Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 27 de outubro de 2015

PEER GYNT: O POEMA DRAMÁTICO E A MÚSICA INCIDENTAL (PARTE 2/2)

III – A MÚSICA INCIDENTAL

III.1 – O COMPOSITOR

Edvard Grieg, compositor de Peer Gynt
Edvard Hagerup Grieg (15/06/1843 – 04/09/1907), compositor e pianista norueguês, nascido de Alexander Grieg (1806-1875), mercador e vice cônsul em Bergen e Gesine Judithe Hagerup (1814-1875), professora de música, é considerado um dos principais compositores da era Romântica. Seu uso e desenvolvimento da música folclórica norueguesa em suas composições, colocou a música da Noruega no espectro internacional, muito ajudando a desenvolver sua identidade nacional. Grieg é simultaneamente visto, em sua orientação, como nacionalista e cosmopolita, pois embora nascido em Bergen e lá enterrado, viajou por toda a Europa, considerando que sua música expressava a beleza da vida rural norueguesa e a cultura da Europa como um todo. Grieg é a mais celebrada das pessoas de Bergen, com numerosas estátuas e muitas entidades culturais com o seu nome: o maior edifício da cidade (Grieg Hall), sua mais avançada escola de música (Academia Grieg), seu coro profissional (Coro Edvard Grieg) e muitas empresas privadas, que incluem o maior hotel (Quality Hotel Edvard Grieg). O Museu Edvard Grieg, em Troldhaugen (primeiro lar de Grieg em Bergen) é dedicado ao seu legado.
Vistas de Bergen, de cima para baixo:
Centro da Cidade; Cidade Velha;
Gamlehaugen; Praça da Cidade; Bryggen
Grieg foi criado em ambiente musical tendo sua mãe como primeira professora de piano, aos seis anos de idade. Posteriormente, estudou em várias escolas norueguesas de música. No verão de 1858, Grieg encontrou-se com o eminente violinista norueguês, Ole Bull, um amigo da família, que reconheceu o talento do menino de 15 anos e persuadiu seus pais a enviá-lo para o Conservatório de Leipzig, onde matriculou-se concentrando-se no piano e assistindo os vários concertos e recitais dados em Leipzig. Na primavera de 1860 ele sobreviveu a uma pleurisia e tuberculose, tendo por toda a sua vida a saúde prejudicada pelo pulmão esquerdo destruído e uma deformidade considerável da sua espinha torácica. Em consequência disso sofreu inúmeras infecções respiratórias que depois se combinaram com uma deficiência cardíaca, o que o levou várias vezes a águas termais e sanatórios na Noruega e no exterior, com vários de seus médicos tornando-se amigos pessoais. Fez sua estreia como pianista concertista em Karlshamn, Suécia. Em 1862 encerrou seus estudos em Leipzig e deu seu primeiro concerto em Bergen, incluindo a “Sonata Patética”, de Beethoven, em seu programa. Em 1863 foi a Copenhagen, Dinamarca, onde permaneceu por três anos, encontrando famosos compositores dinamarqueses e seu colega norueguês Rikard Nordraak, compositor do hino nacional da Noruega, que tornou-se seu amigo e fonte de inspiração. Grieg compôs uma marcha fúnebre em sua homenagem, quando Nordraak morreu, em 1866. Em 11 de junho de 1867, Grieg desposou sua prima Nina Hagerup, uma soprano lírica, com quem teve sua única filha Alexandra, falecida em 1869, de meningite. No verão de 1868 escreveu seu “Concerto para Piano em Lá Menor”, enquanto de férias na Dinamarca, apresentado por Edmund Neupert, em 3 de abril de 1869, no Teatro Casino de Copenhagen. Em 1868, Franz Liszt, que ainda não havia conhecido Grieg, escreveu-lhe um testemunho ao Ministro da Educação da Noruega, que lhe valeu uma bolsa de viagem e, posteriormente, uma pensão. Os dois encontraram-se em Roma, em 1870, e na primeira visita tocaram a “Sonata para Violino No 1”, de Grieg, que encantou Liszt; no segundo encontro Grieg levou-lhe seu Concerto para Piano que Liszt interpretou à primeira vista. Entre 1874 e 1876, Grieg compôs música incidental para a première da peça de Henrik Ibsen, “Peer Gynt”, a pedido do autor. Entre 1880 e 1882 foi Diretor de Música da Orquestra Filarmônica de Bergen. Em 1888 foi apresentado a Tchaikovsky, em Leipzig – que louvou a beleza, originalidade e calor da sua música - e ficou chocado com a sua aparente tristeza. Grieg recebeu dois doutorados de honra: um em 1894, pela Universidade de Cambridge e outro em 1906, pela Universidade de Oxford.
O museu de Edvard Grieg, em Troldhaugen
Grieg morreu no Hospital Municipal de Bergen, ao final do verão de 1907, com 64 anos, de um ataque cardíaco, após um longo período enfermo. Seu funeral reuniu entre trinta e quarenta mil pessoas pelas ruas da sua cidade natal, para honrá-lo. A seu pedido foi executada a sua marcha fúnebre em honra de Nordraak e, em seguida, o movimento da Marcha Fúnebre da “Sonata No 2 para Piano”, de Chopin. Grieg foi cremado e suas cinzas enterradas numa cripta de montanha próxima de sua casa, em Troldhaugen. As cinzas de sua esposa Nina foram, posteriormente, colocadas junto às dele.
Alguns dos primeiros trabalhos de Grieg incluem uma sinfonia, uma sonata para piano, três sonatas para violino e uma sonata para violoncelo. A Suite Holberg, originalmente escrita para piano, foi posteriormente arranjada para orquestra de cordas. Grieg escreveu canções em que colocou letras dos poetas Heinrich Heine, Johann Wolfgang Goethe, Henrik Ibsen, Hans Christian Andersen, Rudyard Kipling e outros.

