Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 28 de abril de 2013

BREVE HISTÓRIA DO IMPÉRIO ROMANO - PARTE 4

3) Tullus Hostilius
Rei Tullus Hostilius
Tullus Hostilius, de origem latina, sucessor de Numa Pompílio, era muito parecido com Rômulo no que se refere ao seu caráter guerreiro e completamente oposto a Numa em sua falta de atenção aos deuses. Fomentou guerras contra Alba Longa, Fidenes (cidade muito próxima de Roma) e Veios (a mais meridional das metrópoles etruscas, em guerra com Roma por séculos), que granjearam a Roma novos territórios e maior poder. Foi durante o reinado de Tullus que Alba Longa foi completamente destruída, sendo toda a população escravizada e enviada a Roma. Desta forma, Roma se impôs à sua cidade materna como poder hegemônico do Lácio. Apesar de sua natureza beligerante, Tullus Hostilius selecionou um terceiro grupo de indivíduos que chegou a pertencer à classe patrícia de Roma, eleito entre todos aqueles que haviam chegado a Roma buscando asilo e uma nova vida. Também erigiu um novo edifício para albergar o senado, a Cúria Hostilia, anteriormente destruído por incêndio.
Tullus Hostilius derrotando Veios
Em seu reinado o rei envolveu-se em tantas guerras que, descuidando sua atenção das divindades, teria provocado uma terrível peste sobre Roma, de acordo com as lendas, afetando muitos romanos e o próprio rei. Quando Tullus solicitou ajuda a Júpiter, o deus respondeu como um raio que reduziu a cinzas o monarca e sua residência. Seu reinado chegou ao fim após 32 anos de duração.

4) Ancus Martius
Com a morte de Tullus Hostilius, os romanos elegeram o sabino Ancus Martius, neto de Numa Pompilius, um personagem pacífico e religioso que, tal como seu avô, apenas estendeu os limites de Roma, lutando em defesa dos territórios romanos quando preciso.
Durante seu reinado fortificou o monte Janículo, na margem ocidental do rio Tibre e não incluído nas sete colinas, para assim garantir maior proteção à cidade por este flanco. Construiu também a primeira ponte de Roma sobre o Tibre, a ponte Sublicius, assim como a primeira prisão romana, o carcere Mamertino, existente até hoje. Outras das obras do rei foram a construção do porto romano de Óstia na costa do mar Tirreno, assim como as primeiras fábricas de salga, aproveitando a rota fluvial tradicional do comércio de sal (via Salaria) que abastecia os agricultores sabinos. A extensão da cidade de Roma foi incrementada devido à diplomacia exercida por Ancus, permitindo a união pacífica de várias aldeias menores através de alianças. Graças a este método, conseguiu o controle dos latinos, realojados no Aventino, consolidando assim a classe plebeia de Roma. Todavia, ainda são evidentes os conflitos entre romanos e latinos durante seu reinado.

Após 24 anos de reinado morreu, possivelmente, de morte natural, como seu avô, sendo recordado como um dos grandes pontífices de Roma. Foi o último dos reis latino-sabinos de Roma.

5) Tarquinius Priscus
Moeda com Tarquinius Priscus
Tarquinius Priscus, que reinou entre 616 e 579 AC, foi o quinto rei de Roma e o primeiro de origem etrusca, presumivelmente de ascendência coríntia[1] Após emigrar a Roma, obteve o favor de Ancus, que o adotou como seu filho. Ao ascender ao trono, combateu em várias guerras vitoriosas contra sabinos e etruscos, dobrando assim o tamanho de Roma e obtendo grandes tesouros para a cidade. Numa de suas primeiras reformas, adicionou cem novos membros ao senado, procedentes das tribos etruscas conquistadas, elevando a trezentos o número de senadores. Também ampliou o exército, duplicando o número de efetivos para 6.000 infantes e seiscentos ginetes. Além disso, a ele é creditada a criação dos Jogos Romanos.

Tarquinius Priscus utilizou a grande pilhagem obtida em suas campanhas militares para construir grandes obras em Roma, entre as quais destaca-se o grande sistema de esgoto da cidade, a Cloaca Máxima (cujo fim era drenar as águas residuais e o lixo dos vales situados entre as colinas de Roma, para o rio Tibre), o Forum Romanum e o Circus Maximus, um grande estádio onde realizavam as corridas de cavalos e que contava com um templo-fortaleza consagrado a Júpiter. Em seu reinado foram introduzidos os símbolos militares romanos e os cargos civis, bem como celebrado o primeiro triumphus romanum[2]. Tarquinius Priscus foi assassinado, após 38 anos de reinado, num complô promovido pelos filhos de seu predecessor, Ancus Martius, que não assumiram o trono.


6) Servius Tullius
Efígie do rei Servius Tullius
Servius Tullius, genro de Tarquinius Priscus, assumiu o trono e, como seu predecessor, travou várias guerras vitoriosas contra os etruscos. O espólio obtido foi utilizado para o financiamento das primeiras muralhas que cercavam as sete colinas romanas, sobre o pomerium, as chamadas Murus Servii Tullii (Muralhas Servianas), assim como um templo dedicado a Diana na colina do Aventino.
No âmbito bélico Servius Tullius introduziu novas táticas militares, aos moldes etruscos e gregos, e empenhou-se em tornar o exército romano mais disciplinado e basicamente composto de infantaria pesada, a exemplo das falanges hoplitas (hoplita: soldado grego de infantaria pesada, o nome oriundo de hoplon, o grande escudo que levavam à frente) gregas. Seu exército, composto por 6.000 infantes e 600 ginetes, era formado de homens com quantidade mínima de bens chamados adsidui, de modo a diferenciá-los dos proletarii, os pobres da sociedade que compunham a infra classem (classe inferior) e que não tinham direito a participar do exército.
Ruínas das Muralhas Servianas
No âmbito social, desenvolveu uma nova constituição para os romanos, com maior atenção às classes cidadãs. Instituiu o primeiro censo da história, dividindo a população de Roma em cinco classes censitárias, criando também a assembleia centuriata (primeira assembleia nacional do reino de Roma). Utilizou também o censo para dividir a cidade em quatro "tribos" urbanas (tribus urbanae), baseadas em sua localização espacial dentro da cidade, e o restante do território romano em 16 tribos rurais (tribus rusticae), estabelecendo a assembleia tribal (comitia tribuna).
As reformas de Servius provocaram uma grande mudança na vida romana: o direito a voto foi estabelecido com base no patrimônio, pelo qual grande parte do poder político permaneceu reservado às elites romanas. Contudo, no tempo de Servius, as classes mais desfavorecidas foram gradualmente favorecidas para, desta forma, obter maior apoio por parte dos plebeus, razão pela qual sua legislação pode definir-se como insatisfatória para a classe patrícia. O grande reinado de 44 anos de Servius Tullius terminou com seu assassinato em uma conspiração urdida por sua própria filha Tullia e seu marido Tarquinius, seu sucessor no trono.

