Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 7)

A ERA DOS TUDORS – 1485 A 1603

HENRY VII (1485 – 1509)
Henry VII, fim das Guerras das Rosas

Henry VII, filho de Edmund Tudor e Margaret Beaufort, nasceu em 1457, em Pembroke, País de Gales, num país dividido pelo conflito. Seu pai havia morrido dois meses antes e sua mãe, Margaret Beaufort, tinha apenas treze anos de idade. Casou-se com Elizabeth de York em 1486, unindo as duas casas, de Lancaster e York e terminando com as Guerras das Rosas dentro da linha Tudor e eliminando as futuras discórdias na sucessão. Ela deu-lhe quatro filhos: Arthur, Henry, Margaret e Mary.
Isto porque Henry VII pertencia a um ramo da família real Plantagenet, a Casa de Lancaster. Sua mãe Margaret era descendente de Edward III, o que deu a Henry um direito real, embora tênue, de reivindicar o trono. Ele adotou a rosa vermelha Tudor no emblema da Inglaterra, combinando-a com a rosa branca York, assim simbolizando o fim da dinástica Guerra.
O domínio de Henry VII sobre o poder estava longe de seguro, mas desde o início de seu reinado ele estava determinado a trazer ordem à Inglaterra após 85 anos de guerra civil. Ele consolidou sua posição através de um tratado com a França que abriu o comércio entre os dois países. Seu mais importante tratado foi o “Magnus Intercursus” ou “Great Intercourse” (Grande Relação), assinado com a Holanda, assegurando as exportações dos têxteis da Inglaterra. Henry encorajou os negócios e comércio através do subsídio da construção de navios e dos lucrativos acordos de comércio, assim aumentando a riqueza da Coroa e da Nação.
A perspicácia política de Henry VII foi também evidente no tratamento das relações externas. Conseguiu tirar a Espanha da França, através do casamento do seu filho mais velho, Arthur, com Catarina de Aragão, filha de Ferdinando e Isabela (reis da Espanha), em 1501. Infelizmente, Arthur Tudor morreu, subitamente, em 1502, com 15 anos de idade, deixando Catarina viúva e seu irmão, Henry, como o novo herdeiro do trono.
Em 1503 Henry VII arranjou o casamento de sua filha, Margaret Tudor, com James IV da Escócia, a fim de garantir a paz entre os dois países. Com isso, os descendentes de James IV poderiam reivindicar o trono inglês, levando os Stuart novamente ao trono, após a extinção da dinastia Tudor, um risco que Henry VII estava disposto a correr.
Henry reconstruiu as finanças reais evitando as guerras, promovendo o comércio e reforçando os impostos reais, ao ponto do exagero, principalmente sobre a nobreza, resultando na enorme fortuna que deixou ao seu filho, o futuro Henry VIII. Iniciou o trabalho de construir uma administração moderna, criando o Comitê do Conselho Privado (nomeado para aconselhar o rei ou a rainha), um precursor do gabinete moderno que foi estabelecido para tratar mesmo com questões judiciais. Arranjos foram também realizados para promover melhor ordem no País de Gales e no norte, através da criação de conselhos especiais e poder adicional aos juízes da paz.
O impacto combinado das reformas de Henry VII aumentaria, significativamente, a força do rei e abriria o caminho para o governo medieval, com suas leis e costumes locais a serem gradualmente suplantados por um estado Tudor mais centralizado.
Henry VII morreu de tuberculose em 21 de abril de 1509, depois de reinar por 24 anos, e foi enterrado na Abadia de Westminster. Deixou um trono seguro, um governo solvente e um país próspero e razoavelmente unido. Foi sucedido por seu segundo filho, Henry VIII.

