve, por séculos, em união com o episcopado e o clero, disponibilizado uma atividade muito benéfica. Com a organização eclesiástica plenamente desenvolvida, ocorreu que as atividades dos corpos governantes eclesiásticos não ficaram mais confinados ao domínio eclesiástico, mas afetavam quase toda a esfera da vida popular. Gradualmente, um mundanismo lamentável manifestou-se em muitos altos eclesiásticos. Seu objetivo principal – guiar o homem para o seu objetivo eterno – raramente chamava a sua atenção e as atividades mundanas tornaram-se, em muitos casos, seu principal interesse. O poder político, posses materiais, posição privilegiada na vida pública, a defesa de direitos históricos antigos, interesses terrenos de várias espécies, foram muitas vezes o objetivo principal de grande parte do clero superior. A solicitude pastoral, o objetivo especificamente religioso e eclesiástico, ficou totalmente para trás, não obstante as várias tentativas para acertar os males existentes.
Conectados com o que foi dito acima, estavam vários abusos nas vidas do clero e do povo. Na Cúria Papal os interesses políticos e uma vida mundana eram muitas vezes proeminentes. Muitos bispos e abades (especialmente em países onde eram príncipes territoriais) mantinham-se como governantes temporais ao invés de servos da Igreja. Muitos membros dos corpos eclesiásticos preocupavam-se apenas com suas rendas e em como aumenta-las, especialmente pela união de vários rendimentos nas mãos de uma pessoa que assim gozava de maior renda e poder. A luxúria prevalecia amplamente entre o clero superior, ao passo que o baixo clero se achava oprimido. O treinamento científico e ascético do clero deixava muito a desejar; muitos detinham um padrão moral muito baixo e a prática do celibato não era observada em todos os lugares. Não menos séria era a condição de muitos monastérios de homens e mesmo de mulheres (muitas vezes lares das filhas solteiras da nobreza). O antigo prestígio do clero havia sofrido demais e seus membros eram, em muitos lugares, vistos com escárnio. Com relação aos cristãos, em numerosos distritos a ignorância, superstição, indiferença religiosa e imoralidade grassavam. Contudo, vigorosos esforços para a revivicação eram feitos em muitas terras e, lado a lado com a decadência moral, numerosos exemplos de sincera e correta vida cristã surgiam. Tais esforços, contudo, eram muitas vezes confinados a círculos limitados. A partir do século XIV a demanda pela “reforma de cabeça e membros” era exigida com energia crescente por homens sérios e de bom discernimento, mas o mesmo grito também era dado por muitos que não possuíam um desejo real por uma renovação religiosa, querendo reformar os demais, mas não a si mesmos e buscando apenas seus próprios interesses. Esse chamado por uma reforma, discutido em vários escritos e discussões com insistência sobre abusos existentes e muitas vezes exagerados, tendiam necessariamente a rebaixar ainda mais o clero aos olhos do povo, especialmente à medida que os concílios do século XV, embora muito ocupados com as tentativas de reforma, não tinham sucesso em seu cumprimento extensivo ou permanente. 
Felipe IV da França, que transferiu
a sede do Papado para Avignon
A autoridade da Santa Sé também tinha sido seriamente debilitada, parcialmente por culpa de alguns de seus ocupantes e parcialmente através de seus príncipes leigos. A mudança do Papa para Avignon[6], no século XIV, foi um erro atroz, dado que o caráter universal do papado foi assim obscurecido nas mentes dos cristãos. Certas fases da rixa com Luís, o Bávaro, e com os Seguidores Franciscanos, claramente indicava um declínio do poder Papal. O mais severo golpe ocorreu pelo desastroso “Cisma Ocidental”[7] (1378-1418), que passou aos cristãos ocidentais a ideia de que a guerra poderia ser feita, com todas as armas espirituais e materiais, contra alguém a quem outros cristãos viam como o único Papa legal. Após a restauração da unidade, as tentativas de reforma da Cúria Papal não foram completas. O Humanismo e os ideais do Renascimento foram zelosamente cultivados em Roma e, infelizmente, as tendências pagãs deste movimento, tão opostas à lei de moral cristã, afetaram tão profundamente a vida de muitos eclesiásticos superiores, que ideias mundanas, luxúria e imoralidade rapidamente se enraizaram no centro da vida eclesiástica. Quando a autoridade eclesiástica se enfraqueceu na nascente, decaiu em todos os lugares necessariamente. Havia também sérios abusos administrativos na Cúria Papal[8]. A sempre crescente centralização da administração eclesiástica havia exposto que os exagerados benefícios eclesiásticos em todas as partes da Cristandade eram conferidos em Roma onde, para a sua concessão, os interesses pessoais do peticionário eram muito mais considerados do que as necessidades espirituais do fiel. As várias espécies de restrições tinham também se tornado um grave abuso. A insatisfação era amplamente sentida entre o clero pelas excessivas taxas impostas pela Cúria sobre os beneficiados pelos benefícios eclesiásticos. A partir do século XIV essas taxas causaram graves queixas. Proporcionalmente, como a autoridade papal perdeu o respeito de muitos, o ressentimento cresceu contra a Cúria e o Papado. Os concílios de reforma do século XV, ao invés de melhorar a situação, ainda mais enfraqueceram a mais alta autoridade eclesiástica em razão de suas tendências e medidas antipapas. 
