Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 17 de junho de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: VALE DO INDO OU HARAPPIANA (PARTE 03)

V.3 – TECNOLOGIA

O povo da CVI alcançou grande precisão na medição de comprimento, massa e tempo. Foram um dos primeiros povos a desenvolver um sistema uniforme de pesos e medidas. Uma comparação de objetos disponíveis indica uma grande variação de escala pelos territórios do Vale do Indo. Sua menor divisão, marcada sobre uma régua de marfim, encontrada em Lothal, era de, aproximadamente, 1,704 mm, a menor divisão já registrada numa escala na Idade do Bronze. Os engenheiros harappianos seguiam a divisão decimal de medidas para todas as finalidades práticas, incluindo as medições de massa, como revelado por seus pesos hexaédricos.
Esses pesos de pedra, com dimensões numa relação de 5:2:1, com pesos de 0,05; 0,1; 0,2; 0,5; 1,0; 2,0; 5,0; 10,0; 20,0; 50,0; 100,0; 200,0; e 500,0 unidades, com cada unidade pesando, aproximadamente 28 g, similar à onça imperial inglesa ou onça grega. Contudo, como em outras culturas, os pesos reais não eram uniformes por toda a área. Os pesos e medidas mais tarde usados no século IV AC eram os mesmos que os usados em Lothal.
Os harappianos desenvolveram novas técnicas em metalurgia e produziram cobre, bronze, chumbo e estanho. A sua habilidade na engenharia era notável, especialmente na construção de docas.
Em 2001, arqueólogos estudando os restos mortais de dois homens de Mehrgarth, Paquistão, descobriram que o povo da CVI, desde os primeiros períodos harappianos, tinham conhecimento de odontologia. Posteriormente, em abril de 2006, foi anunciado no periódico científico “Natureza”, que a mais antiga (e primeira do Neolítico antigo) evidência de perfuração de dentes humanos em pessoas vivas havia sido encontrada em Mehrgarth. Onze coroas molares perfuradas de nove adultos foram descobertas num cemitério neolítico em Mehrgarth, datando de 7.500 a 9.000 anos atrás.
Um conjunto de testes com traços de ouro foi encontrado em Banawali, provavelmente usado para testes de pureza de ouro, tal como a técnica ainda usada em algumas partes da Índia.