III.2 – A COMPOSIÇÃO

Antes de mais nada, vamos conceituar a “música incidental”, termo que pode não ser conhecido de todos, malgrado sua importância histórica.
De uma forma geral, música incidental é a música tocada em uma peça, programa de televisão, programa de rádio, vídeo game, filme ou qualquer outra forma de apresentação que não seja primariamente musical. O termo é menos frequentemente aplicado a filmes, quando tal música recebe o nome de “partitura do filme” (film score) ou trilha sonora (soundrack). A música incidental é muitas vezes música de fundo e pretende adicionar atmosfera à ação. Pode tomar a forma de algo tão simples como um som baixo e agourento que sugere um evento assustador iminente ou para acentuar a descrição da sequência do avanço de uma história. Pode também incluir peças como aberturas, música tocada durante trocas de cenas ou ao final de um ato, imediatamente precedendo um interlúdio, como usual com várias peças do século XIX. Podem também ser necessária em peças que possuem músicos se apresentando no palco. O uso da música incidental retroage ao tempo do drama grego e vários compositores clássicos escreveram música incidental para várias peças, os mais famosos exemplos incluindo Beethoven (Egmont), Schubert (Rosamunde), Mendelssohn (Sonho de uma Noite de Verão), Bizet (A Arlesiana) e ... Grieg (Peer Gynt). Partes de todas elas são executadas em concertos fora do contexto da peça. Música incidental vocal, incluída nas partituras clássicas acima mencionadas, nunca deve ser confundida com a partitura de um musical da Broadway ou filme, em que as músicas muitas vezes revelam um personagem ou favorecem a linha da narração e que, de fato, fazem do trabalho um musical, sendo muito mais importantes do que uma música incidental.
O Peer Gynt, opus 23, de Edvard Grieg, escrita em 1875, é a música incidental composta para a peça de 1867, de mesmo nome, de Henrik Ibsen. Ela foi apresentada pela primeira vez, junto com a peça, em 24 de fevereiro de 1876, no Christiania Teater, em Christiania (hoje Oslo).
Henrik Klausen interpretando Peer
Gynt, em sua estreia em 1876
Quando Ibsen pediu a Grieg para escrever música para a peça, em 1874, este concordou entusiasticamente; contudo, a missão foi muito difícil para Grieg do que ele poderia ter imaginado. Dele e do seu trabalho, escreveu sua esposa um dia: “Quanto mais ele saturava sua mente com o poderoso poema, mais claramente ele via que era o homem certo para um trabalho de tal encanto e tão permeado pelo espírito norueguês”.
Embora a estreia tenha sido um triunfante sucesso, Grieg queixou-se amargamente de que o gerente sueco do teatro lhe havia dado especificações quanto à duração de cada número e sua ordem. “Eu tive então que fazer ‘uma colcha de retalhos’ ... De forma alguma eu pude escrever o que queria ... Daí a brevidade das peças”, teria dito ele.
A partitura original contém 28 movimentos, com melodias e peças de coral e foi considerada como perdida até 1980:

COMPOSIÇÃO ORIGINAL

Ato I
1      1 - Prelúdio: No Casamento.
2      2 - A Passagem da Procissão do Casamento Norueguês.
3      3 - A Entrada e a Dança da Primavera

Ato II
4      4 - Prelúdio: O Rapto da Noiva / Peer e Ingrid.
5      5 - Peer Gynt e as Garotas do Povo.
6      6 - Peer Gynt e a Mulher de Verde.
7      7 - Grandes Pessoas Podem Ser Conhecidas Pelos Montes.
8      8 - Na Mansão do Rei da Montanha
9      9 - Dança da Filha do Rei da Montanha
1    10 - Peer Gynt Caçado pelos Trolls
1    11 - Peer Gynt e o Boyg

Ato III
1    12 - Prelúdio: Profundamente dentro da Floresta de Pinheiros.
1    13 - A Canção de Solveig.
1    14 - A Morte de Ase.

Ato IV
1    15 - Prelúdio: Humor Matinal.
1    16 - O Ladrão e o Receptor.
1    17 - Dança Árabe.
1    18 - A Dança de Anitra.
1    19 - A Serenata de Peer Gynt.
2    20 - Peer Gynt e Anitra.
2    21 - A Canção de Solveig.
2    22 - Peer Gynt na Estátua de Memnon.

Ato V
2    23 - Prelúdio: A Volta ao Lar de Peer Gynt. Anoitecer com Tempestade no Mar.
2    24 - Naufrágio.
2    25 - Solveig Canta na Choupana.
2    26 - Cena Noturna.
2    27 - Hino Pentecostal.
2    28 - A Canção de Ninar de Solveig

Mais tarde, em 1888 e 1891, Grieg extraiu oito movimentos para fazer duas Suites: a Suite No 1, Opus 46 e a Suite No 2, Opus 55. Por muitos anos, as suítes foram as únicas partes disponíveis da música, já que a partitura original só foi publicada em 1908, um ano após a morte de Grieg.

SUITE No 1, Opus 46


SUITE No 2, Opus 55


Originalmente a segunda suíte tinha um quinto movimento, “A Dança da Filha do Rei da Montanha”, mas Grieg retirou-a. Alguns destes movimentos sempre receberam muita aceitação na cultura popular. A partir da descoberta da partitura completa, que se supunha perdida, Peer Gynt apenas tem sido executada na sua forma completa, que é bastante longa.
Para satisfazer a curiosidade dos meus leitores - e também respeitá-los - que ainda não conhecem a obra de Grieg, estou disponibilizando as duas suítes, mas com os quatro movimentos de cada uma, separados (basta clicar nos movimentos acima). Assim os leitores ficarão à vontade para escutarem um ou outro ou todos, quando bem entenderem ou se sentirem à vontade para tal.