Papa Bonifácio VIII, último
Papa de Roma antes do Cisma
Nos príncipes e governos se havia desenvolvido, a este tempo, uma consciência nacional puramente temporal e, em grande extensão, hostil à Igreja; os poderes civis interferiam mais frequentemente nos assuntos eclesiásticos e a influência direta exercida pelos leigos sobre a administração doméstica da Igreja, aumentava rapidamente. No correr dos séculos XIV e XV, o conceito moderno de Estado surgiu. Durante o período precedente, muitos assuntos de natureza secular ou mista haviam sido regulados ou gerenciados pela Igreja de acordo com o desenvolvimento histórico da sociedade europeia. Com a crescente autoconsciência do Estado, os governos temporais procuraram controlar todos os assuntos dentro de sua competência, o que, embora em grande medida justificável, era novo e ofensivo assim conduzindo a frequentes colisões entre a Igreja e o Estado. Além disso, o Estado, devido à histórica ligação entre as ordens eclesiástica e secular, transgrediu o domínio eclesiástico. Durante o curso do “Cisma Ocidental”, Papas que se opunham buscaram o suporte dos poderes civis assim dando aos últimos abundantes ocasiões de interferir em questões puramente eclesiásticas. Novamente, para reforçar sua autoridade em face às tendências antipapas, os Papas do século XV fizeram, com frequência, certas concessões às autoridades civis que as fizeram crer que as questões eclesiásticas eram do seu domínio. Para o futuro, a Igreja deveria ser subordinada ao poder civil e encontrava-se crescentemente ameaçada de completa sujeição. De acordo com a autoconsciência nacional desenvolvida em vários países da Europa, o sentido da unidade e interdependência desenvolvido na família de nações cristãs enfraqueceu. O ciúme entre nações cresceu, o egoísmo proliferou, a fenda entre política, moralidade cristã e religião se ampliou, e tendências revolucionárias perigosas se espalharam rapidamente entre as pessoas. O amor à riqueza recebeu um grande incentivo com a descoberta do Novo Mundo, o rápido desenvolvimento do comércio e a nova prosperidade das cidades. 
Clemente V, o primeiro
Papa de Avignon
O Renascimento e o Humanismo[9], parcialmente, introduziram e grandemente favoreceram essas condições. O amor à luxúria logo foi associado ao renascimento da arte e da literatura do paganismo greco-romano. O ideal do religioso cristão foi muito abandonado; uma cultura intelectual mais elevada, anteriormente prerrogativa, em geral, do clero, mas agora comum aos leigos, assumiu um caráter secular e, em muitos casos, promoveu ativa e praticamente um espírito, moralidade e visão pagãs. Um materialismo grosseiro obtido entre as classes superiores da sociedade e no mundo educado, caracterizado por um vulgar amor pelo prazer, um desejo do ganho e uma voluptuosidade de vida, surgiu diametralmente oposta à moralidade cristã. Apenas um fraco interesse na vida sobrenatural sobreviveu. A nova arte da impressão tornou possível a disseminação ampla dos trabalhos de autores pagãos e dos seus imitadores humanísticos. Poemas e romances imorais, sátiras mordazes sobre pessoas e instituições eclesiásticas, trabalhos e canções revolucionários, circulavam em todas as direções e causaram enorme prejuízo. 
O Grande Cisma Ocidental: áreas rosa seguindo Avignon;
roxas seguindo Roma; passando de uma a outra, sublinhadas
com rosa e roxo.
À medida que o Humanismo se desenvolveu, promoveu intensa guerra contra o Escolasticismo[10] do tempo. O método teológico tradicional degenerou devido à maneira fastidiosa e minuciosa de tratar as questões teológicas e porque um sólido e completo tratamento da teologia havia infelizmente desaparecido de muitas escolas e escritos. Os humanistas cultivaram novos métodos baseando a teologia na Bíblia e nos estudos dos antepassados, em essência, um bom movimento que poderia ter renovado o estudo da Teologia, se adequadamente desenvolvido. Mas a violência dos humanistas, seus ataques exagerados ao Escolasticismo e a frequente obscuridade do seu ensino, criou forte oposição dos escolásticos representativos. O novo movimento, contudo, tinha ganho a simpatia do mundo leigo e de parte do clero devotado ao Humanismo. A perigo era muito grande de que a reforma não se confinasse aos métodos teológicos, mas que alcançasse o conteúdo do dogma eclesiástico, encontrando amplo suporte nos círculos humanistas.
O solo estava assim pronto para o crescimento dos movimentos revolucionários na esfera religiosa. Muitos avisos graves foram dados, indicando o perigo iminente e invocando uma reforma fundamental das reais condições. Muito havia sido feito nessa direção pelo movimento da reforma em várias ordens religiosas e pelos esforços apostólicos de indivíduos zelosos. Mas uma renovação geral da vida eclesiástica e um melhoramento uniforme das condições, iniciando por Roma, o centro da Igreja, não foi adequadamente tomada e logo foi apenas necessário um impulso externo para precipitar a revolução, que fez separar da unidade da Igreja grandes territórios do centro e quase todo o norte da Europa.