7) Lucius Tarquinius Superbus (Tarquínio, o Soberbo)
Lucius Tarquinius Superbus
O sétimo e último rei de Roma foi Tarquinius Superbus, filho de Tarquinius Priscus e genro de Servius Tullius, também de origem etrusca. Usou a violência, o assassinato e o terror para manter o controle sobre Roma como nenhum rei anterior havia utilizado, revogando, inclusive, muitas das reformas constitucionais estabelecidas por seus predecessores. Sua melhor obra para Roma foi a finalização do templo de Júpiter, iniciado por seu pai Prisco, quando chamou o escultor etrusco Vulca de Veii para produzir a estátua de Júpiter no templo.
Tullia passando com o carro sobre seu pai
Tarquínio aboliu e destruiu todos os santuários e altares sabinos da rocha Tarpeia (local de onde eram lançados para a morte os malfeitores condenados), enfurecendo desta forma o povo romano. O ponto crucial de seu reinado tirânico sucedeu quando permitiu a violação de Lucrécia, uma patrícia romana, por seu filho Sexto Tarquínio. Um parente de Lucrécia e sobrinho do rei, Lúcio Júnio Bruto, convocou o senado que decidiu a expulsão de Tarquínio no ano 509 AC. Tarquínio fugiu para a cidade de Túsculum e posteriormente para Cumas, onde morreria no ano 495 AC. Esta expulsão supostamente pôs fim à influência etrusca tanto em Roma como no Lácio.
Os etruscos influenciaram os romanos tanto no plano cultural (disseminação do uso de túnicas, práticas religiosas e culto a novos deuses), como no plano material (ampliação do comércio e criação de canais de drenagem para secagem de pântanos locais); durante a dominação etrusca a área do Forum Romanum tornou-se o centro socioeconômico de Roma. É desta época a construção de uma ponte que substituiria um baixio do rio Tibre, utilizado para a sua travessia, e o sistema de esgotos romano, obras de engenharia com traçados típicos da civilização etrusca. Não há dúvida de que, do ponto de vista técnico e cultural, os etruscos só foram suplantados pelos gregos no desenvolvimento romano. O legado etrusco foi grande e duradouro, tendo transformado Roma, de uma comunidade pastoral, em uma verdadeira metrópole, imprimindo-lhe alguns aspectos culturais dos gregos como, por exemplo, a versão ocidental do alfabeto grego. Continuando a sua expansão para o sul, os etruscos estabeleceram contato direto com os gregos e, após um sucesso inicial nos conflitos contra os Gregos do sul da Itália, entrariam em declínio.
Após a expulsão de Tarquínio, o senado decidiu abolir a monarquia, convertendo Roma em uma República no ano 509 AC. Neste mesmo ano, um estratagema conhecido como “Conspiração Tarquiniana” foi planejado por patrícios e membros do senado que apoiavam a monarquia tombada. O estratagema, contudo, mostrou-se falho, e os conspiradores foram condenados a morte.
O período entre a fundação de Roma e a expulsão de seu último rei durou dois séculos e meio. Tendo começado, como outras cidades do Lácio, como um simples refúgio de pastores, o assentamento no Palatino expandiu-se até dominar todo o círculo das sete colinas. Lentamente, em paralelo com esse crescimento interno, uma sucessão de conquistas levou as fronteiras às duas margens do Tibre, até ao mar Tirreno, a uma longa faixa do Lácio, desde Óstia até Circeii e desde a fronteira sabina às terras altas dos volscos, na região central da península Itálica, Lácio meridional. Devido à política liberal, houve um constante fluxo de novos colonizadores, que trouxeram força e conhecimentos à comunidade. Com o passar do tempo, a presença dessa nova população, fora do círculo privilegiado dos fundadores, trouxe problemas que foram superados e contribuiu para a formação de legisladores e estadistas entre as classes dirigentes. Assim, após mais de dois séculos de existência, em 509 A.C., terminou o período real e a República Romana iniciou-se sem que se verificasse qualquer ruptura violenta das tradições.

(Segue com a Parte 5)

[1] Corinto foi uma das mais florescentes cidades gregas da antiguidade clássica, situado na Corintia, periferia do Peloponeso, enorme península ao sul da Grécia.
[2] Um triunfo romano era uma cerimônia civil e religiosa para homenagear publicamente o comandante militar de uma guerra ou campanha no estrangeiro, notavelmente bem sucedida, e para exibir as glórias da vitória romana. Aqueles que recebiam esta distinção eram denominados triumphators.