V.4 – ARTES E OFÍCIOS

Muitos habitantes das cidades parecem ter sido comerciantes ou artesãos que conviviam com outros de mesma ocupação em vizinhanças bem definidas. Materiais de regiões distantes eram usados nas cidades para a confecção de lacres, contas e outros objetos. Entre os artefatos descobertos achavam-se lindas contas de louça vitrificada.
Figura da Dançarina (Dancing Girl)
A CVI não deixou templos ou tumbas como as pirâmides do Egito, nem grandes estátuas de reis ou deuses, mas faziam pequenas figuras  de pessoas e animais, usando metais e argila. Várias esculturas, selos, cerâmica, joalheria de ouro e estatuetas anatomicamente detalhadas em terracota, bronze e pedra sabão, têm sido encontradas em locais de escavação. Algumas dessas, com meninas em pose de dança, revelam algum tipo de dança. Essas estatuetas de terracota incluem também vacas, ursos, macacos e cães.
Em casa, os habitantes usavam tigelas, pratos, copos e vasos feitos de terracota, possuindo também pratos de cobre, bronze ou prata. A maioria dos seus potes eram simples, mas alguns deles eram decorados, usualmente com vermelho e preto. Os fabricantes adicionavam faixas, padrões de folhas e flores e formas de escamas de peixes. Alguns potes eram mesmo pintados em azul, vermelho, verde e amarelo.
Trabalhadores tinham diferentes ofícios: alguns faziam mós de pedra (para moer o grão e fazer farinha), outros fiavam e teciam algodão em tecidos e sacolas de algodão. Os trabalhadores urbanos faziam contas, cestas de pesca, potes, cestas e tudo o mais que fosse necessário ao povo. As crianças aprendiam ofícios no âmbito da família.
Trabalhos em conchas, cerâmicas, contas de ágata e pedra sabão esmaltadas eram utilizados na confecção de colares, pulseiras, colares, brincos, amuletos e broches, em todas as fases dos sítios harappianos; alguns destes artefatos ainda são produzidos hoje na região. Itens de maquiagem e toalete, pentes, colírios, encontrados nos contextos harappianos, ainda têm contrapartidas similares na Índia moderna. Foram também encontradas estatuetas femininas de terracota (de 2800 a 2600 AC), com cor vermelha aplicada à repartição dos cabelos. Em Harappa, os arqueólogos encontraram, o túmulo de um homem enterrado com um colar com mais de 300 contas de pedra sabão. Mulheres representadas nos selos são mostradas com elaborados penteados, portando pesadas joias que sugerem que os povos do Vale do Indo eram um povo urbano que cultivava gostos finos e uma refinada sensibilidade estética. 
Vedas, base do sistema de escrituras sagradas do hinduísmo
Selos foram encontrados em Mohenjo-Daro representando uma figura equilibrando-se sobre sua cabeça e outra sentada com as pernas cruzadas, em posição de Yoga. Tal figura, às vezes conhecida como Pashupati, tem sido identificada de forma variada. Se sua semelhança com o deus Hindú, Shiva, puder ser validada, seria uma evidência de que alguns aspectos do Hinduísmo pré-datam os primeiros textos, o Veda[1].
Um instrumento semelhante à harpa, representado em um selo e dois objetos de concha, encontrados em Lothal, indicam o uso de instrumentos musicais de corda. Os harappianos também fizeram vários brinquedos e jogos, entre eles, o dado cúbico (com um a seis furos em suas faces, as opostas sempre somando 7, encontrados em locais como Mohenjo-Daro.
Uma forma primária de xadrez pode ter sido jogada pelo povo do Vale do Indo. Objetos com grades pintadas e peças de jogo foram encontradas em vários locais da região, que poderiam ser os primeiros tabuleiros e peças de xadrez, indicando a origem de tal jogo.

V.5 – COMÉRCIO E TRANSPORTE

A economia da civilização do Indo parece ter dependido, significativamente, do comércio, facilitado pelos avanços importantes na tecnologia do transporte. A CVI pode ter sido a primeira civilização a usar transporte com rodas. Tais avanços podem ter incluído os carros de boi, idênticos aos que são vistos por todo o sul da Ásia de hoje, bem como barcos, a maioria dos quais, provavelmente, pequenos, de fundo chato, talvez impelidos por vela, similares aos que podem ser vistos no rio Indo hoje; mas há também evidências de embarcações marítimas. Os arqueólogos descobriram um enorme canal dragado que pode ser visto como uma estrutura para doca na cidade costeira de Lothal, na Índia ocidental, e também uma extensiva rede de canais de irrigação.
De 4300 a 3200 AC (Idade do Cobre), a área da CVI mostra semelhanças cerâmicas com o sul do Turquemenistão e norte do Irã, o que sugere uma quantidade considerável de movimento e comércio. Durante o período Harappiano Antigo, semelhanças na cerâmica, selos, estatuetas, ornamentos etc... documentam um intenso comércio com a Ásia Central e o Platô Iraniano. A julgar pela dispersão dos artefatos da CVI, as redes de comércio integravam, economicamente, uma área enorme, que incluía porções do Afeganistão, as regiões costeiras da Pérsia, o norte e o oeste da Índia e a Mesopotâmia. Há também evidência de que algum contato tenha havido entre a CVI e o Oriente Próximo; conexões comerciais, religiosas e artísticas foram registradas em documentos sumérios.
Estudos a partir do esmalte de dentes de indivíduos enterrados em Harappa, sugerem que alguns residentes haviam emigrado para a cidade, de além do Vale do Indo. Há alguma evidência de que os contatos de comércio tenham se estendido a Creta e, possivelmente, Egito.
Havia uma extensiva rede de comércio marítimo operando entre as civilizações harappiana e mesopotâmica desde a Fase Harappiana Média, com muito comércio dirigido pelos “mercadores intermediários de Dilmun” (Bahrain e Failaka modernos, no Golfo Pérsico). Tal comércio marítimo, a longa distância, foi viável, pelo desenvolvimento de embarcações construídas com pranchões, equipadas com um só mastro central, suportando uma vela de pedaços costurados ou de tecidos.
Vários vilarejos costeiros, como Sotkagen-Dor, Sokhta Koh e Balakot, no Paquistão, bem como Lothal, na Índia, atestam seu papel como postos de comércio harappianos. Portos rasos, localizados nos estuários de rios, permitiam um comércio marítimo leve com cidades da Mesopotâmia.
O povo do Vale do Indo não parece ter feito uso do cavalo. Não foi encontrada evidência osteológica de restos de cavalos no subcontinente indiano antes de 2000 AC, quando os primeiros arianos [2] chegaram; cavalos também não foram encontrados em selos harappianos e estatuetas de terracota.

