Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 7)

A ERA DOS TUDORS – 1485 A 1603

HENRY VII (1485 – 1509)
Henry VII, fim das Guerras das Rosas

Henry VII, filho de Edmund Tudor e Margaret Beaufort, nasceu em 1457, em Pembroke, País de Gales, num país dividido pelo conflito. Seu pai havia morrido dois meses antes e sua mãe, Margaret Beaufort, tinha apenas treze anos de idade. Casou-se com Elizabeth de York em 1486, unindo as duas casas, de Lancaster e York e terminando com as Guerras das Rosas dentro da linha Tudor e eliminando as futuras discórdias na sucessão. Ela deu-lhe quatro filhos: Arthur, Henry, Margaret e Mary.
Isto porque Henry VII pertencia a um ramo da família real Plantagenet, a Casa de Lancaster. Sua mãe Margaret era descendente de Edward III, o que deu a Henry um direito real, embora tênue, de reivindicar o trono. Ele adotou a rosa vermelha Tudor no emblema da Inglaterra, combinando-a com a rosa branca York, assim simbolizando o fim da dinástica Guerra.
O domínio de Henry VII sobre o poder estava longe de seguro, mas desde o início de seu reinado ele estava determinado a trazer ordem à Inglaterra após 85 anos de guerra civil. Ele consolidou sua posição através de um tratado com a França que abriu o comércio entre os dois países. Seu mais importante tratado foi o “Magnus Intercursus” ou “Great Intercourse” (Grande Relação), assinado com a Holanda, assegurando as exportações dos têxteis da Inglaterra. Henry encorajou os negócios e comércio através do subsídio da construção de navios e dos lucrativos acordos de comércio, assim aumentando a riqueza da Coroa e da Nação.
A perspicácia política de Henry VII foi também evidente no tratamento das relações externas. Conseguiu tirar a Espanha da França, através do casamento do seu filho mais velho, Arthur, com Catarina de Aragão, filha de Ferdinando e Isabela (reis da Espanha), em 1501. Infelizmente, Arthur Tudor morreu, subitamente, em 1502, com 15 anos de idade, deixando Catarina viúva e seu irmão, Henry, como o novo herdeiro do trono.
Em 1503 Henry VII arranjou o casamento de sua filha, Margaret Tudor, com James IV da Escócia, a fim de garantir a paz entre os dois países. Com isso, os descendentes de James IV poderiam reivindicar o trono inglês, levando os Stuart novamente ao trono, após a extinção da dinastia Tudor, um risco que Henry VII estava disposto a correr.
Henry reconstruiu as finanças reais evitando as guerras, promovendo o comércio e reforçando os impostos reais, ao ponto do exagero, principalmente sobre a nobreza, resultando na enorme fortuna que deixou ao seu filho, o futuro Henry VIII. Iniciou o trabalho de construir uma administração moderna, criando o Comitê do Conselho Privado (nomeado para aconselhar o rei ou a rainha), um precursor do gabinete moderno que foi estabelecido para tratar mesmo com questões judiciais. Arranjos foram também realizados para promover melhor ordem no País de Gales e no norte, através da criação de conselhos especiais e poder adicional aos juízes da paz.
O impacto combinado das reformas de Henry VII aumentaria, significativamente, a força do rei e abriria o caminho para o governo medieval, com suas leis e costumes locais a serem gradualmente suplantados por um estado Tudor mais centralizado.
Henry VII morreu de tuberculose em 21 de abril de 1509, depois de reinar por 24 anos, e foi enterrado na Abadia de Westminster. Deixou um trono seguro, um governo solvente e um país próspero e razoavelmente unido. Foi sucedido por seu segundo filho, Henry VIII.