HENRY VIII (1509 – 1547)
Henry VIII, o rei das seis esposas

A pacífica sucessão de pai para filho esteve em marcado contraste com a turbulência da manutenção do poder por Henry VII ao final das “Guerras das Rosas”. Contudo, o reinado de Henry VIII, foi um dos mais conturbados da história da Inglaterra – e do mundo –, razão pela qual merecerá uma especial atenção de nossa parte.
Henry VIII, nascido em 1491, foi o segundo filho de Henry VII e Elizabeth de York. Chegou ao trono com a idade de 17 anos e consta que fosse inteligente, atlético e culto. O significado do reinado de Henry VIII é, algumas vezes, empanado por seus seis casamentos e tocar logo no assunto, vai permitir que nos fixemos mais profundamente nos principais temas do seu reinado.
Dois meses após tornar-se rei, Henry VIII casou-se com a viúva espanhola de seu irmão Arthur, Catarina de Aragão, in 1509, divorciando-se dela em 1533. Pelo fato de Catarina ser sua cunhada, fora necessário uma licença papal para validar tal casamento, que gerou uma filha, Mary. Em seguida, Henry casou com a grávida Anne Boleyn, em 1533, executada por infidelidade em maio de 1536, que deu-lhe outra filha, Elizabeth. A seguir, casou-se com Jane Seymour, ao final do mesmo mês, que morreu ao dar à luz Edward, único filho homem de Henry, em outubro de 1536. No início de 1540, Henry arranjou um casamento com Anne de Cleves, após ver um lindo retrato da princesa alemã; em pessoa, Henry achou-a inculta e o casamento nunca foi consumado. Em julho de 1540 ele desposou a adúltera Catherine Howard, executada por infidelidade em março de 1542. Catherine Parr tornou-se sua esposa em 1543, atendendo às necessidades de Henry e seus filhos até a sua morte, em 1547. De fato, apenas fundando a sua própria igreja, Henry VIII conseguiria resolver tais questões.
Catarina de Aragão, primeira
esposa de Henry VIII 
A vida da corte iniciada por seu pai, evoluiu para um alicerce do governo Tudor no reinado de Henry VIII. Após o governo firme e impassível de seu pai, o jovem, energético e vistoso rei, evitou reinar como pessoa, preferindo viajar ao interior, para a caça e a inspeção dos seus súditos. As questões de estado foram deixadas em outras mãos, principalmente nas de Thomas Wolsey, Arcebispo de York. Wolsey virtualmente governou a Inglaterra até que falhou em garantir a anulação papal que Henry VIII precisava para casar com Anne Boleyn, em 1533; muito capaz como lorde chanceler, assim que perdeu a confiança do rei, perdeu também o seu poder.
O início do reinado de Henry viu o jovem rei invadir a França contra o rei francês Louis XII, derrotar as forças escocesas na batalha de Foldden Field (em que James IV da Escócia foi assassinado) e escrever um tratado – “Assertio Septem Sacramentorum” (Defesa dos Sete Sacramentos) – denunciando os ideais reformistas de Martin Luther (Martinho Lutero), por isso merecendo do Papa, o título de “Defensor da Fé”, prova de que não era um protestante.
Anne Boleyn, esposa 2
A década de 1530 testemunhou o crescente envolvimento de Henry no governo, bem como uma série de eventos que muito alteraram a Inglaterra e toda a cristandade occidental: a separação da Igreja da Inglaterra do Catolicismo Romano. A desculpa foi a obsessão de Henry em produzir um herdeiro homem para manter a legitimidade dinástica, dado que Catarina de Aragão havia falhado em tal: como se ela não pudesse dar-lhe ainda o herdeiro, como se casando com Anne Boleyne tivesse garantias de que teria um herdeiro e, finalmente, como se precisasse de seis esposas para tal. Wolsey tentou, de todas as formas, obter uma anulação legal do Papa Clement VII, mas Clement era devedor a Charles V, Santo Imperador Romano e sobrinho de Catarina. Em represália, Henry convocou o Parlamento da Reforma, que passou 137 leis em sete anos, exercendo uma influência jamais conhecida de parlamentos feudais em assuntos políticos e eclesiásticos.
Jane Seymour, esposa 3
Em 1534 o Ato de Supremacia confirmou Henry VIII como chefe da Igreja da Inglaterra, separando-a da Igreja Católica Romana e servindo de enorme encorajamento aos protestantes ingleses. Como Chefe Supremo da Igreja Inglesa, Henry VIII realizou leves alterações nos rituais do culto, ao invés de uma indiscriminada reforma do dogma religioso. A Inglaterra entrou numa era de “submissão de mente” com a nova supremacia real.
Em julho de 1535, Sir Thomas More, sábio humanista e autor de 'Utopia', foi culpado de traição por se recusar a jurar o “Ato de Sucessão”, que fazia Elizabeth, a filha de Anne Boleyn, herdeira do trono, porque o seu prefácio debilitava a autoridade do Papa. More encontrava-se em crescente desacordo com a postura de Henry VIII em relação a Roma, a ponto de solicitar a sua renúncia como chanceler; recusou-se a pedir clemência e sua execução foi um dos mais famigerados atos da Reforma.
Thomas More, autor da Utopia
Em 1536 todos os funcionários eclesiásticos e do governo foram obrigados a aprovar, publicamente, o rompimento com Roma e fazer um juramento de lealdade. Como chefe supremo da Igreja, Henry VIII iniciou o confisco da propriedade monástica, acabando por eliminar todas as casas religiosas da Inglaterra e Gales. Dez mil monges, frades, freiras e seus servos tornaram-se desabrigados. Muito da propriedade foi vendida, a maioria para a pequena nobreza. O impacto social e cultural foi significativo, particularmente porque os monastérios se haviam tornado responsáveis pelo sustento dos pobres. Muitas igrejas paroquiais foram despojadas de ornamentos e os templos locais foram postos fora da lei.