Boa audição!

terça-feira, 20 de outubro de 2015

PEER GYNT: O POEMA DRAMÁTICO E A MÚSICA INCIDENTAL (PARTE 1/2)

I – INTRODUÇÃO

E então, para tornar mais amena a vida dos meus leitores, vamos, simultaneamente, a um pouco de literatura e música.
Esta postagem teve início num calmo domingo de outubro de 2015, quando eu começava a leitura de “Peer Gynt”, um poema dramático do norueguês Henrik Ibsen, considerado um dos cem maiores livros do mundo[1]. Lembrei-me, imediatamente, da composição musical “Peer Gynt”, do também norueguês Edvard Grieg, que eu adoro por razões muito evocativas do tempo em que, junto com minha família, passei quatro maravilhosos anos - por um lado, mas duríssimos pelas agruras do curso de doutorado, pelo outro – nos Estados Unidos, na cidade de Fort Collins, estado do Colorado. Naquela época, em geral pela manhã, bem cedo, para melhor aproveitar o tempo, eu pedalava da Vila Universitária onde morávamos até o campus principal da Colorado State University, onde assistia à maioria das minhas aulas. Situada ao pé das Montanhas Rochosas, o local era muito frio, com temperaturas que atingiam 25ºC abaixo de zero. Eu me agasalhava muito bem, com luvas pesadas e gorro, que deixava aberto apenas uma viseira para que eu pudesse enxergar, colocava um toca-fitas (ainda naquele tempo) na cintura e punha a tocar uma fita com os quatro movimentos da Suite No 1 de Grieg, e me deliciava, principalmente com o primeiro deles, “Morning Mood” (uma espécie de “Humor Matinal”), contemplando a neve nas Montanhas Rochosas, sem me importar em nada com o terrível frio que fazia. Nunca mais esqueci aquela composição! E então resolvi convidar os meus leitores a entenderem a relação entre as duas obras, ambas maravilhosas, através desta postagem que agora publico.

II – O POEMA

II.1 – O AUTOR
A atual cidade de Skien, a sudeste da Noruega, não muito
distante da capital Oslo, berço do escritor Henrik Ibsen.

Henrik Ibsen (20/03/1828 – 23/05/1906), nascido em Skien, Noruega, e filho mais velho (de cinco) do mercador norueguês Knud e da pintora Marichen Ibsen, foi um importante dramaturgo, diretor de teatro e poeta norueguês. É muitas vezes referido como “o pai do realismo” e um dos fundadores do Modernismo no teatro. Ibsen é o dramaturgo mais frequentemente encenado no mundo após Shakespeare e sua obra “Casa de Bonecas” (A Doll's House) tornou-se a peça mais encenada, a nível mundial, pelo início do século XX. Vários de seus últimos dramas foram considerados escandalosos para muitos de sua época, quando se esperava que o teatro europeu servisse de modelo à moral estrita da vida e propriedade familiar. O trabalho final de Ibsen examinou as realidades que se escondiam atrás de muitas fachadas, revelando muito do que inquietava à maioria de seus contemporâneos. Utilizou um olho crítico e investigação livre nas condições de vida e questões de moralidade. Ibsen é classificado como um dos verdadeiramente grandes dramaturgos da tradição europeia e influenciou dramaturgos do nível de George Bernard Shaw, Oscar Wilde, Arthur Miller, James Joyce, Eugene O’Neill, entre outros. Foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura em 1902, 1903 e 1904.
O dramaturgo e poeta Henrik Ibsen retratado
por Gustav Borgen
Seu pai sofreu reveses financeiros durante a infância do menino, obrigando-o a tornar-se aprendiz de farmacêutico, com a idade de 15 anos, onde trabalhou durante seis anos, usando o seu tempo vago para a poesia e a pintura. Em 1850, Ibsen mudou-se para Christiania (hoje Oslo, a capital da Noruega) com a intenção de estudar na Universidade de lá, mas logo abandonou a ideia para dedicar-se à literatura. Sua primeira peça, “Catilina” (1849) ou "Catiline", despertou pouco interesse, mas a segunda, “The Burial Mound” (1850) ou "Túmulo de Gigantes" ou "O Tumulus" ou "Túmulo do Guerreiro", foi encenada, com sucesso. Obteve postos de produtor e dramaturgo residente em teatros de Bergen e Christiania, sucessivamente, mas suas políticas no segundo posto foram muito criticadas e em 1864 ele embarcou num longo período de exílio, auto imposto, no exterior, com sua esposa Suzannah Daae Thoresen e seu único filho Sigurd. O reconhecimento do verdadeiro gênio de Ibsen veio após a publicação, em 1866, do poema dramático “Brand”, quando finalmente recebeu uma subvenção anual do Parlamento Norueguês para devotar-se à literatura.
Em 1867 Ibsen criou uma de suas obras de arte, “Peer Gynt”. De 1868 a 1891 viveu principalmente em Dresden, Munich e Roma, e durante este período escreveu a maior parte das peças em prosa que lhes granjearam sua reputação europeia. Entre elas, destaca-se “Uma casa de Bonecas” (A Doll’s House), um de seus trabalhos mais famosos, escrito em 1879. Com “Hedda Gebler”, de 1890, Ibsen criaria um dos mais famosos personagens de teatro. Voltou a viver na Noruega em 1891, como um herói da literatura, e seu 70º aniversário, em 1898, foi ocasião de celebrações nacionais. Em 1899 ele escreveu seu último drama “When We Dead Awaken” (Quando despertamos Dentre os Mortos), que ele chamou um epílogo dramático e seria também o epílogo do trabalho da sua vida.
Sua carreira literária encerrou-se por um derrame, em 1900, e ele resistiu até 23 de maio de 1906, quando morreu em sua casa de Arbins Gade, em Oslo, e foi enterrado no “Cemitério de Nosso Salvador”, no centro da capital norueguesa. Considerado um ícone literário ao tempo de sua morte, Ibsen recebeu funerais públicos do governo norueguês.