HENRY VIII (1509 – 1547)
Henry VIII, o rei das seis esposas

A pacífica sucessão de pai para filho esteve em marcado contraste com a turbulência da manutenção do poder por Henry VII ao final das “Guerras das Rosas”. Contudo, o reinado de Henry VIII, foi um dos mais conturbados da história da Inglaterra – e do mundo –, razão pela qual merecerá uma especial atenção de nossa parte.
Henry VIII, nascido em 1491, foi o segundo filho de Henry VII e Elizabeth de York. Chegou ao trono com a idade de 17 anos e consta que fosse inteligente, atlético e culto. O significado do reinado de Henry VIII é, algumas vezes, empanado por seus seis casamentos e tocar logo no assunto, vai permitir que nos fixemos mais profundamente nos principais temas do seu reinado.
Dois meses após tornar-se rei, Henry VIII casou-se com a viúva espanhola de seu irmão Arthur, Catarina de Aragão, in 1509, divorciando-se dela em 1533. Pelo fato de Catarina ser sua cunhada, fora necessário uma licença papal para validar tal casamento, que gerou uma filha, Mary. Em seguida, Henry casou com a grávida Anne Boleyn, em 1533, executada por infidelidade em maio de 1536, que deu-lhe outra filha, Elizabeth. A seguir, casou-se com Jane Seymour, ao final do mesmo mês, que morreu ao dar à luz Edward, único filho homem de Henry, em outubro de 1536. No início de 1540, Henry arranjou um casamento com Anne de Cleves, após ver um lindo retrato da princesa alemã; em pessoa, Henry achou-a inculta e o casamento nunca foi consumado. Em julho de 1540 ele desposou a adúltera Catherine Howard, executada por infidelidade em março de 1542. Catherine Parr tornou-se sua esposa em 1543, atendendo às necessidades de Henry e seus filhos até a sua morte, em 1547. De fato, apenas fundando a sua própria igreja, Henry VIII conseguiria resolver tais questões.
Catarina de Aragão, primeira
esposa de Henry VIII 
A vida da corte iniciada por seu pai, evoluiu para um alicerce do governo Tudor no reinado de Henry VIII. Após o governo firme e impassível de seu pai, o jovem, energético e vistoso rei, evitou reinar como pessoa, preferindo viajar ao interior, para a caça e a inspeção dos seus súditos. As questões de estado foram deixadas em outras mãos, principalmente nas de Thomas Wolsey, Arcebispo de York. Wolsey virtualmente governou a Inglaterra até que falhou em garantir a anulação papal que Henry VIII precisava para casar com Anne Boleyn, em 1533; muito capaz como lorde chanceler, assim que perdeu a confiança do rei, perdeu também o seu poder.
O início do reinado de Henry viu o jovem rei invadir a França contra o rei francês Louis XII, derrotar as forças escocesas na batalha de Foldden Field (em que James IV da Escócia foi assassinado) e escrever um tratado – “Assertio Septem Sacramentorum” (Defesa dos Sete Sacramentos) – denunciando os ideais reformistas de Martin Luther (Martinho Lutero), por isso merecendo do Papa, o título de “Defensor da Fé”, prova de que não era um protestante.
Anne Boleyn, esposa 2
A década de 1530 testemunhou o crescente envolvimento de Henry no governo, bem como uma série de eventos que muito alteraram a Inglaterra e toda a cristandade occidental: a separação da Igreja da Inglaterra do Catolicismo Romano. A desculpa foi a obsessão de Henry em produzir um herdeiro homem para manter a legitimidade dinástica, dado que Catarina de Aragão havia falhado em tal: como se ela não pudesse dar-lhe ainda o herdeiro, como se casando com Anne Boleyne tivesse garantias de que teria um herdeiro e, finalmente, como se precisasse de seis esposas para tal. Wolsey tentou, de todas as formas, obter uma anulação legal do Papa Clement VII, mas Clement era devedor a Charles V, Santo Imperador Romano e sobrinho de Catarina. Em represália, Henry convocou o Parlamento da Reforma, que passou 137 leis em sete anos, exercendo uma influência jamais conhecida de parlamentos feudais em assuntos políticos e eclesiásticos.
Jane Seymour, esposa 3
Em 1534 o Ato de Supremacia confirmou Henry VIII como chefe da Igreja da Inglaterra, separando-a da Igreja Católica Romana e servindo de enorme encorajamento aos protestantes ingleses. Como Chefe Supremo da Igreja Inglesa, Henry VIII realizou leves alterações nos rituais do culto, ao invés de uma indiscriminada reforma do dogma religioso. A Inglaterra entrou numa era de “submissão de mente” com a nova supremacia real.
Em julho de 1535, Sir Thomas More, sábio humanista e autor de 'Utopia', foi culpado de traição por se recusar a jurar o “Ato de Sucessão”, que fazia Elizabeth, a filha de Anne Boleyn, herdeira do trono, porque o seu prefácio debilitava a autoridade do Papa. More encontrava-se em crescente desacordo com a postura de Henry VIII em relação a Roma, a ponto de solicitar a sua renúncia como chanceler; recusou-se a pedir clemência e sua execução foi um dos mais famigerados atos da Reforma.
Thomas More, autor da Utopia
Em 1536 todos os funcionários eclesiásticos e do governo foram obrigados a aprovar, publicamente, o rompimento com Roma e fazer um juramento de lealdade. Como chefe supremo da Igreja, Henry VIII iniciou o confisco da propriedade monástica, acabando por eliminar todas as casas religiosas da Inglaterra e Gales. Dez mil monges, frades, freiras e seus servos tornaram-se desabrigados. Muito da propriedade foi vendida, a maioria para a pequena nobreza. O impacto social e cultural foi significativo, particularmente porque os monastérios se haviam tornado responsáveis pelo sustento dos pobres. Muitas igrejas paroquiais foram despojadas de ornamentos e os templos locais foram postos fora da lei.