O resto do reinado de Henry VIII foi decadente. Anne Boleyn durou apenas três anos antes de sua execução; foi substituída por Jane Seymour que acalmou o problema dinástico de Henry, com o nascimento de Edward VI. As facções reformistas ganharam a confiança do rei, beneficiando-se da dissolução dos monastérios, visto que as terras e rendas reverteram para a Coroa ou para a nobreza. O pessoal real prosseguiu em sua ascensão de status iniciada com Henry VII, acabando por rivalizar com o poder da nobreza. Dois homens, em particular, tornaram-se proeminentes nos últimos estágios do reinado de Henry: Thomas Cromwell e Thomas Cranmer. O primeiro, administrador eficiente, sucedeu a Wolsey como lorde chanceler, criando novos departamentos de governo para os vários tipos de receitas e estabelecendo como deveres das paróquias, o registro de nascimentos, batismos, casamentos e falecimentos. Cranmer, arcebispo de Canterbury cuidou das mudanças na política eclesiástica e supervisionou a dissolução dos monastérios.
Algumas das inovações introduzidas por Henry VII e continuadas por Henry VIII, conjugadas com o rompimento com Roma e o aumento da burocracia governamental, conduziram à supremacia real que duraria até a execução de Charles I e ao estabelecimento do “Commonwealth” (Comunidade Britânica), cem anos após a sua morte.
Henry sofreu um acidente durante um combate, em 1536, com sérias complicações posteriores que o obrigaram a mudar seus hábitos pessoais, tornando-se obeso até a sua morte, em 1547, com a idade de 55 anos, no palácio de Whitehall. Morreu após ter pronunciado suas últimas palavras: "Monges! Monges! Monges!", talvez em referência aos monges despejados durante a dissolução dos monastérios. Henry VIII foi enterrado na Capela de St George, Castelo de Windsor, ao lado de Jane Seymour.
Antes de prosseguir com a sucessão de Henry VIII, na figura de seu filho Edward, de 9 anos, não podemos perder a oportunidade de apreciar, com um pouco mais de profundidade, um evento internacional da mais alta relevância, acorrido durante o reinado deste monarca inglês: a Reforma
A Reforma é uma daquelas coisas que todos ouvem, mas poucos realmente entendem. O clímax de séculos de Católica corrupção ou apenas o acaso? A consequência de um vácuo de poder na Europa ou um grande debate teológico? Um desafio razoável para um filho e herdeiro ou o resultado da natureza luxuriosa de Henry VIII?
Na verdade, foi uma consequência de todas essas razões; não haveria mistério se fosse apenas por uma delas, todas foram necessárias para a Reforma Inglesa acontecer, numa cadeia de eventos que iria, ao final, alterar a Inglaterra e a vida inglesa para sempre.
A história realmente começa cerca de 100 anos antes, quando o Papado começou a colher os efeitos de séculos de concessões; diga-se de passagem, justificável, visto o crescimento inimaginável da Igreja Católica Romana e do seu corpo eclesiástico, com consequente aumento de poder. O Grande Cisma (como já apontado em nossa publicação sobre o Império Romano) viu dois e até três indivíduos reivindicando o Papado; o Concílio de Pisa, em 1409, assistiu a uma luta de poder entre o Papa e os seus Bispos; finalmente, o Concílio de Constança, entre 1414 e 1418 encerrou a questão, unificando novamente a Igreja, não sem deixar cicatrizes. Combinados, esses acontecimentos complicaram o comando Papal, prejudicando a reputação da Igreja aos olhos dos leigos.
Na Inglaterra, como já apontado, o mesmo período viu John Wyclif, um acadêmico de Oxford, prever os argumentos de Martin Luther, que viriam um século depois, produzindo a primeira bíblia inglesa. Piers Plowman, um popular poeta satírico, atacava os abusos da Igreja, do padre ao Papa. Os seguidores de Wyclif, os Lollards, derrotados em sua rebelião de 1414, permaneceram como uma minoria perseguida por outros cem anos.
Assim, o anticlericalismo europeu não era algo novo; na verdade, como sabemos, fervia desde o início do clero. O que era novo, nessa época, foi o subproduto do nascente capitalismo: riqueza, urbanização e educação. Embora ainda uma minoria, os leigos mais cultos não ficaram confinados aos que faziam parte do jogo e tornavam-se mais educados do que muitos padres que clamavam ser o caminho da salvação.
A crítica aprimorou-se, em casa e no exterior, pelos Humanistas. Liderados por Colet, More e Erasmus, eles retornaram às origens, estudando as escrituras como fariam com qualquer texto clássico. Contudo, permaneceram católicos, atacando a corrupção, mas defensores de uma reforma interna, realçando a tolerância e a dignidade inerente ao homem. Foi um clérigo alemão abatido, Martin Luther, que acendeu o estopim, a partir de 1516, da primeira Reforma Europeia.
Martin Luther, figura central
da Reforma Protestante
Sem obter conforto do ritual católico e horrorizado pelos abusos na Itália, Lutero concluiu que a salvação da alma era uma questão pessoal entre Deus e o homem: o tradicional cerimonial da Igreja era irrelevante, no mínimo, e a venda de indulgências, como exemplo do pior, era fraudulenta. Expondo suas 95 Teses em uma porta de igreja de Wittenberg, Alemanha, ele induziu um debate teológico maciço, sendo condenado como herético e posto fora da lei.
Pode parecer que foi uma das grandes ironias da história, o fato de Henry VIII ter publicamente refutado as ideias de Lutero, sendo por isso agraciado pelo Papa com o título de “Fidei Defensor” (Defensor da Fé), em 1521. Mas não foi, porque o rei não era, então, adepto da Reforma e nunca foi; na verdade seus interesses foram pessoais, na ora propícia.