V.6 – SISTEMA DE ESCRITA

A escrita dos povos da CVI era feita com o uso de uma vareta, apontada, em argila macia, ou uma ferramenta afiada para gravar marcas em pedra ou metal. É provável que apenas poucas pessoas soubessem ler e escrever, como os escribas. Mas talvez comerciantes pudessem ler o suficiente para saber o que estava escrito nos selos. A maioria da escrita do Vale do Indo servia, possivelmente, ao comércio, ao governo ou à religião.
A Civilização do Vale do Indo tinha um Sistema de escrita que ainda permanece um mistério, já que todas as tentativas para decifrá-lo falharam, sendo esta uma das razões pelas quais sobre ela se sabe menos do que de qualquer outra importante civilização da antiguidade.
De 400 a 600 símbolos distintos foram encontrados em selos, pequenos tabletes, potes de cerâmica e mais de uma dúzia de outros materiais que incluem uma tabuleta pendurada num portão da cidadela interna da cidade de Dholavira, no Vale do Indo (todos esses locais podem ser vistos nos mapas apresentados até agora).
As inscrições típicas do Indo não têm mais do que quatro ou cinco caracteres de comprimento, a maioria dos quais (fora a tabuleta de Dholavira) é pequena; a mais longa de uma só superfície, menor do que uma polegada quadrada, tem 17 sinais; a mais longa de qualquer objeto encontrado, tem um comprimento de 26 sinais.
Enquanto a CVI é geralmente caracterizada como uma sociedade literata, pela evidência dessas inscrições, outros pesquisadores contestam que o sistema Indo não representa uma linguagem, mas era similar a uma variedade de sistemas de sinais não linguísticos extensivamente usados no Oriente Próximo e outras sociedades, para simbolizar famílias, clãs, deuses e conceitos religiosos. Outros têm alegado que os símbolos foram usados exclusivamente com finalidades comerciais, alegação que deixa sem explicação o aparecimento de símbolos Indo em objetos rituais, muitos dos quais foram produzidos em massa, em seus moldes. Nenhum paralelo a essas inscrições em massa é conhecido em qualquer outra civilização antiga.
Um estudo de peritos no assunto, conduzido em 2009, chegou à conclusão de que o padrão de escrita do Vale do Indo está mais próximo daquele das palavras faladas, apoiando a hipótese de que ele se enquadra numa linguagem ainda não conhecida. Evidentemente tais estudos também foram contestados por outros especialistas.
As mensagens encontradas nos selos têm sido sempre muito curtas para serem decodificadas por um computador. Cada selo tem uma combinação distinta de símbolos e há poucos exemplos de cada sequência para fornecer um contexto suficiente. Os símbolos que acompanham as imagens variam de selo para selo, fazendo impossível derivar um significado para os símbolos, a partir das imagens. Tem havido, entretanto, um número grande de interpretações oferecidas para o significado dos selos, mas sempre marcadas por ambiguidade e subjetividade. Fotos de muitos dos milhares de inscrições existentes têm sido publicadas no “Corpo de Selos e Inscrições do Indo” e as pesquisas, relativamente novas, prosseguem.