O resto do reinado de Henry VIII foi decadente. Anne Boleyn durou apenas três anos antes de sua execução; foi substituída por Jane Seymour que acalmou o problema dinástico de Henry, com o nascimento de Edward VI. As facções reformistas ganharam a confiança do rei, beneficiando-se da dissolução dos monastérios, visto que as terras e rendas reverteram para a Coroa ou para a nobreza. O pessoal real prosseguiu em sua ascensão de status iniciada com Henry VII, acabando por rivalizar com o poder da nobreza. Dois homens, em particular, tornaram-se proeminentes nos últimos estágios do reinado de Henry: Thomas Cromwell e Thomas Cranmer. O primeiro, administrador eficiente, sucedeu a Wolsey como lorde chanceler, criando novos departamentos de governo para os vários tipos de receitas e estabelecendo como deveres das paróquias, o registro de nascimentos, batismos, casamentos e falecimentos. Cranmer, arcebispo de Canterbury cuidou das mudanças na política eclesiástica e supervisionou a dissolução dos monastérios.
Algumas das inovações introduzidas por Henry VII e continuadas por Henry VIII, conjugadas com o rompimento com Roma e o aumento da burocracia governamental, conduziram à supremacia real que duraria até a execução de Charles I e ao estabelecimento do “Commonwealth” (Comunidade Britânica), cem anos após a sua morte.
Henry sofreu um acidente durante um combate, em 1536, com sérias complicações posteriores que o obrigaram a mudar seus hábitos pessoais, tornando-se obeso até a sua morte, em 1547, com a idade de 55 anos, no palácio de Whitehall. Morreu após ter pronunciado suas últimas palavras: "Monges! Monges! Monges!", talvez em referência aos monges despejados durante a dissolução dos monastérios. Henry VIII foi enterrado na Capela de St George, Castelo de Windsor, ao lado de Jane Seymour.
Antes de prosseguir com a sucessão de Henry VIII, na figura de seu filho Edward, de 9 anos, não podemos perder a oportunidade de apreciar, com um pouco mais de profundidade, um evento internacional da mais alta relevância, acorrido durante o reinado deste monarca inglês: a Reforma
A Reforma é uma daquelas coisas que todos ouvem, mas poucos realmente entendem. O clímax de séculos de Católica corrupção ou apenas o acaso? A consequência de um vácuo de poder na Europa ou um grande debate teológico? Um desafio razoável para um filho e herdeiro ou o resultado da natureza luxuriosa de Henry VIII?
Na verdade, foi uma consequência de todas essas razões; não haveria mistério se fosse apenas por uma delas, todas foram necessárias para a Reforma Inglesa acontecer, numa cadeia de eventos que iria, ao final, alterar a Inglaterra e a vida inglesa para sempre.
A história realmente começa cerca de 100 anos antes, quando o Papado começou a colher os efeitos de séculos de concessões; diga-se de passagem, justificável, visto o crescimento inimaginável da Igreja Católica Romana e do seu corpo eclesiástico, com consequente aumento de poder. O Grande Cisma (como já apontado em nossa publicação sobre o Império Romano) viu dois e até três indivíduos reivindicando o Papado; o Concílio de Pisa, em 1409, assistiu a uma luta de poder entre o Papa e os seus Bispos; finalmente, o Concílio de Constança, entre 1414 e 1418 encerrou a questão, unificando novamente a Igreja, não sem deixar cicatrizes. Combinados, esses acontecimentos complicaram o comando Papal, prejudicando a reputação da Igreja aos olhos dos leigos.
Na Inglaterra, como já apontado, o mesmo período viu John Wyclif, um acadêmico de Oxford, prever os argumentos de Martin Luther, que viriam um século depois, produzindo a primeira bíblia inglesa. Piers Plowman, um popular poeta satírico, atacava os abusos da Igreja, do padre ao Papa. Os seguidores de Wyclif, os Lollards, derrotados em sua rebelião de 1414, permaneceram como uma minoria perseguida por outros cem anos.
Assim, o anticlericalismo europeu não era algo novo; na verdade, como sabemos, fervia desde o início do clero. O que era novo, nessa época, foi o subproduto do nascente capitalismo: riqueza, urbanização e educação. Embora ainda uma minoria, os leigos mais cultos não ficaram confinados aos que faziam parte do jogo e tornavam-se mais educados do que muitos padres que clamavam ser o caminho da salvação.
A crítica aprimorou-se, em casa e no exterior, pelos Humanistas. Liderados por Colet, More e Erasmus, eles retornaram às origens, estudando as escrituras como fariam com qualquer texto clássico. Contudo, permaneceram católicos, atacando a corrupção, mas defensores de uma reforma interna, realçando a tolerância e a dignidade inerente ao homem. Foi um clérigo alemão abatido, Martin Luther, que acendeu o estopim, a partir de 1516, da primeira Reforma Europeia.
Martin Luther, figura central
da Reforma Protestante
Sem obter conforto do ritual católico e horrorizado pelos abusos na Itália, Lutero concluiu que a salvação da alma era uma questão pessoal entre Deus e o homem: o tradicional cerimonial da Igreja era irrelevante, no mínimo, e a venda de indulgências, como exemplo do pior, era fraudulenta. Expondo suas 95 Teses em uma porta de igreja de Wittenberg, Alemanha, ele induziu um debate teológico maciço, sendo condenado como herético e posto fora da lei.
Pode parecer que foi uma das grandes ironias da história, o fato de Henry VIII ter publicamente refutado as ideias de Lutero, sendo por isso agraciado pelo Papa com o título de “Fidei Defensor” (Defensor da Fé), em 1521. Mas não foi, porque o rei não era, então, adepto da Reforma e nunca foi; na verdade seus interesses foram pessoais, na ora propícia.