Era tarde demais para se opor às ideias de Lutero, muito claras e que se espalharam rapidamente, atingindo a Inglaterra, onde foram discutidas por acadêmicos, entre eles o Grupo White Horse, nome tirado de um popular “pub”(1) de Cambridge, onde os estudiosos se reuniam para beber e consertar o mundo. Assim, a Inglaterra, em meados da década de 1520, ouvia murmúrios de laico descontentamento, que permaneceram e cresceram dramaticamente, como resultado das tentativas de Henry VIII para conseguir seu divórcio de Catarina de Aragão. O Catolicismo cuidava de necessidades muito importantes e desfrutava, em geral, de apoio popular. Embora os murmúrios apontassem a Europa como vanguarda, a mesma situação existia na França, embora permanecesse católica. A diferença é que a França não teve um “Defensor da Fé”, ela não teve um Henry VIII que muito desejou a sua própria igreja, que lhe garantisse o divórcio tão almejado. Desde 1509, o homem do renascimento inglês só não teve uma coisa em sua vida: um filho homem! Catarina de Aragão lhe deu seis crianças, mas apenas uma filha mulher sobreviveu, Mary. Henry se convencera de que Deus o punia por ter casado com a esposa de seu irmão mais velho morto, Arthur. Além disso, Henry havia se apaixonado por Anne Boleyn, filha de um comerciante londrino bem relacionado cuja família ele conhecia bem: sua irmã havia sido uma cortesã. Pouca beleza, mas muita esperteza, Anne insistiu que seria rainha ou nada. Henry era apaixonado, mas era também casado. Foi sua busca por uma solução, que disparou o gatilho do rompimento com Roma.
Papa Clamente VII
Em 1527 ele pediu o divórcio ao Papa Clement VII, em termos da Escritura. Infelizmente para ambos, Roma estava cercada pelo Imperador Charles V de Espanha, sobrinho de Catarina que, obviamente, não era simpático à solicitação de Henry, o que fez com que o Papa também não fosse. Henry teria que encontrar uma outra forma ...
Foi Thomas Cranmer, do Grupo White Horse (não por acaso) que, em 1530, sugeriu uma abordagem legal. A Collectanea(2)  sustentava que os Reis da Inglaterra desfrutavam de poder imperial, similar ao dos primeiros imperadores romanos cristãos, significando que a jurisdição do Papa era ilegal. Se Henry quisesse o divórcio, ele poderia tê-lo desde que William Warham, o arcebispo de Canterbury, concordasse; mas Warham não concordou.
Henry aplicou pressão, acusando o clero com a Praemunire(3) , o exercício ilegal da jurisdição espiritual. Em 1532 o clero havia capitulado e no ano seguinte uma nova lei afirmou a independência judicial da Inglaterra. Nesse momento tudo era urgente: Anne estava grávida e Henry tinha que casar para legitimar a criança. Felizmente Warham havia recém morrido; Henry substituiu-o por Cranmer e, em dois meses, o divórcio aconteceu.
A Lei da Supremacia, de 1534, confirmou o rompimento com Roma, declarando Henry o Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra. Mas a Reforma estava longe de encerrada. A protestante Anne Boleyn tinha a motivação, a força, a inteligência e os meios para empurrar a Reforma tão longe quanto ela iria: Cranmer e Cromwell. No estado Tudor, Cranmer era o pensamento e Cromwell a polícia, combinando o gênio gerencial com a impiedade maquiavélica. Os anos até 1540 viram seus grupos de ataque viajar pelo país avaliando as posses da Igreja: assim que ele soube o quanto tomar, tomou! A dissolução dos monastérios foi até 1540, dois terços de toda a terra foi vendida aos leigos e o dinheiro dissipado em guerras fúteis contra a França. A destruição de tesouros eclesiásticos sem preço foi, possivelmente, o maior ato de vandalismo na história inglesa, mas também um ato de gênio político que criou um interesse de posse na Reforma: todos aqueles que agora possuíam terras monásticas, jamais abraçariam um retorno ao catolicismo!
Como uma ratificação do fato de que Henry VIII nunca foi um protestante, o prosseguimento da Reforma foi então interrompido pelo “Ato dos Seis Artigos”(4) , em 1539 e, em seguida à súbita queda de Cromwell, no ano seguinte, a corte balançou entre religiosos conservadores e reformadores radicais, com a Reforma atolada na lama, enquanto na surdina, Edward, o jovem filho de Henry, nascido de Jane Seymour (a esposa número três), era educado por protestantes. Quando tornou-se rei, em 1547, com apenas dez anos de idade, seus dois regentes aceleraram a Reforma, consideravelmente: o Ato de 1539 foi revogado, os padres foram autorizados a casar – criando mais um interesse disfarçado - e mais terra foi confiscada; altares e relicários foram removidos de igrejas e os vitrais quebrados.
Embora ainda não definitivamente sacramentada na Inglaterra, nesta época, a Reforma havia lançado as suas bases por todo o mundo. E por que a Reforma foi tão importante, principalmente na Inglaterra? Porque embora tendo ocorrido há um longo tempo atrás, ela estabeleceu nas mentes dos ingleses, a imagem de uma ilha-nação, separada e suprema, que ainda ressoa hoje. A política inglesa tronou-se incrivelmente repressiva na Irlanda, causando a opressão, por parte de proprietários de terras protestantes, de cidadãos que resistiram à conversão. Essa herança, que ainda vigora, e a permanente percepção de anti-catolicismo permaneceu suficientemente potente para tornar-se a causa de uma guerra civil um século mais tarde.