V.7 RELIGIÃO

O sistema de religião e crenças do povo do Vale do Indo têm recebido muita atenção, especialmente com relação à identificação de precursores a deidades e práticas religiosas de cultos indianos que mais tarde se desenvolveram na área. Por exemplo, alguns deuses hindus apresentam semelhanças com os deuses mostrados nos selos do Vale do Indo; o povo da CVI acreditava que a água era santa, como os hindus acreditam que são purificados, num sentido religioso, quando se banham nas águas sagradas do seu rio Ganges. Contudo, devido à escassez de evidências, aberta a interpretações variáveis, e ao fato de que a escrita Indo ainda não foi decifrada, as conclusões são muito especulativas e muito baseadas numa visão retrospectiva de uma perspectiva hindu muito posterior.
Em 1931, foram identificadas as seguintes características da religião do Indo: um importante deus masculino e uma deusa mãe; a deificação ou veneração de animais e plantas; representação simbólica do pênis (linga) e da vulva (yoni); e o uso de banhos e água em práticas religiosas. Essas interpretações foram muito debatidas e algumas vezes disputadas pelas décadas seguintes.
Um selo do Vale do Indo mostra uma figura com um ornato de cabeça de chifre, sentada, possivelmente com o pênis ereto, rodeada por animais. A figura foi identificada como uma forma primitiva do deus Shiva (ou Rudra), associado com asceticismo, yoga e linga, visto como um senhor dos animais e muitas vezes representado com três cabeças. O selo tem, desde então, sido conhecido como Selo de Pashupati (Senhor dos Animais), um epíteto de Shiva. Como em muitos outros, sobre este assunto o debate permanece aberto.
Outra hipótese surgida foi a existência do culto de uma Deusa Mãe, baseada na escavação de várias estatuetas femininas, imaginada como precursora da seita hindu do Shaktism. Contudo, a função das estatuetas femininas na vida do povo do Vale do Indo permanece obscura. Alguns dos baetylus (pedras sagradas), consideradas representações fálicas, estão agora sendo repensadas como sendo pilões ou contadores de jogos, ao passo que os aros de pedra, imaginados como simbolizando yonis, foram admitidas como características arquitetônicas usadas para fixar pilares, embora a possibilidade de seu simbolismo religioso não possa ser eliminada. Muitos selos do Vale do Indo mostram animais, muitos deles sendo carregados em procissões e outros como criações quiméricas (fantasiosas). Um selo de Mohen-Daro mostra um monstro meio humano, meio búfalo, atacando um tigre, que pode ser uma referência ao mito sumério do monstro criado pela deusa Aruru para combater Gilgamesh. Outros incluem elefantes, rinocerontes, tigres, crocodilos e zebus. O animal mais representado é um ‘unicórnio’, uma besta mítica semelhante a um cavalo com um só chifre. Algumas pessoas pensam que o ‘unicórnio’ do Vale do Indo possa ter sido somente uma vaca vista de perfil e apenas um amuleto de boa sorte ou um distintivo de importante grupo de mercadores.
Em contraste com as civilizações contemporâneas da Mesopotâmia e do Egito, a do Vale do Indo não possui palácios monumentais, embora as cidades escavadas indiquem ter possuído o conhecimento de engenharia necessário. Nem Harappa, nem Mohenjo-Daro, mostram qualquer evidência de altares com fogo, o que pode sugerir que as cerimônias religiosas, se existissem, podiam ser confinadas aos lares individuais, pequenos templos ou ao ar livre, ou que tais rituais, tão críticos no hinduísmo, foram introduzidos posteriormente, pelos arianos. Vários locais foram propostos pelos estudiosos como possivelmente devotados a finalidades religiosas, mas atualmente, somente o Grande Banho de Mohenjo-Daro é imaginado ter sido usado como local para purificação ritual. As práticas funerárias da civilização harappiana são marcadas por sua diversidade, com evidência do enterro de costas e da redução do corpo aos restos esqueléticos por exposição dos elementos antes do enterro final e da cremação.