Era tarde demais para se opor às ideias de Lutero, muito claras e que se espalharam rapidamente, atingindo a Inglaterra, onde foram discutidas por acadêmicos, entre eles o Grupo White Horse, nome tirado de um popular “pub”(1) de Cambridge, onde os estudiosos se reuniam para beber e consertar o mundo. Assim, a Inglaterra, em meados da década de 1520, ouvia murmúrios de laico descontentamento, que permaneceram e cresceram dramaticamente, como resultado das tentativas de Henry VIII para conseguir seu divórcio de Catarina de Aragão. O Catolicismo cuidava de necessidades muito importantes e desfrutava, em geral, de apoio popular. Embora os murmúrios apontassem a Europa como vanguarda, a mesma situação existia na França, embora permanecesse católica. A diferença é que a França não teve um “Defensor da Fé”, ela não teve um Henry VIII que muito desejou a sua própria igreja, que lhe garantisse o divórcio tão almejado. Desde 1509, o homem do renascimento inglês só não teve uma coisa em sua vida: um filho homem! Catarina de Aragão lhe deu seis crianças, mas apenas uma filha mulher sobreviveu, Mary. Henry se convencera de que Deus o punia por ter casado com a esposa de seu irmão mais velho morto, Arthur. Além disso, Henry havia se apaixonado por Anne Boleyn, filha de um comerciante londrino bem relacionado cuja família ele conhecia bem: sua irmã havia sido uma cortesã. Pouca beleza, mas muita esperteza, Anne insistiu que seria rainha ou nada. Henry era apaixonado, mas era também casado. Foi sua busca por uma solução, que disparou o gatilho do rompimento com Roma.
Papa Clamente VII
Em 1527 ele pediu o divórcio ao Papa Clement VII, em termos da Escritura. Infelizmente para ambos, Roma estava cercada pelo Imperador Charles V de Espanha, sobrinho de Catarina que, obviamente, não era simpático à solicitação de Henry, o que fez com que o Papa também não fosse. Henry teria que encontrar uma outra forma ...
Foi Thomas Cranmer, do Grupo White Horse (não por acaso) que, em 1530, sugeriu uma abordagem legal. A Collectanea(2)  sustentava que os Reis da Inglaterra desfrutavam de poder imperial, similar ao dos primeiros imperadores romanos cristãos, significando que a jurisdição do Papa era ilegal. Se Henry quisesse o divórcio, ele poderia tê-lo desde que William Warham, o arcebispo de Canterbury, concordasse; mas Warham não concordou.
Henry aplicou pressão, acusando o clero com a Praemunire(3) , o exercício ilegal da jurisdição espiritual. Em 1532 o clero havia capitulado e no ano seguinte uma nova lei afirmou a independência judicial da Inglaterra. Nesse momento tudo era urgente: Anne estava grávida e Henry tinha que casar para legitimar a criança. Felizmente Warham havia recém morrido; Henry substituiu-o por Cranmer e, em dois meses, o divórcio aconteceu.
A Lei da Supremacia, de 1534, confirmou o rompimento com Roma, declarando Henry o Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra. Mas a Reforma estava longe de encerrada. A protestante Anne Boleyn tinha a motivação, a força, a inteligência e os meios para empurrar a Reforma tão longe quanto ela iria: Cranmer e Cromwell. No estado Tudor, Cranmer era o pensamento e Cromwell a polícia, combinando o gênio gerencial com a impiedade maquiavélica. Os anos até 1540 viram seus grupos de ataque viajar pelo país avaliando as posses da Igreja: assim que ele soube o quanto tomar, tomou! A dissolução dos monastérios foi até 1540, dois terços de toda a terra foi vendida aos leigos e o dinheiro dissipado em guerras fúteis contra a França. A destruição de tesouros eclesiásticos sem preço foi, possivelmente, o maior ato de vandalismo na história inglesa, mas também um ato de gênio político que criou um interesse de posse na Reforma: todos aqueles que agora possuíam terras monásticas, jamais abraçariam um retorno ao catolicismo!
Como uma ratificação do fato de que Henry VIII nunca foi um protestante, o prosseguimento da Reforma foi então interrompido pelo “Ato dos Seis Artigos”(4) , em 1539 e, em seguida à súbita queda de Cromwell, no ano seguinte, a corte balançou entre religiosos conservadores e reformadores radicais, com a Reforma atolada na lama, enquanto na surdina, Edward, o jovem filho de Henry, nascido de Jane Seymour (a esposa número três), era educado por protestantes. Quando tornou-se rei, em 1547, com apenas dez anos de idade, seus dois regentes aceleraram a Reforma, consideravelmente: o Ato de 1539 foi revogado, os padres foram autorizados a casar – criando mais um interesse disfarçado - e mais terra foi confiscada; altares e relicários foram removidos de igrejas e os vitrais quebrados.
Embora ainda não definitivamente sacramentada na Inglaterra, nesta época, a Reforma havia lançado as suas bases por todo o mundo. E por que a Reforma foi tão importante, principalmente na Inglaterra? Porque embora tendo ocorrido há um longo tempo atrás, ela estabeleceu nas mentes dos ingleses, a imagem de uma ilha-nação, separada e suprema, que ainda ressoa hoje. A política inglesa tronou-se incrivelmente repressiva na Irlanda, causando a opressão, por parte de proprietários de terras protestantes, de cidadãos que resistiram à conversão. Essa herança, que ainda vigora, e a permanente percepção de anti-catolicismo permaneceu suficientemente potente para tornar-se a causa de uma guerra civil um século mais tarde.