(1) Um “pub”, formalmente “public house” (uma casa aberta ao public, em oposição a uma casa particular), é um estabelecimento que vende bebidas alcoólicas, fundamental na cultura de países como Grã Bretanha, Irlanda, Austrália, Canadá, África do Sul e Nova Zelândia. Em muitos locais, especialmente em pequenas comunidades, um “pub” é o ponto focal da comunidade, sendo descrito como “o coração da Inglaterra”.
(2) A “Collectanea satis copiosa” (Coleção Suficientemente Abundante), de 1530, era uma coleção de documentos históricos compilados por Thomas Cranmer e Edward Foxe, criada para provar que reis da Inglaterra, historicamente, não possuíam superiores na Terra (incluindo o Papa). A Collectanea continha “evidência” da Supremacia Real, a partir de trabalhos de Bede, William de Malmesbury, Geoffrey of Monmouth e leis anglo-saxônicas.
(3) Na história inglesa, Praemunire ou Praemunire facias foi uma lei criada durante o reinado de Richard II, que proibia a asserção ou manutenção da jurisdição papal, imperial ou estrangeira, ou alguma outra jurisdição estrangeira ou reivindicação de supremacia na Inglaterra, contra a supremacia do rei. Essa lei foi reforçada pelo Édito de “Praemunire facias”, um édito de intimação, do qual a lei toma o seu nome. O nome Praemunire pode denotar a lei, o édito ou a ofensa. Foi apenas uma das várias medidas para restringir a Santa Sé e todas as formas de autoridade Papal na Inglaterra. Sua importância decaiu durante muito tempo, oportunamente ressurgindo sob Henry VIII.
(4) O ato, passado pelo Parlamento, permaneceu como política de Henry até a sua morte, sempre condenado pelos protestantes. Uma forma abreviada dos seis artigos, diria o seguinte: O primeiro traduzia a doutrina da transubstanciação; o segundo estabelecia a não necessariedade da comunhão entre o vinho e o pão (sangue e corpo de Jesus Cristo); o terceiro proibia o casamento dos padres; o quarto artigo estabelecia que os votos de castidade ou de viuvez, de homens e mulheres, deveria ser observado; o quinto dizia que as missas privadas eram permitidas; finalmente, o sexto estabelecia a necessidade da confissão auricular.