[1] Os Vedas são um grande corpo de textos originados na antiga Índia, compostos em sânscrito e constituindo a mais antiga camada da literatura sânscrita e os mais antigos escritos do hinduísmo. O Veda, para teólogos indianos ortodoxos, é considerado como revelações, de uma forma ou outra, trabalhos de deidades. Há quatro Vedas: o Rigveda, o Yajurveda, o Samaveda e o Atharvaveda, cada um deles subclassificado em em quatro tipo principais de textos.

[2] A palavra "ariano", ao referir-se a um grupo étnico, tem vários significados. Refere-se, mais especificamente, ao sub-grupo dos indo-europeus que se estabeleceu no planalto iraniano do final do terceiro milênio AC. Por extensão, a designação "arianos" passou a referir-se a vários povos originários das estepes da Ásia Central - os Indo-europeus - que se espalharam pela Europa e pelas regiões já referidas, a partir do final do neolítico. Até recentemente, acreditava-se que os arianos teriam invadido o subcontinente indiano por volta de 1500 AC, vindo do norte, pelo Punjabe, disseminando-se pela Índia, Pérsia e regiões adjacentes. Teriam sido os descendentes dos indo-europeus que fundaram a civilização indiana, subjugando as populações locais, dando origem ao sistema de castas e, mais especificamente, às castas dominantes dos brâmanes, xátrias e vaixás. A sua cultura teria ficado particularmente expressa nos Vedas e, principalmente, no Rig Veda, considerado como o mais antigo.

Na próxima postagem, finalização da CVI, com a PARTE 04

quarta-feira, 10 de junho de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: VALE DO INDO OU HARAPPIANA (PARTE 02)

III – GEOGRAFIA

O rio Indo nasce no Himalaia (ou Cordilheira do Himalaia), a cadeia montanhosa mais alta do mundo, que separa a planície indo-gangética, ao sul, do planalto tibetano, ao norte, onde reina, soberano, o Monte Everest. Do Himalaia o rio Indo escoa para o sul em direção ao mar da Arábia onde tem a sua foz, percorrendo uma distância aproximada de 3.000 km, o que o faz o mais longo rio do Paquistão.
Cordilheira do Himalaia e países relacionados à CVI 
A Civilização do Vale do Indo englobou a maior parte do Paquistão, noroeste da Índia, partes do Afeganistão e do Irã, estendendo-se do árido deserto do Baloquistão, no Irã, ao oeste, até o estado de Uttar Pradesh, ao norte da Índia, no leste; do nordeste do Afeganistão, ao norte, até Maharashtra, no centro da Índia, ao sul. A geografia do Vale do Indo coloca a civilização que lá surgiu, em uma situação muito similar à do Egito, com ricas terras cultiváveis, circundadas por montanhas, deserto e oceano. Recentemente, locais do Indo também têm sido descobertos na província de fronteira noroeste do Paquistão. Outras colônias da CVI podem ser encontradas no Afeganistão, enquanto colônias isoladas ainda menores podem ser encontradas até no Turquemenistão e em Gujarate. Vestígios da CVI foram ainda encontrados em muitos outros locais e até em ilhas da Ásia.
De acordo com alguns arqueólogos, mais de 500 sítios harappianos foram descobertos ao longo de leitos secos do rio Ghaggar-Hakra e seus tributários, em contraste a apenas 100 ao longo do Indo e seus tributários, razão pela qual se justificaria a nomenclatura Civilização Ghaggar-Hakra ou Civilização Indo Saraswati. Contudo, esses argumentos politicamente inspirados são disputados por outros arqueólogos que dizem que a área do deserto Ghaggar-Hakra foi mantida intocada por povoamentos e agricultura desde o final do período Indo e, em consequência, mostra mais locais que os encontrados no aluvião do vale do Indo; depois, o número de sítios harappianos ao longo dos leitos do Ghaggar-Hakra tem sido exagerado e o Ghaggar-Hakra, quando ainda existente, era um tributário do Indo, de forma que a nova nomenclatura seria redundante. Assim, “Civilização Harappiana” permanece a forma correta, de acordo com o uso arqueológico comum de nomear uma civilização pelo seu local de descoberta.