[1] Martin Luther (Martinho Lutero, como é conhecido em português) (10/11/1483-18/02/1546) foi um monge agostiniano alemão e professor de teologia na recém fundada Universidade de Wittenberg. Sua recusa em retratar-se de todos os seus escritos, sob demanda do Papa Leão X e de Charles V, Imperador do Sacro Império Romano, resultou em sua excomunhão pelo Papa e sua condenação como fora da lei pelo Imperador.
[2] As “Noventa e Cinco Teses” ou “Disputa pelo Poder das Indulgências”, são uma lista de proposições escritas por Lutero em 1517, que avançam as suas posições contra o que ele viu de errado na venda de indulgências. Lutero enviou as Teses a Albert de Brandenburg, arcebispo de Mainz, em 31 de outubro de 1517, data hoje considerada o início da Reforma.
[3] O “crédito de mérito” ou “crédito da Igreja”, de acordo com a crença católica, consiste dos méritos de Jesus Cristo e seus crentes, um crédito que, por causa da comunhão dos santos, beneficiaria outras pessoas como uma metáfora que indicaria os caminhos em que a fé de Cristo e dos Santos poderia ajudar outros.
[4] A Igreja da Inglaterra é a igreja cristã estabelecida na Inglaterra e a igreja mãe da Comunhão Anglicana internacional. Seu estabelecimento data da missão Gregoriana do século VI em Kent, conduzida por Agostinho de Canterbury. A Igreja da Inglaterra renunciou à autoridade papal quando Henry VIII pediu ao Papa, e não obteve, a anulação do seu casamento com Catarina de Aragão na década de 1530, tornando-se chefe da Igreja. A Reforma Inglesa acelerou sob Edward VI, antes de uma breve restauração do Catolicismo sob a rainha Mary I e o rei Philip. O Ato da Supremacia de 1558 renovou o rompimento e o reinado de Elizabeth traçou um rumo pelo qual a Igreja da Inglaterra seria ao mesmo tempo Católica e Reformada.
[5] Anabatistas eram os membros de um corpo violento e extremamente radical de reformadores civis-eclesiásticos, que surgiram em 1521, em Zwickau, atual reino da Saxônia, e que ainda existe em formas mais brandas.
[6] O Papado de Avignon foi o período de 1309 a 1377, durante o qual sete Papas sucessivos residiram em Avignon (então no reino de Arles, parte do Sacro Império Romano), ao invés de Roma, a partir de conflito entre o Papa Bonifácio VIII e o rei francês Felipe IV. Com a morte do papa seu sucessor, Benedito XI, após somente oito meses de papado, um conclave paralisado finalmente elegeu Clemente V, um francês, como Papa em 1305, que declinou de sua mudança para Roma, permanecendo na França e movendo sua corte para o enclave papal em Avignon, onde permaneceu pelos 67 anos seguintes. Os sete Papas que reinaram em Avignon eram todos franceses que caíram cada vez mais sob a influência da coroa francesa.
[7] Tal Cisma, dos séculos XIV e XV, difere em todos os pontos do Cisma Oriental – uma revolta real contra a autoridade suprema da Igreja, fomentada pela ambição dos patriarcas de Constantinopla, favorecida pelos imperadores gregos, apoiada pelo clero e povo bizantinos e que durou nove séculos. O Cisma Ocidental foi um mal-entendido temporário, embora tenha compelido a Igreja, por quarenta anos, a buscar a sua verdadeira liderança; foi alimentada por políticos e paixões e se encerrou com a reunião dos Concílios de Pisa e Constança. Essa divisão religiosa, infinitamente menos séria que a outra, foi encerrada em 1417 pela eleição de um Papa indisputado.
[8] Estritamente falando, a Cúria Papal é o conjunto de departamentos ou ministérios que assistem o Pontífice no governo da Igreja Universal. Incluem as Congregações Romanas, os tribunais e os escritórios da Cúria.
[9] Humanismo é o nome dado ao movimento intelectual, filosófico, ético e científico dos séculos XIV a XVI, que enfatiza o valor e a atuação do ser humano, individual e coletivo e, geralmente, prefere o raciocínio crítico e a evidência sobre a aceitação de dogma ou superstição. Por ser mais material que espiritual, a Igreja acrescenta à definição dada, que se trata de um movimento que visou a degradação de qualquer ramo do aprendizado da literatura e cultura da antiguidade clássica.
[10] O Escolasticismo é um método de pensamento crítico que dominou o ensino pelos acadêmicos (“escolásticos” ou “homens de escola”) das universidades medievais na Europa, de cerca de 1100 a 1700, e um programa de emprego do método ao articular e defender dogmas num contexto cada vez mais pluralístico. Originou-se das escolas monásticas cristãs, nas primeiras universidades europeias.