II.2 – A OBRA

Peer Gynt - Capa da Edição de 1989
da Oxford University Press
É surpreendente que, uma obra tão tipicamente norueguesa em sua inspiração, Peer Gynt tenha sido totalmente escrita sob céus estrangeiros e, para tal grandiosidade, tendo em vista o seu gênero, escrita, impressa e publicada em um só ano do calendário, 1867. Ibsen havia avisado seu editor que se tratava de um poema dramático de grande escala, tendo como personagem principal uma daquelas figuras semi-mitológicas do domínio público de um passado recente. No início de agosto, com os primeiros três atos (de cinco) completos, ele enviou o material para impressão antes que os dois últimos atos estivessem ainda adequadamente rascunhados. Estes foram escritos em Sorrento e enviados ao seu editor de Copenhagen, em 18 de outubro. O trabalho completo foi publicado em 14 de novembro de 1867. Em forma de livro foi um sucesso comercial dentro da Escandinávia; a primeira edição foi praticamente esgotada no dia da publicação, a segunda saiu em duas semanas e ao final do século, havia atingido a sua 11ª edição. Contudo, como acontece com frequência, a crítica pesada foi devastadora, alguns dizendo que o trabalho não poderia sequer ser chamado de poesia e outros repudiando como “nem lindo, nem verdadeiro”, exigindo que Ibsen cessasse de “denegrir a raça humana”. O autor reagiu fortemente, mas foi a última vez que Ibsen usou o verso como forma de expressão dramática, passando a usar a prosa em suas “peças problemas”.
Em seu trabalho, a métrica mais regular foi muito modificada para um padrão métrico mais livre, lembranças das canções populares e baladas de poesia. A rima, algo dela muito audaciosas e espirituosa, foi sempre mantida, exceto para a oração fúnebre do último ato, feita em verso branco.
O conhecimento literário é assíduo em afirmar que são várias as fontes – lenda, mito, conto folclórico, trabalhos de literatura e a vida real - utilizadas por Ibsen para a composição de Peer Gynt. Contudo, fica muito claro que a mais importante fonte utilizada para a construção do trabalho, foi a sua própria independente e criativa imaginação. Da lenda, apenas teria saído o nome do personagem principal: um homem que, supostamente, ainda vivia na memória campesina no vale de Gundbrandsdal que, segundo cria Ibsen, ainda devia viver no início do século. Da tradição oral popular, Ibsen tinha muita familiaridade com duas passagens de uma coleção de contos de fadas e populares de Asbjornsen: uma delas contava as proezas de um exibido caçador e a outra a história de um caçador que perseguira uma rena ferida por um longo caminho através de cumes de montanhas e geleiras antes de, finalmente, matá-la com sua faca. Há também alguns antecedentes literários que vão desde o Fausto, de Goethe, e Oehlenschläger, a Vergeland e Hans Andersen. Contemporâneos pessoais, incluindo amigos e conhecidos, figuras públicas e políticos, bem como outros escritores, frequentemente forneceram matéria prima para a imaginação de Ibsen trabalhar. Finalmente e difusamente, haviam as memórias de sua própria existência juvenil. 