IV – HARAPPIANA ANTIGA

A fase Harappiana Antiga Ravi, da proximidade com o rio Ravi, durou de 3300 a 2800 AC. Está relacionada à fase Hakra, identificada no vale do rio Ghaggar-Hakra, ao oeste e se antecipa à fase Kot Diji (2800 a 2600 AC, Harappiana 2), recebendo o nome de um local no nordeste da província de Sindh, sudeste do Paquistão, próximo de Mohenjo Daro. Os primeiros exemplos de escrita datavam do 3º milênio AC e descobertas em Bhirrana, Rajasthan, na Índia, indicam que a manufatura do Hakra desta área, data de aproximadamente 7500 AC.
A fase madura das culturas de aldeias mais antigas é representada por Rehman Dheri e Amri, no Paquistão. Kot Diji representa a fase que conduz à fase Harappiana Madura, com a cidadela alta, sobre uma colina, onde ficavam as construções maiores, talvez o local onde viviam os governantes da cidade - representando a autoridade central e uma qualidade de vida urbana crescente. Outra cidade deste estágio foi encontrada em Kalibangan, na Índia, no rio Hakra.
Redes de comércio ligavam esta cultura com culturas regionais e fontes distantes de material cru, incluindo o lápis-lazúli e outros materiais para a confecção de contas. Os aldeões plantavam várias culturas, incluindo ervilhas, sementes de gergelim, tâmaras e algodão, bem como domesticava animais que incluíam o búfalo da água. Antigas comunidades harappianas se trnasformaram em grandes centros urbanos por volta de 2600 AC, daí iniciando a fase Harappiana Madura.