Prossegue na PARTE 8

domingo, 15 de dezembro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 6)

HENRY V (1413 - 1422)
Henry V, o rei guerreiro

Henry V, o mais velho filho de Henry IV e Mary Bohun, nasceu em 1387. Seu único filho, o futuro Henry VI, nasceu em 1421. Henry era um consumado soldado: à idade de catorze anos ele lutou contra as forças galesas de Owain Glyn Dwr; com dezesseis ele comandou as forças de seu pai na batalha de Shrewsbury; e logo após sua ascensão ele eliminou um importante levante Lollard(1) e uma trama de assassinato por nobres ainda leais a Richard II. Propôs casamento a Catherine em 1415, exigindo as antigas terras dos Plantagenet, na Normandia, e Anjou como seu dote. Charles VI recusou e Henry declarou Guerra, abrindo um novo capítulo na Guerra dos Cem Anos. A guerra contra a França serviu a dois objetivos: ganhar terras perdidas em outras batalhas e manter o foco afastado de qualquer das ambições reais de seus primos. Detentor de uma hábil mente militar, Henry derrotou os franceses na batalha de Agincourt em outubro de 1415 e em 1419 havia capturado a Normandia, Picardy e grande parte do baluarte Capetiano de Ile-de-France.
Em 1420 Inglaterra e França assinaram o tratado de Troyes, pelo qual Charles VI não somente aceitou Henry V como seu genro, mas deu-lhe e a seu filho, Henry, a herança da coroa francesa, deserdando o Delfin de França, seu filho. Se Henry tivesse vivido mais dois meses, teria sido rei da Inglaterra e da França; contudo, envelhecido prematuramente pela vida dura de soldado, morreu subitamente em 1422, longe da Inglaterra, deixando seu único filho Henry, com menos de um ano de idade e sem saber, agora rei de Inglaterra e França sob os termos do Tratado de Troyes. A Inglaterra foi governada por um Conselho de Regência e na França, o tio do rei, John, Duque de Bedford, gradualmente estendeu o controle inglês.

HENRY VI (1422 – 1461; 1470 - 1471)
Henry VI, rei da Inglaterra
e França

Henry VI foi o único filho de Henry V e Catherina de Valois, nascido em 6 de dezembro de 1421, no Castelo de Windsor(2). Tinha apenas nove meses quando sucedeu a seu pai, Henry V, após morte prematura; era, de nome, rei da Inglaterra e França, mas um Protetor governou cada reino. Foi coroado rei em 1429 (com oito anos), mas um conselho de regência governou a Inglaterra até que tivesse idade suficiente, em 1437. Casou-se com Margaret d’Anjou em 1445, gerando a união um filho, Edward, morto em batalha um dia antes da execução de Henry.
As hostilidades na França continuavam, até que os ventos sopraram para os franceses, em 1428, com o surgimento de Joana d’Arc(3), a garota de 17 anos de idade, vital no resgate do Delfin Charles, em 1429, logo coroado em Rheims como Charles VII. Independente disso, Henry VI foi coroado rei da França, em Paris, em dezembro de 1431, já que o local tradicional de coroações francesas, Rheims, havia sido recapturada por Joana d’Arc no ano anterior, mesmo ano em que ela foi queimada na estaca, como herética, numa manobra francamente política.
Castelo de Windsor, residência de vários reis ingleses
Henry foi um homem piedoso, com esporádico interesse no governo, que escolheu os conselheiros errados e que não pode prever as lutas pelo poder que iniciaram na corte. Ao mesmo tempo, era muito difícil manter a dupla monarquia; os sucessos do Delfin e de Joana d’Arc começaram a enfraquecer o domínio inglês sobre as possessões francesas: a Brittany foi perdida em 1449, a Normandia em 1450 e a Gasconha em 1453, concluindo a Guerra dos Cem Anos e contribuindo fortemente para a erosão do prestígio e autoridade de Henry, que perdera todas as suas reivindicações em solo francês, com exceção de Calais.
Joana d'Arc, a donzela de Orleans
Além de tudo, as “Guerras das Rosas”, entre as facções Lancaster e York, realmente deflagraram durante o reinado de Henry VI que teve, em 1453, um ataque da doença mental hereditária que flagelou a francesa “Casa de Valois”; Richard, duque de York, foi feito protetor do reino durante a doença. Margaret, a obstinada esposa de Henry, alienou Richard durante a sua recuperação e aquele respondeu atacando e derrotando as forças da rainha em St. Albans, em 1455. Em 1460 Richard capturou o rei e forçou-o a reconhece-lo como herdeiro da Coroa. Henry conseguiu escapar e juntou-se às forças Lancastrianas que mataram Richard de York, na batalha de Wakefield, em 1460. Edward e seu irmão Richard (o futuro Richard III), filhos de Richard, encamparam a luta, derrotando os Lancastrianos em Towton, Yorkshire, na maior batalha das “Guerras das Rosas” travada até então, em 1461; finda a batalha, Edward coroou-se como Edward IV. Henry e Margaret fugiram para o exílio na Escócia, retornando e sendo capturados por Edward, em 1465, sendo aprisionados na Torre de Londres até 1470.
O duque de Warwick – previamente um aliado de Edward – então mudou de lado e, brevemente, recolocou Henry no trono, em 1470. Entretanto, assim que conseguindo recompor suas forças, Edward retornou do exílio e destruiu as forças Lancastrianas em Tewkesbury, em 1471. Nessa batalha, o único filho de Henry VI e Margaret, foi morto. Henry, o último rei Lancastriano, retornou à prisão na Torre e foi assassinado no dia seguinte. Todo o reinado de Henry VI esteve envolvido com a retenção das duas coroas e, ao final, ele acabou sem qualquer delas.