(1) Um “pub”, formalmente “public house” (uma casa aberta ao public, em oposição a uma casa particular), é um estabelecimento que vende bebidas alcoólicas, fundamental na cultura de países como Grã Bretanha, Irlanda, Austrália, Canadá, África do Sul e Nova Zelândia. Em muitos locais, especialmente em pequenas comunidades, um “pub” é o ponto focal da comunidade, sendo descrito como “o coração da Inglaterra”.
(2) A “Collectanea satis copiosa” (Coleção Suficientemente Abundante), de 1530, era uma coleção de documentos históricos compilados por Thomas Cranmer e Edward Foxe, criada para provar que reis da Inglaterra, historicamente, não possuíam superiores na Terra (incluindo o Papa). A Collectanea continha “evidência” da Supremacia Real, a partir de trabalhos de Bede, William de Malmesbury, Geoffrey of Monmouth e leis anglo-saxônicas.
(3) Na história inglesa, Praemunire ou Praemunire facias foi uma lei criada durante o reinado de Richard II, que proibia a asserção ou manutenção da jurisdição papal, imperial ou estrangeira, ou alguma outra jurisdição estrangeira ou reivindicação de supremacia na Inglaterra, contra a supremacia do rei. Essa lei foi reforçada pelo Édito de “Praemunire facias”, um édito de intimação, do qual a lei toma o seu nome. O nome Praemunire pode denotar a lei, o édito ou a ofensa. Foi apenas uma das várias medidas para restringir a Santa Sé e todas as formas de autoridade Papal na Inglaterra. Sua importância decaiu durante muito tempo, oportunamente ressurgindo sob Henry VIII.
(4) O ato, passado pelo Parlamento, permaneceu como política de Henry até a sua morte, sempre condenado pelos protestantes. Uma forma abreviada dos seis artigos, diria o seguinte: O primeiro traduzia a doutrina da transubstanciação; o segundo estabelecia a não necessariedade da comunhão entre o vinho e o pão (sangue e corpo de Jesus Cristo); o terceiro proibia o casamento dos padres; o quarto artigo estabelecia que os votos de castidade ou de viuvez, de homens e mulheres, deveria ser observado; o quinto dizia que as missas privadas eram permitidas; finalmente, o sexto estabelecia a necessidade da confissão auricular.