V – HARAPPIANA MADURA

Civilização do Vale do Indo em sua fase Harappiana Madura
Cerca de 2600 AC, as comunidades da Harappiana Antiga haviam se tornado grandes centros urbanos, que incluíam Harappa, Ganeriwala e Mohenjo-Daro, no Paquistão atual, e Dholavira, Kalibangan, Rakhigarhi, Rupar e Lothal, na Índia moderna. No total, mais de 1.052 cidades e povoações foram encontradas, principalmente na região geral do rio Indo e seus tributários.
Uma cultura urbana sofisticada e tecnologicamente avançada é evidente na Civilização do Vale do Indo, como primeiros centros urbanos da região. A qualidade do planejamento das cidades sugere o conhecimento de planejamento urbano e governos municipais eficientes, que punham uma alta prioridade na higiene ou acesso aos meios para rituais religiosos.
Ruínas em Harappa: bloco de artesãos
As construções nas cidades eram feitas de tijolos de barro e estas possuíam muralhas e estradas que podiam ter até 10 metros de largura para passagem de carros. As ruas laterais eram estreitas, mais como vielas. Como a água era muito importante para o povo do Indo, os construtores começavam as obras pela escavação de poços e lançamento de drenos.
Os tijolos eram feitos por pessoal especializado, que misturava solo, argila e água para conseguir um barro pastoso. Em seguida eles amassavam o barro numa forma de madeira com a forma do tijolo, onde ficava até que pudesse ser desenformado. Os tijolos podiam ser secos ao sol ou num forno rudimentar de alta temperatura que lhes conferia maior resistência. Os tijolos do Vale do Indo possuíam as mesmas relações entre suas dimensões, 1:2:4, embora tivessem tamanhos diferentes. Um tamanho muito utilizado possuía 7 cm de altura por 14 cm de largura e 28 de comprimento. Os tijolos eram dispostos em linha ou fila, extremidade a extremidade e atravessados, usando lama úmida como cimento para manter os tijolos unidos. As paredes eram, posteriormente, rebocadas, mas não se pode dizer se eram também pintadas. Suas paredes eram tão fortes que muitas resistiram por mais de 4.000 anos.
Visão global de Mohenjo-Daro
Paquistão Leste
Como visto em Harappa, Mohenjo-Daro e a recente escavação parcial em Rakhigarhi, o plano urbano do Vale do Indo incluiu os primeiros sistemas de saneamento urbano no mundo. Dentro da cidade, lares individuais ou conjuntos de lares obtinham água de poços. A partir de uma peça que parece ter sido reservada para banho, a água usada era conduzida para drenos cobertos, que corriam pelas ruas principais. A construção de casas em alguns povoamentos da região, ainda se assemelham, em alguns aspectos, à construção das casas dos harappianos.
Os sistemas de esgoto e drenagem do antigo Vale do Indo, que foram desenvolvidos e usados em cidades de toda a região, eram mais avançados do que qualquer outro encontrado em locais urbanos contemporâneos do Oriente Médio e ainda mais eficientes do que os de muitas áreas do Paquistão e da Índia de hoje. A arquitetura avançada dos harappianos é mostrada por seus estaleiros, silos, armazéns, plataformas de tijolos e muralhas de proteção.
Em forte contraste com as civilizações contemporâneas da Mesopotâmia e do Egito antigo, no Vale do Indo não foram construídas estruturas monumentais. Não há evidência conclusiva de palácios ou templos – ou de reis, exércitos ou sacerdotes. Na cidade de Mohenjo Daro, encontrou-se uma ruína que pode ter sido um banho público – “O Grande Banho”. As muralhas maciças das cidadelas do Vale do Indo certamente eram defensivas e as protegiam das águas das cheias, podendo ter desestimulado conflitos militares.
Ruínas de Mohenjo-Daro. Na frente, o Grande Banho
As casas do Vale do Indo eram mantidas frias, internamente, pelas espessas paredes que as protegiam do calor do verão. Algumas casas tinham apenas um quarto e grandes casas possuíam vários quartos dispostos em torno de um pátio central. Não havia janelas para a rua principal, mas apenas para os pátios internos e vielas secundárias, para evitar a poeira e o ruído. De uma casa modelo encontrada em Harappa, podemos ver que as janelas podem ter tido venezianas de madeira para deixar entrar o ar e a luz. Tudo o que resta hoje são os pisos térreos das casas que uma vez tiveram dois ou três pisos, servidos por escada que conduzia até o telhado.
A maioria das pessoas vivia em pequenas casas que eram também usadas  como oficinas de trabalhos e nelas não havia muito espaço para relaxamento. Para as famílias ricas, o pátio era um lugar arejado, agradável e aberto, onde as crianças podiam brincar com seus brinquedos e animais domésticos, como macacos, cães e pássaros, e as pessoas cultivavam plantas em vasos.
As pessoas cozinhavam em fogo de lenha, carvão ou fezes secas de animais. Assavam o pão em pedras quentes ou em fornos rudimentares. Nos banheiros as pessoas ficavam sobre “estrados” de tijolos e jogavam água sobre si mesmos, de uma jarra, que era conduzida por drenos para a rua.
Embora algumas casas fossem maiores do que as outras, as cidades da CVI foram notáveis por sua aparente uniformidade. Todas as casas tinham acesso a instalações de água e esgoto. Tudo isso fornece a impressão de uma sociedade com baixa concentração de riqueza, embora claro nivelamento social seja visto em adornos pessoais.
Gravuras em selos e outros artefatos, mostram-nos como o povo do Indo se vestia. Como praticamente as temperaturas eram altas durante todo o ano, as pessoas não necessitavam de roupas pesadas para mantê-las aquecidas. A maioria dos trabalhadores provavelmente vestia apenas uma tanga, que se assemelhava muito a shorts folgados. Homens ricos usavam túnicas e mulheres usavam vestidos que, provavelmente, cobriam a maior parte dos seus corpos, embora alguns pudessem ter sido sem a parte superior. Homens e mulheres usavam joias, especialmente contas e braceletes. Algumas mulheres ostentavam penteados elegantes, arranjados com fitas e contas. Algumas arranjavam seus cabelos em penteados que se assemelhavam a leques.