EDWARD IV (1461–1470; 1471-1483)
Edward IV, rei duas vezes

Edward, nascido em 28 de abril de 1442 em Rouen, França, filho de Richard Plantagenet, duque de York(4), foi rei da Inglaterra por duas vezes, vencendo uma luta contra os Lancastrianos para estabelecer a Casa de York no trono inglês, com o apoio do poderoso duque de Warwick, conhecido como o “Fazedor de Reis”, que depois o traiu e foi por ele morto.
A segunda parte do reinado de Edward, de 1471 a 1483, foi um período de relativa paz e segurança. Usou recursos dos Estados da Coroa para pagar custos do governo e com isso necessitou menos de concessões parlamentares do que seus predecessores – convocou o Parlamente em apenas seis ocasiões. Acordos comerciais, a paz externa e a ordem interna, revigoraram o comércio, beneficiando as obrigações alfandegárias e outras receitas. Conselhos foram estabelecidos nas fronteiras do País de Gales e ao norte.
Foi nessa época que William Caxton, anteriormente um chefe de mercadores aventureiros em Flandres, publicou o primeiro livro impresso na Inglaterra: 'Dictes and Sayings of the Philosophres' (Ditos e Declarações dos Filósofos). Ele havia estabelecido sua prensa em Westminster após retornar de Bruges, em 1476. Posteriormente ele publicou alguns trabalhos dos poetas do século XIV, Geoffrey Chaucer e John Gower, além da literatura de cavalaria que incluiu o célebre “Morte de Arthur”, do seu contemporâneo, Sir Thomas Malory (1405-1471).
Edward IV morreu, subitamente, em 9 de abril de 1483, e seu filho de 12 anos assumiu a Coroa como Edward V.

EDWARD V (1483 – 1483)
Edward V e o irmão Richard,
mortos na Torre de Londres

Edward V foi rei da Inglaterra desde a morte de seu pai, Edward IV, em 9 de abril de 1483, até 26 de junho do mesmo ano, sem nunca ter sido coroado.
Edward e Richard, os jovens filhos de Edward IV foram deixados sob a proteção de seu tio Richard, Duque de Gloucester (irmão de Edward IV). Gloucester encontrou o novo rei em sua jornada para Londres e quando alcançaram a capital, hospedou-o na Torre de Londres com seu jovem irmão. Em junho os meninos foram declarados ilegítimos, sob a alegação de que o casamento de seu pai com sua mãe, Elizabeth Woodville, havia sido inválido. Na Torre de Londres eles foram provavelmente assassinados sob as ordens do Duque de Gloucester.
Em seguida, o parlamento solicitou que Richard, Duque de Gloucester, assumisse o trono, o que ele aceitou, sendo coroado como Richard III.