Prossegue na PARTE 8

domingo, 15 de dezembro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 6)

HENRY V (1413 - 1422)
Henry V, o rei guerreiro

Henry V, o mais velho filho de Henry IV e Mary Bohun, nasceu em 1387. Seu único filho, o futuro Henry VI, nasceu em 1421. Henry era um consumado soldado: à idade de catorze anos ele lutou contra as forças galesas de Owain Glyn Dwr; com dezesseis ele comandou as forças de seu pai na batalha de Shrewsbury; e logo após sua ascensão ele eliminou um importante levante Lollard(1) e uma trama de assassinato por nobres ainda leais a Richard II. Propôs casamento a Catherine em 1415, exigindo as antigas terras dos Plantagenet, na Normandia, e Anjou como seu dote. Charles VI recusou e Henry declarou Guerra, abrindo um novo capítulo na Guerra dos Cem Anos. A guerra contra a França serviu a dois objetivos: ganhar terras perdidas em outras batalhas e manter o foco afastado de qualquer das ambições reais de seus primos. Detentor de uma hábil mente militar, Henry derrotou os franceses na batalha de Agincourt em outubro de 1415 e em 1419 havia capturado a Normandia, Picardy e grande parte do baluarte Capetiano de Ile-de-France.
Em 1420 Inglaterra e França assinaram o tratado de Troyes, pelo qual Charles VI não somente aceitou Henry V como seu genro, mas deu-lhe e a seu filho, Henry, a herança da coroa francesa, deserdando o Delfin de França, seu filho. Se Henry tivesse vivido mais dois meses, teria sido rei da Inglaterra e da França; contudo, envelhecido prematuramente pela vida dura de soldado, morreu subitamente em 1422, longe da Inglaterra, deixando seu único filho Henry, com menos de um ano de idade e sem saber, agora rei de Inglaterra e França sob os termos do Tratado de Troyes. A Inglaterra foi governada por um Conselho de Regência e na França, o tio do rei, John, Duque de Bedford, gradualmente estendeu o controle inglês.

HENRY VI (1422 – 1461; 1470 - 1471)
Henry VI, rei da Inglaterra
e França

Henry VI foi o único filho de Henry V e Catherina de Valois, nascido em 6 de dezembro de 1421, no Castelo de Windsor(2). Tinha apenas nove meses quando sucedeu a seu pai, Henry V, após morte prematura; era, de nome, rei da Inglaterra e França, mas um Protetor governou cada reino. Foi coroado rei em 1429 (com oito anos), mas um conselho de regência governou a Inglaterra até que tivesse idade suficiente, em 1437. Casou-se com Margaret d’Anjou em 1445, gerando a união um filho, Edward, morto em batalha um dia antes da execução de Henry.
As hostilidades na França continuavam, até que os ventos sopraram para os franceses, em 1428, com o surgimento de Joana d’Arc(3), a garota de 17 anos de idade, vital no resgate do Delfin Charles, em 1429, logo coroado em Rheims como Charles VII. Independente disso, Henry VI foi coroado rei da França, em Paris, em dezembro de 1431, já que o local tradicional de coroações francesas, Rheims, havia sido recapturada por Joana d’Arc no ano anterior, mesmo ano em que ela foi queimada na estaca, como herética, numa manobra francamente política.
Castelo de Windsor, residência de vários reis ingleses
Henry foi um homem piedoso, com esporádico interesse no governo, que escolheu os conselheiros errados e que não pode prever as lutas pelo poder que iniciaram na corte. Ao mesmo tempo, era muito difícil manter a dupla monarquia; os sucessos do Delfin e de Joana d’Arc começaram a enfraquecer o domínio inglês sobre as possessões francesas: a Brittany foi perdida em 1449, a Normandia em 1450 e a Gasconha em 1453, concluindo a Guerra dos Cem Anos e contribuindo fortemente para a erosão do prestígio e autoridade de Henry, que perdera todas as suas reivindicações em solo francês, com exceção de Calais.
Joana d'Arc, a donzela de Orleans
Além de tudo, as “Guerras das Rosas”, entre as facções Lancaster e York, realmente deflagraram durante o reinado de Henry VI que teve, em 1453, um ataque da doença mental hereditária que flagelou a francesa “Casa de Valois”; Richard, duque de York, foi feito protetor do reino durante a doença. Margaret, a obstinada esposa de Henry, alienou Richard durante a sua recuperação e aquele respondeu atacando e derrotando as forças da rainha em St. Albans, em 1455. Em 1460 Richard capturou o rei e forçou-o a reconhece-lo como herdeiro da Coroa. Henry conseguiu escapar e juntou-se às forças Lancastrianas que mataram Richard de York, na batalha de Wakefield, em 1460. Edward e seu irmão Richard (o futuro Richard III), filhos de Richard, encamparam a luta, derrotando os Lancastrianos em Towton, Yorkshire, na maior batalha das “Guerras das Rosas” travada até então, em 1461; finda a batalha, Edward coroou-se como Edward IV. Henry e Margaret fugiram para o exílio na Escócia, retornando e sendo capturados por Edward, em 1465, sendo aprisionados na Torre de Londres até 1470.
O duque de Warwick – previamente um aliado de Edward – então mudou de lado e, brevemente, recolocou Henry no trono, em 1470. Entretanto, assim que conseguindo recompor suas forças, Edward retornou do exílio e destruiu as forças Lancastrianas em Tewkesbury, em 1471. Nessa batalha, o único filho de Henry VI e Margaret, foi morto. Henry, o último rei Lancastriano, retornou à prisão na Torre e foi assassinado no dia seguinte. Todo o reinado de Henry VI esteve envolvido com a retenção das duas coroas e, ao final, ele acabou sem qualquer delas.