terça-feira, 23 de abril de 2013

BREVE HISTÓRIA DO IMPÉRIO ROMANO - PARTE 3


III – 2 Religião de Roma


Assim como as demais instituições romanas, as práticas religiosas da Roma Antiga, segundo a tradição, foram estabelecidas durante o Reino de Roma.
Localização do Reino e da cidade de Roma
De acordo com Tito Lívio, Numa Pompilius, o segundo rei de Roma, fundou a religião romana após ter dedicado um altar a Júpiter no monte Aventino e consultar os deuses por meio de um augúrio. Ele dividiu o sistema de ritos religiosos romanos, o que incluiu a forma e o tempo dos sacrifícios, a supervisão dos fundos religiosos, autoridade sobre todas as instituições religiosas públicas e privadas e a instrução da população nos ritos celestes e funerários. Numa também estabeleceu as
caerimoniae, originalmente as instruções rituais secretas, que são descritas como statae et sollemnes ("estabelecidas e solenes") e que foram interpretadas e supervisionadas pelo Collegium Pontificum[1]flamines, rex sacrorum e as vestais.
Os pontifex tinham a superintendência (judicial e prática) suprema de todos os assuntos, privados ou públicos, e da religião, além de serem os guardiões dos livros que continham as ordenações rituais dos romanos. O pontifex maximus era o sacerdote supremo do Colégio dos Pontífices. Os detalhes acerca de suas atribuições e funções estavam contidos nos chamados libri pontificalis (ou libri pontificii), os textos fundamentais da religião romana, que sobreviveram em transcrições fragmentárias e comentários, dos quais os primeiros escritos foram creditados a Numa Pompilius, a quem se atribui a codificação dos textos e princípios fundamentais do direito civil e religioso de Roma.
Os flamines, sacerdotes romanos dedicados ao serviço de deuses particulares, estiveram entre os mais importantes sacerdócios da Roma Antiga. Durante a monarquia foram estabelecidos os três que compunham o grupo chamado flamines maiores, aqueles que eram escolhidos entre os patrícios e dedicados aos deuses Júpiter (flamen dialis), Marte (flamen martialis), e Quirino (flamen quirinalis). Posteriormente estabeleceram-se outros 15 flamines, os flamines menores, que eram escolhidos entre os plebeus para dedicarem-se aos deuses menores. Os flamines, cujos cargos eram vitalícios, eram empossados pela comitia calata e estavam sujeitos à autoridade do pontifex maximus.
O rex sacrorum, cargo característico da religião etrusca, assim como de algumas cidades latinas, teve importância notória na religião romana. Em Roma, o sacerdócio foi deliberadamente despolitizado de modo que o rex sacrorum não era eleito e sim escolhido pelo pontifex maximus entre os patrícios subordinados a ele, e sua efetivação era testemunhada pela comitia calata.
As vestais, sacerdotisas castas da deusa Vesta, foram criadas, como sacerdócio, durante o reinado de Numa Pompilius, embora, segundo Tito Lívio, as origens das vestais provenham de Alba Longa. Numa, segundo Plutarco, fundou o Templo de Vesta, nomeou as primeiras quatro sacerdotisas e apontou um pontifex maximus para assisti-las. Tinham como principais funções vigiar, em turnos, o fogo eterno que ardia no altar da deusa Vesta e as relíquias sagradas de Roma, as fatale pignus imperii, apresentar ofertas à deusa em prazos estabelecidos, participar da consagração de templos, banquetes sacerdotais e festivais. Em rituais sacrificiais oficiais, preparavam e aspergiam uma mistura conhecida como mola salsa (farinha de trigo e/ou cevada com sal) sobre a testa e entre os chifres de vítimas sacrificiais, bem como no altar e no fogo sagrado.
Além disso, existiam na Roma Antiga os sacer (singular sacra), cultos tradicionais, públicos (publica) ou privados (privata), ambos supervisionados pelo Collegium Pontificum. E cerca de 40 festivais anuais com durações de vários dias ou apenas um ou menos, tudo regulado por normas muito específicas. Por fugir bastante das intenções da nossa publicação, tais itens são apenas mencionados de passagem.

Os deuses romanos eram inumeráveis, muitos assimilados do seu contato com os etruscos, que acabaram sendo cultuados ao modo romano. Roma não ofereceu nenhum mito nativo da criação, e a mitografia romana pouco explica do caráter de suas divindades, suas relações ou suas aspirações com o mundo humano, mas reconheceu que a teologia romana de deuses imortais (di immortales) governou todos os reinos dos céus e da terra. Havia deuses dos céus, deuses do submundo e uma miríade de divindades menores. Entre todos os deuses cultuados, os que se destacavam compunham as chamadas tríades: a tríade arcaica (Júpiter, Marte e Quirino) e a tríade capitolina (Júpiter, Juno e Minerva).
Júpiter e Juno, os principais deuses romanos
Para o conhecimento mais aprofundado da extensa coleção de deidades romanas, pela mesma razão já anteriormente exposta, remetemos os nossos leitores à bibliografia especializada.

III – 3 O Direito Romano

Durante a monarquia romana, segundo alguns autores, o conjunto de leis que vigorou em Roma foi o leges regiae (leis régias ou reais). Suas origens remontam à instituição do senado e da assembleia curiata, por Rômulo. Sua função, mais do que apenas um instrumento do poder dos reis, era criar leis que respondessem à necessidade de uma sociedade constituída por diferentes tribos, principalmente em assuntos em que os mores (costumes) não fossem suficientes. Concediam aos reis uma maneira de resolver questões religiosas e militares, quer diretamente, quer por meio de algum auxiliar como o magister populi do período dos Tarquínios. Desse modo, se de um lado, as leges regiae criavam novas leis diferentes dos costumes, por outro lado elas transformaram alguns deles em leis.
As leges regiae foram estabelecidas com bases na influência externa sofrida pelos romanos ao longo dos séculos. Inicialmente nota-se uma clara influência grega, uma vez que desde o século VIII AC há indícios de relações comerciais e/ou políticas entre romanos e gregos. Além disso, segundo autores clássicos, Rômulo estudou em Gabii, um centro sob influência grega. Outra influência é a sabina, que se reflete no uso de pele de boi como um suporte para a escrita, assim como no teor de algumas das leis. E por fim, a influência etrusca torna-se evidente a partir do governo dos reis etruscos tendo ela sido de natureza política, econômica e judicial. Um exemplo desta influência seria a postura dos reis em relação às gentes, que perderam muito de suas funções durante seus reinados.
Segundo fragmentos de vários autores clássicos, as leges regiae eram deliberadas tanto pelo senado como pela comitia curiae (assembleia curiata) e aprovadas pelo rex sacrorum e pelo pontifex maximus. No entanto, há quem defenda que, devido ao poder dos reis, eram eles que decidiam, sem o veto da curiae, tendo apenas o apoio do collegium pontificum, além da deliberação do senado. Especula-se que a curiae possuía apenas a função de participar publicamente na promulgação das leis.
O leges regiae foi, em suma, aplicado para sancionar instâncias de natureza religiosa; no entanto, estas não foram as únicas sanções em uso. Outras foram o confisco de propriedade e a pena de morte, que não foi administrada em nome de qualquer princípio sacro, mas na retribuição de um crime com um castigo igual.