V.1 – AUTORIDADE E GOVERNO

Registros arqueológicos não fornecem respostas imediatas para um centro de poder ou para representações de pessoas no poder na sociedade harappiana, mas há indicações de decisões complexas tomadas e implementadas. As principais teorias são as que seguem:

  •     Havia um só estado, considerada a semelhança dos artefatos, a evidência de povoados planejados, a relação padronizada nos tamanhos dos tijolos e o estabelecimento das vilas próximas das fontes de material bruto;
  •        Não havia um só mandatário, mas vários: Mohenjo-Daro tinha um separado, Harappa outro e assim por diante;
  •        Na sociedade harappiana não havia reis e todos gozavam de idêntico status.


V.2 – AGRICULTURA E PECUÁRIA

A grande maioria dos povos do Vale do Indo não vivia em cidades. Talvez nove em dez pessoas fossem agricultores ou comerciantes que viviam em pequenas vilas. Usavam algumas ferramentas que ainda hoje são usadas: martelos, facas, agulhas, anzóis, machados, navalhas e serras, a maioria delas feita de pederneira. Usavam também muito cobre em suas ferramentas, em geral com estanho, para obter o bronze.
Para alimentar as pessoas nas cidades, os agricultores do Vale do Indo tinham que produzir uma grande quantidade de alimentos. Para isso cultivavam grandes áreas com o uso de seus arados de madeira puxados por bois. Muitos modelos de arado, possivelmente brinquedos, têm sido encontrados pelos arqueólogos. Os agricultores aproveitavam bem as águas dos rios, semeando após a inundação dos seus leitos maiores, que tornavam ricos seus solos. Plantavam diferentes espécies no inverno - ameno e úmido – e no verão – quente e seco. Foram, possivelmente, os primeiros agricultores a usar a água de poços subterrâneos e certamente terão usado água do rio para irrigar seus campos. No inverno plantavam trigo, cevada, ervilhas, lentilhas, linhaça e mostarda; no verão plantavam o painço, gergelim e, provavelmente, algodão; os especialistas não encontraram evidências do plantio de arroz. Como frutas, cultivavam tâmaras, uvas e melões, o que lhes proporcionava uma dieta bastante saudável, pela ingestão de mais frutas e vegetais do que animais.
Em Harappa as evidências mostram que cerca de metade dos ossos de animais vinha do gado e seus criadores dele exploravam o leite, a carne e também o couro, além de o usarem como animal de tração para seus carros, ao mercado, e seus arados. Criavam também ovelhas, cabras, porcos e, possivelmente, jumentos e camelos, além de frangos.
O “Grande Silo” é uma construção misteriosa em Harappa, com mais de 60 metros de comprimento, com seis grandes salões, erigida acima do solo sobre paredes, com um grande número de plataformas de tijolos próximas a ela. Inicialmente, os arqueólogos pensaram que se tratava de um armazém de grãos (silo), construído acima do solo para que o ar pudesse circular sob ele, assim mantendo o trigo seco. Nesse caso, as plataformas seriam para a carga e descarga dos carros de sementes. Entretanto, não encontraram qualquer evidência de grãos! Além disso, a construção principal e as plataformas foram construídas em épocas diferentes. Talvez fosse um palácio, talvez um templo, ainda um mistério a ser resolvido.
Rinocerontes e elefantes viviam no Vale do Indo e caçadores podiam tê-los caçados em armadilhas. Havia também veados e outros animais que os habitantes caçavam para alimento, com uso de lanças, arcos e flechas e fundas (com pedras).
Ao longo dos rios e praias os habitantes caçavam pássaros selvagens, como patos. Usavam as redes para apanhar carpas e outros peixes, e também se alimentavam de moluscos (conchas). Os caçadores tinham que ser cuidadosos porque havia predadores perigosos, como crocodilos, tigres e cobras venenosas.
Pelo exame dos dentes e ossos dos esqueletos descobertos, os arqueólogos puderam dizer o que os povos do Vale do Indo comiam, atestar que os homens eram mais bem alimentados do que as mulheres e que os dentes, da maioria das pessoas, eram saudáveis. Examinaram também valas de resíduos para ossos de animais, conchas, sementes de frutos e outros restos de comidas, para obter pistas de sua dieta.

Na próxima postagem, continuação da CVI, com a PARTE 03