EDWARD IV (1461–1470; 1471-1483)
Edward IV, rei duas vezes

Edward, nascido em 28 de abril de 1442 em Rouen, França, filho de Richard Plantagenet, duque de York(4), foi rei da Inglaterra por duas vezes, vencendo uma luta contra os Lancastrianos para estabelecer a Casa de York no trono inglês, com o apoio do poderoso duque de Warwick, conhecido como o “Fazedor de Reis”, que depois o traiu e foi por ele morto.
A segunda parte do reinado de Edward, de 1471 a 1483, foi um período de relativa paz e segurança. Usou recursos dos Estados da Coroa para pagar custos do governo e com isso necessitou menos de concessões parlamentares do que seus predecessores – convocou o Parlamente em apenas seis ocasiões. Acordos comerciais, a paz externa e a ordem interna, revigoraram o comércio, beneficiando as obrigações alfandegárias e outras receitas. Conselhos foram estabelecidos nas fronteiras do País de Gales e ao norte.
Foi nessa época que William Caxton, anteriormente um chefe de mercadores aventureiros em Flandres, publicou o primeiro livro impresso na Inglaterra: 'Dictes and Sayings of the Philosophres' (Ditos e Declarações dos Filósofos). Ele havia estabelecido sua prensa em Westminster após retornar de Bruges, em 1476. Posteriormente ele publicou alguns trabalhos dos poetas do século XIV, Geoffrey Chaucer e John Gower, além da literatura de cavalaria que incluiu o célebre “Morte de Arthur”, do seu contemporâneo, Sir Thomas Malory (1405-1471).
Edward IV morreu, subitamente, em 9 de abril de 1483, e seu filho de 12 anos assumiu a Coroa como Edward V.

EDWARD V (1483 – 1483)
Edward V e o irmão Richard,
mortos na Torre de Londres

Edward V foi rei da Inglaterra desde a morte de seu pai, Edward IV, em 9 de abril de 1483, até 26 de junho do mesmo ano, sem nunca ter sido coroado.
Edward e Richard, os jovens filhos de Edward IV foram deixados sob a proteção de seu tio Richard, Duque de Gloucester (irmão de Edward IV). Gloucester encontrou o novo rei em sua jornada para Londres e quando alcançaram a capital, hospedou-o na Torre de Londres com seu jovem irmão. Em junho os meninos foram declarados ilegítimos, sob a alegação de que o casamento de seu pai com sua mãe, Elizabeth Woodville, havia sido inválido. Na Torre de Londres eles foram provavelmente assassinados sob as ordens do Duque de Gloucester.
Em seguida, o parlamento solicitou que Richard, Duque de Gloucester, assumisse o trono, o que ele aceitou, sendo coroado como Richard III.

RICHARD III (1483 – 1485)
Richard III, o rei "assassino"

Richard III, o décimo-primeiro filho de Richard, Duque de York e Cecily Neville, nasceu em 1452 e foi nomeado terceiro duque de Gloucester na coroação de seu irmão Edward IV. Em 6 de julho de 1483 foi coroado como Richard III. Richard teve três filhos: uma filha e um filho ilegítimos e um filho de sua primeira esposa, Anne Neville, viúva do filho de Henry IV, Edward.
O reinado de Richard ganhou uma importância fora de proporção para a sua duração. Ele foi o último da dinastia Plantagenet, que havia governado a Inglaterra desde 1154, sendo o último rei inglês a morrer em batalha, em 1485, entre as eras medieval e moderna. A ele foi também imputada responsabilidade por vários assassinatos: Henry VI, Edward, filho de Henry VI, seu irmão Clarence e seus sobrinhos Edward V e Richard.
Quatro meses após coroado, esmagou uma rebelião conduzida por seu prévio assistente, Henry Stafford, Duque de Buckingham, que buscava a ascensão ao trono de Henry Tudor, um enfraquecido Lancaster. A rebelião foi esmagada, mas Henry Tudor, Duque de Richmond e o melhor Lancastriano reivindicando o trono e vivendo na França, reuniu tropas e aportou ao sul do País de Gales, atacando as forças de Richard III, em 22 de agosto de 1485. Esta batalha, em Bosworth Fields, a última importante das “Guerras das Duas Rosas”, tornou-se o leito de morte de Richard III. Embora superior em número, vários de seus oficiais importantes desertaram e Richard III foi morto em batalha, com Henry Tudor assumindo o trono como Henry VII.
Richard III, de William Shakespeare
Os historiadores foram notavelmente cruéis com Richard III, baseados em evidências puramente circunstanciais. Shakespeare o pintou como um completo monstro em sua peça “Richard III”. Uma coisa é certa: a derrota de Richard, último dos reis medievais ingleses, e o encerramento das “Guerras das Rosas”, permitiu a estabilidade que a Inglaterra necessitava para curar-se, consolidar-se e penetrar na era moderna.


(1) Os Lollards eram seguidores do reformador herético da igreja, John Wyclif, que havia morrido em 1384. A revolução dos cavaleiros Lollard, de 1414, conduzida por Sir John Oldcastle, foi facilmente reprimida por Henry V. Oldcastle permaneceu livre até que foi capturado, julgado e executado, em 1417. O movimento Lollard foi considerado subversivo e, embora continuasse a fazer adeptos, sempre permaneceu como uma minoria religiosa.
(2) Windsor Castle é uma residência real em Windsor, condado inglês de Berkshire, notável por sua longa associação com a família real britânica e sua arquitetura. Foi construído no século XI, após a invasão normanda, por William, the Conqueror, e desde o tempo de Henry I tem sido usado pelos reis que o sucederam, sendo o mais longamente usado palácio da Europa. O castelo ocupa uma área de cinco hectares, combinando as características de fortificação, palácio e uma pequena cidade, incluindo a capela de Saint George, considerada uma das obras primas da arquitetura gótica. Mais de 500 pessoas vivem e trabalham no Castelo de Windsor.
(3) Em francês, Jeanne d’Arc, apelidada de “a donzela de Orleans”, nascida em 1412 e morta em 30 de maio de 1431, foi uma heroína popular da França e uma santa católica. Nascida de uma família de camponeses, dizia ter orientação divina e conduziu o exército francês a importantes vitórias contra os ingleses, durante a “Guerra dos Cem Anos”, abrindo caminho para a coroação de Charles VII. Foi capturada pelos Burgundians (importante partido de apoio aos ingleses), transferida aos ingleses, por dinheiro, julgada pelo bispo de Beauvais, pró inglês, Pierre Cauchon, por acusações de “insubordinação e heterodoxia”, e condenada à morte na fogueira, com 19 anos de idade.
(4) Nesse texto, as palavras “Duke” e “Earl” estão sendo traduzidas, indiferentemente, por Duque, embora exista diferença entre elas; daí a colocação dessa nota. 
Na nobreza, um “Duke” é o cargo mais alto, apenas abaixo do Rei ou Príncipe e considerados seus amigos (muitos deles da própria família real), com alto status social e financeiro. Eram feitos governadores de províncias pelos reis e seu território era chamado de “Duchy” (Ducado). Este é o caso do Duque de York, de Lancaster e outros. Se um “Duke” morresse sem herdeiro, seu título retornava à família real que o conferia a outra pessoa. A esposa de um “Duke” é chamada de Duquesa.
O “Earl” é um título de nobreza inferior, na hierarquia, a um “Duke”, abaixo de um Marquês e acima de um Barão. É o caso do citado Earl de Warwick. Quando os reis precisavam de recursos para formar exércitos, conferir esses títulos a pessoas não nobres era uma forma de resolver a questão. Não há nome oficial para a esposa de um “Earl”.