III – 4 Reis Romanos

1) Romulus (Rômulo)

Rômulo foi, portanto, fundador e primeiro rei de Roma. Segundo a lenda, Rômulo teria morto Remo, após a fundação, por ter atravessado, de forma sacrílega, o pomerium[2] (literalmente, após o muro). Concretizada a sua fundação, Rômulo convidou criminosos, escravos fugidos e outros para auxiliarem na nova cidade, conseguindo assim povoar cinco das sete colinas de Roma. Para conseguir esposas para seus cidadãos, Rômulo convidou os sabinos para um festival e então raptou as mulheres sabinas levando-as para Roma.
O rapto das sabinas por Rômulo e seus homens
O rei dos sabinos, Titus Tatius, declarou guerra a Roma, mas acabaram unindo-se, romanos e sabinos, sob o governo da diarquia (estado governado, simultaneamente, por dois reis) Rômulo e Titus.
Rômulo dividiu a população de Roma entre homens fortes e não aptos para combater. Os combatentes constituíram as primeiras legiões romanas; dos restantes, constituindo-se em plebeus de Roma, Rômulo selecionou cem dos homens de linhagem mais alta para senadores. Estes homens foram chamados paters e seus descendentes os patrícios, constituindo a nobreza romana. Após a união entre romanos e sabinos, Rômulo agregou outros cem homens ao senado. Sob o reinado de Rômulo estabeleceu-se também a instituição dos áugures como parte da religião romana, assim como a comitia curiata. Rômulo dividiu o povo de Roma em três tribos: romanos (ramnes), sabinos (titios) e o resto (luceres). Cada tribo elegia dez curiata (cúria) e fornecia cem cavaleiros (celeres) e mil soldados de infantaria (milites), formando assim a primeira legião de 300 ginetes e 3.000 infantes, comandados pelos tribuni celerum e tribuni militum, respectivamente.
Rômulo carregando espólios para o templo de Júpiter
Depois de 38 anos de reinado, Rômulo travara numerosas guerras, estendendo a influência de Roma por todo o Lácio e outras áreas circundantes. Logo seria recordado como o primeiro grande conquistador e como um dos homens mais devotados da história de Roma. Após sua morte aos 54 anos de idade, foi divinizado como o deus da guerra Quirino, honrado como um dos três deuses principais de Roma.

2) Numa Pompilius

Numa Pompilius, de origem sabina, relutante a aceitar o cargo, foi o sucessor de Rômulo. Realizou um reinado sábio e marcado pela paz e prosperidade. Reformou o calendário romano, ajustando-o para o ano solar e lunar, adicionando os meses de janeiro e fevereiro para completar doze meses ao antigo de apenas dez. Instituiu numerosos rituais religiosos romanos e criou novos sacerdócios: os salii para adorar Marte e um flamen maioris como sacerdote supremo de Quirino, o flamen quirinalis. Organizou o território circundante de Roma em distritos, para uma melhor administração, e repartiu as terras conquistadas por Rômulo entre os cidadãos, organizando a cidade em grêmios e ofícios.
Ruínas do Templo de Vesta, no Fórum Romano
Numa foi recordado como o mais religioso dos reis, mesmo acima do próprio Rômulo. Sob seu reinado foram erigidos templos a Vesta e Jano, consagrado um altar no Capitólio ao deus da fronteira Término, e se organizaram os flamines, as vestais e os pontífices de Roma, assim como o collegium pontificum. Como homem bondoso e amante da paz, Numa semeou ideias de piedade e de justiça na mentalidade romana. Durante seu reinado as portas do templo de Jano (o Deus de duas faces, voltadas para o passado e para o futuro) estiveram sempre fechadas, como era tradição, a demonstrar que Roma, neste período, não se envolvera em qualquer guerra. Morreu de morte natural após 43 anos de reinado.
(Segue com a Parte 4)


[1] O Collegium Pontificum (Colégio dos Pontífices) era o corpo constituído pelos sacerdotes da mais alta hierarquia da religião estatal romana. Era formado pelo Pontifex Maximus e outros pontífices, o Rex Sacrorum, os quinze flamens e as vestais, sendo um dos quatro maiores colégios sacerdotais, além do augurs, do quindecimviri sacris faciundis (literalmente “os quinze responsáveis pelos ritos”), e os Epulones.
[2] Na Roma Antiga, o pomerium ou pomoerium era uma designação romana para a fronteira simbólica da cidade de Roma (a urbs), onde se encontravam as pessoas vivas e desarmadas. Os mortos eram enterrados fora dos limites do pomerium, geralmente em tumbas marginais às estradas que davam acesso à urbs. Os soldados eram expressamente proibidos de andar armados dentro destes limites, devendo reunir-se fora deles, no campus. Em termos legais, a cidade de Roma existia dentro dos limites do pomerium. O que estava fora dele pertencia a Roma mas não era Roma.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