RICHARD III (1483 – 1485)
Richard III, o rei "assassino"

Richard III, o décimo-primeiro filho de Richard, Duque de York e Cecily Neville, nasceu em 1452 e foi nomeado terceiro duque de Gloucester na coroação de seu irmão Edward IV. Em 6 de julho de 1483 foi coroado como Richard III. Richard teve três filhos: uma filha e um filho ilegítimos e um filho de sua primeira esposa, Anne Neville, viúva do filho de Henry IV, Edward.
O reinado de Richard ganhou uma importância fora de proporção para a sua duração. Ele foi o último da dinastia Plantagenet, que havia governado a Inglaterra desde 1154, sendo o último rei inglês a morrer em batalha, em 1485, entre as eras medieval e moderna. A ele foi também imputada responsabilidade por vários assassinatos: Henry VI, Edward, filho de Henry VI, seu irmão Clarence e seus sobrinhos Edward V e Richard.
Quatro meses após coroado, esmagou uma rebelião conduzida por seu prévio assistente, Henry Stafford, Duque de Buckingham, que buscava a ascensão ao trono de Henry Tudor, um enfraquecido Lancaster. A rebelião foi esmagada, mas Henry Tudor, Duque de Richmond e o melhor Lancastriano reivindicando o trono e vivendo na França, reuniu tropas e aportou ao sul do País de Gales, atacando as forças de Richard III, em 22 de agosto de 1485. Esta batalha, em Bosworth Fields, a última importante das “Guerras das Duas Rosas”, tornou-se o leito de morte de Richard III. Embora superior em número, vários de seus oficiais importantes desertaram e Richard III foi morto em batalha, com Henry Tudor assumindo o trono como Henry VII.
Richard III, de William Shakespeare
Os historiadores foram notavelmente cruéis com Richard III, baseados em evidências puramente circunstanciais. Shakespeare o pintou como um completo monstro em sua peça “Richard III”. Uma coisa é certa: a derrota de Richard, último dos reis medievais ingleses, e o encerramento das “Guerras das Rosas”, permitiu a estabilidade que a Inglaterra necessitava para curar-se, consolidar-se e penetrar na era moderna.


(1) Os Lollards eram seguidores do reformador herético da igreja, John Wyclif, que havia morrido em 1384. A revolução dos cavaleiros Lollard, de 1414, conduzida por Sir John Oldcastle, foi facilmente reprimida por Henry V. Oldcastle permaneceu livre até que foi capturado, julgado e executado, em 1417. O movimento Lollard foi considerado subversivo e, embora continuasse a fazer adeptos, sempre permaneceu como uma minoria religiosa.
(2) Windsor Castle é uma residência real em Windsor, condado inglês de Berkshire, notável por sua longa associação com a família real britânica e sua arquitetura. Foi construído no século XI, após a invasão normanda, por William, the Conqueror, e desde o tempo de Henry I tem sido usado pelos reis que o sucederam, sendo o mais longamente usado palácio da Europa. O castelo ocupa uma área de cinco hectares, combinando as características de fortificação, palácio e uma pequena cidade, incluindo a capela de Saint George, considerada uma das obras primas da arquitetura gótica. Mais de 500 pessoas vivem e trabalham no Castelo de Windsor.
(3) Em francês, Jeanne d’Arc, apelidada de “a donzela de Orleans”, nascida em 1412 e morta em 30 de maio de 1431, foi uma heroína popular da França e uma santa católica. Nascida de uma família de camponeses, dizia ter orientação divina e conduziu o exército francês a importantes vitórias contra os ingleses, durante a “Guerra dos Cem Anos”, abrindo caminho para a coroação de Charles VII. Foi capturada pelos Burgundians (importante partido de apoio aos ingleses), transferida aos ingleses, por dinheiro, julgada pelo bispo de Beauvais, pró inglês, Pierre Cauchon, por acusações de “insubordinação e heterodoxia”, e condenada à morte na fogueira, com 19 anos de idade.
(4) Nesse texto, as palavras “Duke” e “Earl” estão sendo traduzidas, indiferentemente, por Duque, embora exista diferença entre elas; daí a colocação dessa nota. 
Na nobreza, um “Duke” é o cargo mais alto, apenas abaixo do Rei ou Príncipe e considerados seus amigos (muitos deles da própria família real), com alto status social e financeiro. Eram feitos governadores de províncias pelos reis e seu território era chamado de “Duchy” (Ducado). Este é o caso do Duque de York, de Lancaster e outros. Se um “Duke” morresse sem herdeiro, seu título retornava à família real que o conferia a outra pessoa. A esposa de um “Duke” é chamada de Duquesa.
O “Earl” é um título de nobreza inferior, na hierarquia, a um “Duke”, abaixo de um Marquês e acima de um Barão. É o caso do citado Earl de Warwick. Quando os reis precisavam de recursos para formar exércitos, conferir esses títulos a pessoas não nobres era uma forma de resolver a questão. Não há nome oficial para a esposa de um “Earl”.

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