Henrik Klausen como Peer Gynt, 1876 
O mundo que Peer Gynt habita é um mundo de assustadora fluidez de transformações sem esforço e desconcertantes transposições. Para Peer, a jornada de retorno da realidade para a fantasia e volta, da substância para a sombra e retorno, não requer formalidades de fronteiras. Trabalho e sonho se interpenetram, fato e fantasia se fundem e toda as distinções são obscuras. A linha entre aparência e realidade, ficção e fato, desaparece em um grande universo da imaginação. Os medos são regenerados apenas como pesadelos podem moldá-los; os desejos são alcançados como somente os sonhos podem preenche-los. As frustrações de um momento tornam-se as realizações do momento seguinte. Se as garotas do casamento da vila o rejeitam, as meninas da montanha são ardentes e dispostas. Repudiado e rejeitado como litigante pela comunidade local num dia, ele é saudado como um potencial genro pela sociedade escandinava no dia seguinte. Como sua mãe Aase sabe muito bem, Peer é intoxicado por “faz-de-conta” como outros homens o são por bebida. O seu é um mundo em que desejos são cavalos (ou, se não tiver, porcos!) e os esmoleres os cavalgam. As coisas, ele descobre, acontecem tão logo são pensadas. Para ele, terras distantes são apenas um sonho próximo. Mundos de fantasia simulam o mundo real e o real engendra o fantástico. Tudo é um aspecto de um só continuum de realidade/fantasia, onde o fato é uma função da ficção, invenção da experiência e mentiras e vida são apenas uma só coisa. 
Carta de Ibsen a Grieg, de 23/01/1874
Alguns estudiosos sustentam que este poema dramático (somente um seu outro trabalho, “Brand", recebeu do autor este título) não teria sido, originalmente, escrito para ser encenado, mas apenas para ser lido. Entretanto, Ibsen começou logo a ponderar sobre a possibilidade de uma produção teatral. Sabendo que a obra era muito longo, inicialmente pensou em cortar todo o ato IV e substituí-lo por uma espécie de poema sinfônico para representar as andanças de Peer Gynt pelo mundo, de maneira que melodias de vários países pudessem ser ouvidas como temas variando e diminuindo. Escreveu a Edvard Grieg, com detalhe, sobre o que pretendia. Grieg aceitou a incumbência, mas, compreensivelmente, mudou os detalhes. O trabalho foi apresentado pela primeira vez em 24 de fevereiro de 1876, com a música de Grieg como a conhecemos hoje.
Posteriormente, a obra teve várias produções para o cinema e para a televisão, além do teatro. Como curiosidade, no cinema, alguns anos antes de se tornar uma celebridade, aos 17 anos Charlton Heston interpretou Peer Gynt, numa produção de 1941, feita por estudantes e com baixo orçamento. 

[1] Sobre o assunto, buscar a postagem “Os Maiores Livros do Mundo”, publicada em meu “blog” Beowulf, (http://nsantanna.blogspot.com.br/), em 12 de janeiro de 2009.