BREVE HISTÓRIA DO IMPÉRIO ROMANO - PARTE 2

Localização de Roma na península itálica e no mundo
Roma floresceu à margem esquerda do rio Tibre (em italiano, Tevere), a cerca de 25 quilômetros de sua foz, em trecho navegável do rio, o que lhe garantia fácil acesso ao mar Tirreno, área do Mediterrâneo entre a Itália e as ilhas da Córsega, Sardenha e Sicília. Possuía assim, ao mesmo tempo, as vantagens de uma posição marítima (comércio pelo mar) e interior (proteção contra os piratas).
Roma era, inicialmente, um pequeno povoado, ou grupo de povoados, situado no Palatino e nas colinas vizinhas. Sua população girava em torno de poucas centenas de habitantes que baseavam sua economia na agricultura (trigo, cevada, ervilha, feijão), pecuária (cabras, porcos), pesca, caça e coleta; a manufatura de artigos cerâmicos, roupas e outros artigos de uso doméstico, era realizada pelas famílias para consumo interno; não havia estratificação social definida. A partir de 770 AC sítios arqueológicos da região, em especial necrópoles, começaram a demonstrar maior número de restos humanos, o que indica crescimento humano, influências externas derivadas de contatos comerciais, em especial com as colônias gregas da Campânia (região a sudoeste da Itália), maior especialização artesanal (emprego de roda de oleiro), e o aparecimento de classes sociais economicamente diferenciadas; tais processos intensificaram-se entre o final do século VIII e o século VII AC.
Esquema das Sete Colinas e o Tibre
Muitas sepulturas do período, encontradas em diversos locais no Lácio, contêm indivíduos com ornamentos que ressaltam sua riqueza, o que pode indicar formação progressiva de uma aristocracia dominante, que controlou os meios de produção, bem como os excedentes, adquirindo uma característica hereditária na manutenção do poder. Nesse contexto, muitos assentamentos apresentam notório crescimento, tornando-se núcleos de poder que foram fortificados com terraços e fossas (restos de uma muralha datada de 730 AC foram encontrados). Roma, antes um pequeno povoado no Palatino, abrangia em meados do século VII AC, o Vale do Forum, o Quirinal, parte do Esquilino e o Célio. No final do século VII AC, indícios arqueológicos apontam para um intenso processo de urbanização: cabanas foram substituídas por casas mais sólidas (alicerces de pedra, estruturas de madeira e cobertura de telhas); no Forum foi aberta uma praça pública; vestígios de prédios públicos, santuários e templos foram detectados, juntamente com telhas, terracotas (material constituído por argila cozida no forno, sem ser vidrada, utilizada em cerâmica e construção) e frisos decorativos.
A base social romana era constituída pelas gentes (singular: gens, clã), associações de parentesco entre famílias que acreditavam descender de ancestrais comuns que, de modo a expressar sua relação, utilizavam o mesmo nome. Nestas condições, cada membro de um gens (o gentiles) possuía dois nomes: um pessoal (praenomen; p. ex. Marco, Cneu, Tito) e um gentilício (nomen; por exemplo Márcio, Névio, Tácio). Cada família que compunha a gens era controlada por um respectivo pater familias que exercia poder absoluto (in potestate) sobre sua propriedade, animais, escravos, filhos e mulher; baseado em seu poder (patria potestas), o pater famílias tinha o direito de matar ou vender qualquer membro de sua família, a representava em suas relações com outras famílias e com a comunidade e efetuava os ritos e sacrifícios em honra aos antepassados e deuses. Desse modo, mesmo adultos, seus filhos não adquiriam autonomia legal até a morte do pater familias, quando por direito próprio eram considerados patres familiarum.
A partir do termo pater surgiu o termo patrício, nome da camada social dominante em Roma. Esta camada ostentava maior número de rebanhos, terras e escravos, da mesma forma que a eles era legado o direito a exercer funções públicas, militares, religiosas, jurídicas e administrativas. Abaixo dos patrícios estava a clientela (singular: clientes), classe constituída por plebeus, escravos libertos, estrangeiros ou filhos ilegítimos que associavam-se aos patrícios prestando-lhes diversos serviços em troca de auxílio econômico e proteção social. Esta relação entre patrícios e a clientela baseava-se, principalmente, em conotações morais, ao invés de legais, uma vez que o clientes gozava da "confiança" (fides) de seus senhores. A clientela tinha, entre suas obrigações, o cultivo de parte das terras dos patrícios, bem como prestações de serviços militares. Quanto maior fosse o número de clientes sob proteção de um patrício, maior era seu prestígio social e político.
Os plebeus (de plebs, multidão) eram camponeses, pequenos agricultores, artesãos e comerciantes. No período monárquico, os plebeus não possuíam direitos políticos, embora estivessem sujeitos a cargas tributárias e a obrigações militares. Era proibido o casamento entre plebeus e patrícios para evitar a mistura de classes sociais. Na base da pirâmide social romana estavam os escravos que eram vencidos de guerra ou plebeus endividados. No caso dos plebeus, a escravidão podia ocorrer de duas formas. A primeira ocorria quando uma família empobrecida vendia os seus próprios filhos, na condição de escravos. A segunda era uma forma de pagamento de dívidas, ou seja, o devedor, impossibilitado de saldar suas dividas, podia se tornar escravo do credor. Eram vistos como instrumentos de trabalho, sendo considerados como propriedade de seu senhor, podendo ser vendidos, trocados, alugados ou castigados. Como escravo, a pessoa não detinha nenhum direito, como o de casar, deslocar-se de um lugar para outro, participar das assembleias e tomar decisões.
As mulheres romanas, as matronae, tinham direito de possuir propriedade, ser educadas e participar mais ativamente de atividades sociais, como os banquetes e campanhas eleitorais.
Considerando, portanto, que a fundação de Roma tenha ocorrido em meados do século VIII A.C. (753 AC) e que Roma, como capital única do império, tenha caído em 476 DC, quando passou a ser conhecido como Império Bizantino, governado a partir de Constantinopla (calma aos leitores, pois tudo isso será visto com muitos detalhes), costuma-se dizer que a civilização romana teve uma duração de doze séculos.

III – O REINO DE ROMA

Reino de Roma, como já vimos, é a expressão utilizada, convencionalmente, para definir o Estado monárquico romano desde a sua origem, em 21 de abril de 753 AC, até a queda da realeza, em 509 AC. A documentação desse período é precária e suas origens são imprecisas, mas parece claro que foi a primeira forma de governo da cidade, um dado que a arqueologia e a linguística parecem confirmar. Até mesmo os nomes dos reis são desconhecidos, citando-se apenas os reis lendários, apresentados nas obras já citadas da história romana, que chegaram até a atualidade, como Virgílio (Eneida), Tito Lívio (Ab Urbe condita libri), Plutarco e Dionísio de Halicarnasso, entre outros. Segundo eles, nos primeiros séculos da vida de Roma, em período monárquico, houve uma sucessão de sete reis e a cada um deles foi atribuída uma inovação para a formação das instituições romanas: Rômulo (753—717 AC) fundou a cidade e raptou as sabinas; Numa Pompílio (717—673 AC) criou as instituições religiosas, os sacerdotes e os ritos; Túlio Hostílio (673—642 AC) destruiu Alba Longa; Anco Márcio (640—616 AC) fundou a colônia de Óstia; Tarquínio Prisco (616—579 AC) realizou grandes trabalhos de construção em Roma; Sérvio Túlio (578—535 AC) dividiu a sociedade romana em classes censitárias; e Tarquínio, o Soberbo (534—509 AC) representou o típico tirano romano.
Durante esse período o rei (rex) acumulava as funções executiva, judicial e religiosa, embora seus poderes fossem limitados na área legislativa, já que o senado, ou "conselho de anciãos", tinha o direito de veto e sanção das leis apresentadas pelo rei. A ratificação dessas leis era feita pela assembleia ou cúria, composta de todos os cidadãos em idade militar (até 45 anos).
À época da fundação de Roma, os itálicos — predominantemente latinos (a oeste), sabinos (no vale superior do Tibre), úmbrios (no nordeste), samnitas (no sul), oscos e outros — partilhavam a península itálica com outros grandes grupos étnicos: os etruscos, ao norte, e os gregos, ao Sul. Crê-se, também, que Roma teria estado sob forte influência etrusca durante quase um século quando, na fase final da realeza, a partir do século VII AC, esteve sob controle de três reis etruscos.

III – 1 Instituições Políticas nos Primeiros Anos de Roma

O termo latino senatus é derivado de senex (os leitores hão de lembrar-se de “senil”?), que significa "homem velho". Portanto, Senado significa, literalmente, "conselho de anciãos". Sua origem possivelmente provém da estrutura tribal das comunidades do Lácio. Estas comunidades muitas vezes incluíam um conselho aristocrático (aristocracia: literalmente, poder dos melhores) de anciãos tribais, em geral, os pater das principais gentes. Com o tempo, os pater reconheceram a necessidade de um único líder e assim elegeram um rei romano (rex), investindo nele o seu poder soberano; ao morrer um rei, o poder revertia, naturalmente, aos pater que, durante este interregnum (período entre a morte de um rei e a posse do seguinte), indicavam um novo rex. O senado possuía três responsabilidades principais: era o repositório definitivo do poder executivo, atuava como conselheiro do rei e funcionava como um corpo legislativo em sintonia com o povo de Roma. Os senadores romanos reuniam-se em um templum ou qualquer outro local que havia sido consagrado por um funcionário religioso (áugure).
Durante os anos da monarquia, a mais importante função do senado era selecionar os novos reis. Quando um rei morria, um membro do senado (o interrex) indicava um candidato para substituir o rei. Após o senado dar sua aprovação inicial ao candidato, ele era, formalmente, eleito pelo povo e, em seguida, recebia a aprovação final do senado. Assim, apesar do rei ser oficialmente eleito pelo povo, efetivamente a decisão era do senado. O mais significativo papel do senado, além das eleições reais, era o de consultor do rei, ao qual, entretanto, ele não ficava limitado. Tecnicamente, o senado poderia fazer leis; entretanto, apenas o rei poderia decretar novas leis, embora envolvesse, muitas vezes, tanto o senado como a assembleia curial (assembleia popular) no processo. No entanto, o rei era livre para ignorar qualquer decisão que o senado tivesse aprovado.
Assembleias legislativas foram instituições do Reino de Roma e pelo menos duas delas são dignas de nota. A “assembleia curiata” (comitia curiata) foi a única assembleia popular com algum significado político durante o período do Reino de Roma e, embora tivesse alguns poderes legislativos, apenas ratificava, simbolicamente, decretos emitidos pelo rei romano, embora a sua rejeição não evitasse a sua promulgação. O rei presidia a assembleia e submetia decretos para a sua ratificação. Um interrex presidia a assembleia durante um interregnum. Após a seleção do novo rei e a aprovação inicial do senado ser concretizada, o interrex realizava a eleição formal antes da assembleia curiata. Nas Kalendae[1] (Calendas) e nos Nonae (Nonas), esta assembleia se reunia para ouvir anúncios. Apelações ouvidas pela curiata muitas vezes tratavam de questões relativas ao direito de família romano. Durante dois dias fixos na primavera, a assembleia era agendada para testemunhar vontades e adorações. Todas as outras reuniões não tinham datas pré-fixadas e eram realizadas conforme necessário. A assembleia também tinha jurisdição sobre a admissão de novas famílias para uma cúria (logo a seguir o seu conceito), a transferência de família entre duas cúrias, bem como a transferência de indivíduos plebeus para o estado patrício (ou vice-versa), ou a restauração da cidadania a um indivíduo. A assembleia geralmente decidia tais questões sob a presidência de um pontifex maximus (literalmente, o “maior construtor de pontes”; posteriormente utilizado como título papal).
A "assembleia calata" (comitia calata) foi a mais antiga assembleia romana e possuía atribuições puramente religiosas. Durante os anos do reino, todo o povo de Roma foi distribuído por um total de 30 (trinta) cúrias, as unidades básicas de divisão nas duas assembleias populares. Os membros de cada cúria votavam e a maioria determinava como a cúria votaria, antes da assembleia. Reunia-se no Capitólio (Monte Capitolino) e era convocada pelas assembleias curiata e/ou centuriata, com a função de empossar o rex sacrorum (sacerdote rei das coisas sagradas) ou qualquer flamen (sacerdote romano) ou vestal (sacerdotisa romana). Ocasionalmente o povo era convocado para as reuniões que tratavam, por exemplo, de situações onde um indivíduo renunciava às praticas religiosas de seu gens e adotava as práticas de seu novo gens.
(Segue com a PARTE 3)

[1] Os romanos tinham nomes especiais para três dias de cada mês:
· Kalendae – primeiro dia de cada mês, de onde se originou a palavra Calendário;
· Nonae – dependendo do mês, o seu 5º ou 7º dia, correspondendo ao quarto crescente;
· Idus – 13º ou 15º dia dependendo do mês, correspondendo ao dia de lua cheia.
A expressão “calendas gregas”, já existente ao tempo dos romanos, em latim, representa um dia que jamais chegará, pois inexistia no calendário grego. Dos idus é que provém a expressão “nos idos de setembro”, para representar uma data na segunda quinzena do mês.

domingo, 14 de abril de 2013

BREVE HISTÓRIA DO IMPÉRIO ROMANO - PARTE 1


I – INTRODUÇÃO

A ideia de escrever sobre o mundo da Roma antiga, surgiu como uma consequência das publicações que fiz sobre a história da Inglaterra, durante quatro séculos ocupada pelos romanos.
Embora no título geral dado à publicação, estejamos usando “Império Romano” como sinônimo de nação romana, isto não corresponde, totalmente, à verdade. A história de Roma passou por diferentes regimes políticos, nem sempre típicos das épocas em que aconteceram. No início da sua história, o povo de Roma foi governado por reis, seguido por uma República Romana e, finalmente, por um Império Romano. Mas foi durante esse Império que Roma atingiu o seu máximo esplendor como nação rica e a sua maior área territorial. Daí o título da nossa resenha.
Contar a história do mundo de Roma é trabalho hercúleo, tanto no que se refere à quantidade de trabalhos a ser pesquisada, como na qualidade das fontes. Muitos historiadores já dedicaram suas vidas a esse ministério e eu não acrescentaria nada a essa façanha. Por essa razão, nosso trabalho terá uma característica especial, qual seja, tentar mostrar o que foi o mundo de Roma, de uma maneira coerente, cronológica, que apresente as suas relações com os demais mundos que a cercavam à época e, sobretudo, de uma maneira simples e palatável pelos meus leitores e pelos que me venham buscar numa pesquisas futura, sem que tenham grandes problemas de entendimento da matéria.
Novamente, por se tratar de matéria muito volumosa, faremos a publicação em capítulos para que a leitura possa ser melhor digerida.

II – A FUNDAÇÃO DE ROMA

O Reino de Roma ou monarquia romana (em latim: Regnum Romanum), é a expressão utilizada, por convenção, para definir o Estado monárquico romano, desde a sua fundação, até a queda da realeza, em 509 AC. A República Romana (do latim res publica, "coisa pública"), por sua vez, é o termo utilizado, também por convenção, para definir o Estado romano e suas províncias, desde o fim do Reino de Roma em 509 AC (quando o último rei foi deposto), até o estabelecimento do Império Romano em 27 AC. Finalmente, o Império Romano (em latim: Imperium Romanum) foi um Estado que se desenvolveu a partir da península Itálica, durante o período pós-republicano da antiga civilização romana, caracterizado por uma forma autocrática[1] de governo e de grandes domínios territoriais na Europa e em torno do Mediterrâneo.
Durante a República Romana, muitas datas foram atribuídas à fundação da cidade, no intervalo entre 758 AC e 728 AC. Finalmente, no Império Romano, durante o governo de Augusto, a data sugerida por Marco Terêncio Varrão[2], 21 de abril de 753 AC, foi considerada a oficial, embora nos Fasti Capitolini[3] o ano adotado seja 752 AC. Embora o ano varie, todas as versões concordam que o dia é 21 de abril, data do festival de Pales, deusa do pastoreio. O calendário romano ab urbe condita (desde a fundação da cidade), porém, começa com a data de Varrão. De qualquer forma, embora a data exata seja desconhecida, há um consenso entre os historiadores de que Roma teria sido fundada no século VIII AC.
Entre a data convencional da Guerra de Troia (1182 AC) e a data aceita para a fundação de Roma (753 AC) há um intervalo de quatro séculos, razão pela qual os romanos, durante a República, criaram a lenda da dinastia dos reis de Alba Longa, de forma a preencher o vazio de 400 anos entre Eneias e Rômulo, de que ainda falaremos. Os vestígios arqueológicos, no entanto, demonstram que Lavínio, Alba Longa e Roma no seu início são contemporâneas.
Muito da história de Roma foi criado a partir de mitos, lendas, obras literárias e história de vultos romanos. O poeta romano Virgilio, em sua “Eneida” - que trata das aventuras de Eneias, semideus, herói e sobrevivente de Troia - e o historiador romano Tito Lívio encarregaram-se de imortalizar a lenda que narra a fundação de Roma. Segundo essa lenda, Roma foi fundada por Rômulo, cuja origem remonta à guerra de Troia. Quem leu a Ilíada, a Odisséia (ambas de Homero) e a Eneida, sabe bem do que estamos falando. Além disso, os romanos elaboraram um complexo conto mitológico sobre a origem da cidade e do estado, que se uniu à obra histórica de Tito Lívio e à obra poética de Virgilio e Ovídio, todos da era de Augusto. Naquela época, as lendas oriundas de textos mais antigos foram trabalhadas e fundidas num conto único, no qual o passado mítico foi interpretado em função dos interesses do império. Os modernos estudos históricos e arqueológicos, que se baseiam nestas e em outras fontes escritas, além de objetos e restos de construções obtidos em vários momentos das escavações, tentam reconstruir a realidade que existe no conto mítico, no qual se reconhecem alguns elementos de verdade.
Procurando simplificar ao máximo a vida dos nossos leitores, quanto aos antecedentes da fundação de Roma, quero apresentar uma breve nota sobre a Ilíada, de Homero e, posteriormente, sobre a Eneida, de Virgilio, com alguns mapas que, estou certo, serão bastante úteis como pondo de partida dessa verdadeira Odisseia, esta uma outra história.
O poema épico grego “Ilíada”, de provável autoria de Homero, descreve parte dos acontecimentos que marcaram a “Guerra de Tróia”, na verdade apenas cerca de dois meses do décimo e último ano do grande conflito travado entre aqueus (chamados de dânaos, por Homero) e troianos. A grande guerra teria sido deflagrada pelo sequestro de Helena, consorte de Menelau, rei de Esparta, por Paris, filho do rei troiano, Príamo. A Ilíada leva esse nome da palavra “Illion”, nome grego da lendária cidade de Tróia, em latim. Aqueus, na verdade fundadores do Império Helênico, são vistos como sinônimos de gregos, embora os troianos também pertencessem à civilização helênica. À época do conflito, não existia a Grécia, como hoje a conhecemos, mas sim uma espécie de confederação de cidades-estados, entre as quais podemos citar Esparta, Argos, Micenas e a própria Tróia, que viviam, mais ou menos, harmoniosamente entre si.
Localização de Troia no contexto geral
Ao fim e ao cabo, os gregos, liderados por Agamêmnon, rei de Micenas e irmão do rei ultrajado, usando o tão conhecido “Cavalo de Tróia”, venceram a guerra, causando a fuga dos poucos sobreviventes de Tróia.
No mapa apresentado ao lado, muito ilustrativo para tudo o que seguirá em nossa resenha, pode-se ver, claramente, a Grécia como é hoje, com suas inúmeras ilhas, fazendo fronteira com a Turquia, a leste. A Anatólia (ou Península Anatoliana) é a região do estremo oeste da Ásia, que corresponde, hoje, à porção asiática da Turquia, em oposição à sua porção europeia, a Trácia. Pois bem, a lendária Troia estaria localizada na região mais ocidental da Anatólia, faceando o mar de Mármara e o mar Egeu, conforme se pode ver no mapa seguinte, em escala maior.
Localização de Troia no detalhe
Entre os sobreviventes que fugiram de Tróia, encontrava-se um de seus maiores heróis, Eneias, filho da deusa Vênus, com seu pai Anquises e seu filho pequeno Ascânio; sua mulher Creúsa, filha do rei de Troia, Príamo, desparece na fuga enquanto deixam a cidade. Segundo a “Eneida” (sobre Eneias), de Virgilio e a “Ad Urbe Condita Libri” (Livros da Fundação da Cidade), de Tito Livio, as aventuras de Eneias se iniciam quando, fugindo de Troia, ruma à Itália – que, naquele tempo, nada tinha de Itália, vista como um país – comandado e desmandado por vários “deuses” que, em absoluto, se entendem. Assim, em suas peripécias, Eneias aporta inicialmente em Cartago (no mapa que segue, verificar Cartago na rota de Eneias de Troia para a Itália), onde torna-se hóspede da rainha Dido, a quem narra suas aventuras em Tróia e que acaba se apaixonando e suicidando por ele, quando parte para o Lácio, por ordem de Júpiter.
Posição de Cartago - norte da África
O Lácio (em latim “Latium”) é uma região da Itália Central (ver nos mapas que seguem) que tem Roma como capital e que remete aos latinos, povo do qual os romanos descendem e cujo idioma, o latim, tornou-se a língua formal do Império Romano e foi difundida amplamente entre os territórios que dominou. No Lácio, Eneias é amavelmente recebido pelo Rei Latino e acaba casando-se com sua filha Lavínia e fundando a cidade de Lavinio (Lavinium), hoje Pratica di Mare, muito próxima de Roma, onde reina por três anos, desparecendo do reino dos mortais e recebendo honras de imortal.
A região do Lácio na Itália
Região do Lácio no detalhe
Cerca de trinta anos após, seu filho Ascânio, de Creúsa, sua primeira mulher, funda a cidade de Alba Longa, às margens do então rio Alba cujo nome mudaria posteriormente para o famoso rio Tibre, que flui através de Roma. Sobre Alba Longa reinariam seus descendentes. Cerca de 400 anos depois, o filho e legítimo herdeiro do décimo-segundo rei de Alba, Numitor, é deposto pelo irmão Amúlio. Temeroso de perder o trono para os descendentes de Numitor, Amúlio mata seu sobrinho Lauso e obriga sua sobrinha, Reia Sílvia, à virgindade perpétua, tornando-a Vestal (sacerdotisa virgem, consagrada à deusa Vesta). No entanto, ela é fecundada e justifica sua falta dizendo ter sido seduzida pelo deus Marte (deus romano da guerra) e dá à luz os gêmeos Rômulo e Remo. Amúlio prende Reia Sívia e manda um servo executar os gêmeos; este condoendo-se da sorte das crianças, deposita ambos em um cesto que abandona no rio Tibre. Conta a lenda que uma loba, que recém perdera seus filhotes, os tira da água, amamenta e cria; algum tempo depois, ao passar pelo local, um pastor de nome Fáustulo os encontra e leva para casa, onde sua mulher, Aca Laurência, os cria. Alguns historiadores romanos detiveram-se nesse episódio, pelo menos, para tentar explicar detalhes mais improváveis, reinterpretando a loba que teria salvo os gêmeos. Os romanos designavam pela mesma palavra “lupa”, a fêmea do lobo e a prostituta. Baseado nisso, tais historiadores afirmam que, na realidade, a ama dos gêmeos teria sido Aca Laurência, mulher do pastor Fáustulo, que exercia o ofício de prostituta. A fantástica lenda do animal que os socorre teria surgido, portanto, da ambiguidade da palavra lupa.
Rômulo e Remo com a loba
Fato é, que Rômulo e Remo cresceram na cabana de seus pais adotivos em companhia de pastores com os quais caçavam e atacavam salteadores para roubar-lhes os espólios. Acusado de roubo, Remo é capturado e levado à presença do rei Amúlio. Fáustulo resolve então contar a Rômulo da sua origem. Rômulo vai até Alba Longa, liberta seu irmão, mata Amúlio, devolve o trono a seu avô Numitor e, à sua mãe, as honras devidas.
Sem futuro em Alba Longa, os gêmeos decidem fundar uma nova cidade no local onde haviam sido abandonados. Como resultado de uma discussão sobre a localização da nova cidade – sobre duas das sete colinas de Roma, o Palatino e o Aventino -, Remo acaba sendo morto por Rômulo que, dono da nova cidade, a batiza com seu nome, Roma, primitivamente rodeada por sete colinas: Capitólio, Quirinale, Viminale, Esquilino, Célio, Aventino e Palatino. Algumas descobertas arqueológicas, relativamente recentes, comprovam muitas das lendas antigas relacionadas à fundação, localização e época da fundação de Roma.
(Segue com a PARTE 2)

[1] Autocracia significa, literalmente, a partir dos radicais gregos autos (por si próprio) e kratos (poder), poder por si próprio. É uma forma de governo em que há um só detentor do poder: um líder, um comitê, uma assembleia. O governante tem controle absoluto em todos os níveis de governo sem o consentimento dos governados. As monarquias nem sempre são autocratas. As monarquias absolutistas, sim, se enquadram na classificação de regime político autocrático, pois o monarca absoluto é o único detentor do poder, fugindo ao controle de qualquer outro órgão; além disso, nessas também não há participação popular nas decisões, outra característica da autocracia.
[2] Marco Terrêncio Varrão (116 AC – 27 AC) foi filósofo e enciclopedista romano de expressão latina, nascido em Rieti, Itália, tendo estudado em Roma.
[3] Fasti Capitolini Consulares et Triumphales é uma inscrição no Arco de Augusto, no Fórum Romano, listando todos os cônsules romanos entre 483 AC e 19 DC e todos os generais que receberam um triunfo entre 753 AC e 19 DC. Encontra-se atualmente em exibição nos Museus Capitolinos, em Roma.