Continua na "Parte 7"

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

THE TOWER OF LONDON (A TORRE DE LONDRES)

Após a sua coroação na Abadia de Westminster, no dia de Natal de 1066, o novo Rei William, o Conquistador, retirou-se para Barking, Essex, enquanto vários baluartes eram construídos em Londres, como salvaguarda contra a ameaça da imensa e feroz população, ciente de que a sua primeira tarefa era subjugar Londres totalmente. A figura abaixo mostra uma vista aérea da Torre de Londres, às margens do Thames (rioTâmisa) e a Tower Bridge (Ponte da Torre).
Evidências arqueológicas sugerem que um desses baluartes foi construído no canto sudeste das antigas muralhas romanas, local da futura Torre de Londres. Essas defesas anteriores foram substituídas por uma grande torre de pedra, “The White Tower” (a Torre Branca) que proclamava a força e a façanha física do novo monarca Normando.
Não se sabe exatamente quando começou a construção da Torre Branca ou quando foi concluída, mas a primeira parte dos trabalhos de construção estava, certamente, a caminho, na década de 1070, sob a supervisão de Gundulf, o Bispo de Rochester. Pedreiros normandos foram empregados, algumas das pedras da construção foram trazidas da Normandia, mas o trabalho foi realizado por ingleses. A “Anglo-Saxon Chronicle” (Crônica Anglo-Saxã) comenta, em 1097, que ‘muitos condados cujo trabalho era devido a Londres foram duramente pressionados por causa da muralha que seria construída em torno da Torre’. Cerca de 1100 a Torre Branca estava pronta!
Localização da Torre na Londres Central (círculo negro)
Nada com aquilo havia antes sido visto na Inglaterra. O prédio era enorme, um retângulo de 36,0 m por 32,5 m, com uma altura de 27,5 m no lado sul, onde o terreno é mais baixo. A Torre dominava o horizonte por milhas em todas as direções.
A Torre era protegida por muralhas romanas em dois lados, fossos ao norte e oeste, com 7,5 m de largura e 3,4 m de profundidade, além de um aterro encimado por uma paliçada de madeira.
Embora muitos reis e rainhas posteriores tenham ficado na Torre, ela nunca foi construída como a principal residência real, visto que palácios como Westminster, possuíam quartos mais opulentos. Além disso, a Torre não era a primeira linha de defesa contra exércitos invasores, embora pudesse enfrentar tal desafio. A primeira função da Torre era de um baluarte-fortaleza, um papel que permaneceu imutável até o final do século XIX.
Planta moderna da Torre de Londres (orientação norte)
Como uma base de poder em tempo de paz e um refúgio em tempo de crise, as fortificações da Torre foram modernizadas e ampliadas pelos reis medievais. Uma série de campanhas de construção garantiu que, cerca de 1350, a Torre estivesse transformada na formidável fortaleza que vemos hoje.
Tais trabalhos de edificação foram iniciados no reinado de Richard, o Coração de Leão, que partindo às Cruzadas, deixou a Torre nas mãos do seu chanceler William Longchamp, bispo de Ely, que dobrou a fortaleza em tamanho, com novas defesas. Essas alterações vieram a tempo, pois na ausência do rei, seu irmão John usou a oportunidade para desafiar a autoridade do Chanceler, preparando o ataque. Sitiou a Torre e suas novas defesas resistiram até que a falta de abastecimentos obrigou Longchamp a render-se. Como sabemos, ao retornar em 1194, Richard recuperou o controle, John implorou por seu perdão e foi, mais tarde, indicado por Richard como seu sucessor. Como rei, John ficava frequentemente na Torre e foi, provavelmente, o primeiro rei a manter leões e outros animais exóticos lá.
Interior do pátio mais central, com a Torre Branca
Aos nove anos, Henry III, filho de John, assumiu um reino em crise, mas em meses os franceses foram derrotados na Batalha de Lincoln e a atenção primeira voltou-se para o reforço dos castelos reais. Os regentes do rei menino começaram uma extensão importante das acomodações reais na Torre, que incluíram a construção de duas novas torres, na frente que dava para o rio: a Wakefield, como alojamento do rei, e a Lanthorn, provavelmente pretendida para a rainha.
Quando os barões revoltosos obrigaram Henry a refugiar-se na Torre, em 1238, o nervoso rei percebeu a vulnerabilidade das defesas do castelo. No mesmo ano ele envolveu-se na construção de uma maciça muralha aos lados norte, leste e oeste, reforçada por nove novas torres e circundada por um fosso inundado, construído pelo engenheiro flamengo John Le Fossur (o cavador de valas).
Essa pública demonstração do poder real começou a preocupar os londrinos, cuja alegria foi registrada pelo escritor da época, Mathew Paris, quando uma seção de uma muralha recém construída, próximo da torre Beauchamp, ruiu.
Muralha externa da Torre de Londres e a Legges Mount ao centro
Edward I era um líder mais agressivo e confiante, que conseguiu manejar bem os rebeldes do seu país, mas ele estava determinado a completar os trabalhos defensivos que seu pai havia começado na Torre. Entre 1275 e 1285 ele gastou mais de £21.000 (aproximadamente R$76.500,00, hoje) na transformação da Torre, no maior e mais forte castelo concêntrico (um anel de defesa dentro do outro) da Inglaterra. Ele encheu o fosso e criou outra muralha envolvendo a existente, construída por seu pai, e também criou um novo fosso. Apesar de todo esse trabalho e da construção de novos alojamentos reais confortáveis, raramente ele permaneceu na Torre.
Entretanto, o reino de Edward viu a Torre ser utilizada com outros fins além de militar e residencial. Além de ser usada regularmente como prisão, o rei passou a usar a Torre como local seguro para guardar papéis valiosos e preciosidades. Um ramo principal da Casa da Moeda real foi estabelecido, uma instituição que representaria um papel importante na história do castelo, até o século XIX.
Torre de Londres à noite, despontando a Torre Branca
Edward II o filho pouco guerreiro de Edward I, carente de destreza militar e diplomacia, logo colocou em teste a eficiência das novas defesas da Torre. O descontentamento dos barões atingiu um nível comparável ao atingido durante o reinado de seu avô Henry III, e Edward II foi frequentemente forçado a nela buscar refúgio. Ele montou residência na área em torno da presente Torre Lanthorn. Os alojamentos reais anteriores nas torres Wakefield e Saint Thomas passaram a ser usadas por cortesãos e para o guarda-roupa (um departamento que armazenava preciosidades e tratava com abastecimentos reais).
Ao contrário do seu pai, Edward III foi um guerreiro de sucesso e os reis da França e Escócia, capturados, foram mantidos na torre. Ele também realizou trabalhos menos importantes na fortaleza e ampliou o cais.
Em 1399, Richard II, acusado de tirania por seu primo Henry Bolingbroke (Henry IV), foi forçado a renunciar à coroa e mantido prisioneiro na Torre.
Nossa história dos “Reis da Inglaterra” foi interrompida neste ponto, mas a história da Torre continua por reis que ainda serão considerados naquela publicação.
Durante a Guerra das Rosas, a Torre assumiu importância chave e para os vitoriosos tornou-se o local das celebrações.
Henry VI realizou torneios na Torre; Edward IV foi coroado lá, por duas vezes; Henry VII realizou festas de vitória na Torre e entreteve seus apoiadores em grande estilo. Em contrapartida, para os derrotados, a Torre foi o local de assassinatos e execuções que incluíram o próprio Henry VI, em 1471 e o jovem Edward V e seu irmão em 1483.
Capela de Saint John, dentro da Torre Branca
Henry VIII começou a trabalhar nos prédios da residência real, iniciados por seu pai Henry VII, mas em escala muito maior. Ele autorizou a realização de amplos aposentos com estruturas de madeira, principalmente para o conforto e prazer de sua segunda esposa Anne Boleyn, para a sua coroação em 1533. Entretanto, a partir daí, foram raramente usados, cessando o papel da Torre como residência real.
A decisão de Henry VIII de romper com Roma, inflou a população da Torre com prisioneiros religiosos e políticos a partir de 1530, enquanto o país se ajustava ao novo papel do seu rei como chefe supremo da nova Igreja Protestante da Inglaterra. Os prisioneiros incluíram Sir Thomas More, o bispo Fisher of Rochester e duas das esposas de Henry. Os quatro foram executados. Antes de sua morte prematura, Edward VI prosseguiu a política de execuções de seu pai.
Mary I trouxe de volta ao país o catolicismo e seu curto reinado viu muitos rivais e figuras chaves do protestantismo serem aprisionados na Torre. Lady Jane Grey foi executada na Torre sob as ordens da rainha e sua meia-irmã, Elizabeth, futura rainha, foi nela mantida prisioneira.
Elizabeth I manteve a de gula da Torre até o ponto de repleção, com prisioneiros célebres, mas como seu sucessor James I, fez poucos melhoramentos nas defesas da Torre.
O reinado de Charles I anunciou uma longa e sangrenta guerra civil entre o rei e o parlamento. Mais uma vez, a Torre foi um dos mais importantes ativos do rei. Os londrinos temiam que ele a usaria para dominá-los, mas ao final, a Torre foi vencida pelos parlamentaristas, permanecendo em suas mãos pelo resto da guerra civil. A perda da Torre e de Londres foi um golpe fatal às forças do rei e um fator crucial para a sua derrota.
Face sul da Waterloo Barracks (Quartel Waterloo)
Após a execução de Charles I, o Parlamento organizou uma grande venda das posses do rei, através da fundição do ouro e prata das ‘Joias da Coroa’ e venda das joias para o bem da riqueza da Nação. Cromwell, então ‘Lorde Protetor’, instalou a primeira guarnição permanente da Torre, que os futuros monarcas usaram para subjugar problemas na cidade.
Com a restauração da monarquia em 1660, Charles II planejou ambiciosas defesas para a Torre, que nunca foram construídas. O seu uso como prisão declinou e tornou-se o quartel-general do arsenal da Inglaterra; a maior parte do castelo foi tomada por munições e escritórios. As novas ‘Joias da Coroa’ foram expostas e, em 1671, por pouco escaparam de ser roubadas.
O Duque de Wellington foi o guardião da Torre de 1826 á 1852 e sob a sua rígida liderança o fosso, cada vez mais fétido e lodoso, foi drenado e convertido em vala seca. O grande depósito foi destruído pelo fogo em 1841 e o Duque providenciou a limpeza do entulho e iniciou os trabalhos de imensas barracas para acomodar cerca de mil homens. Em junho de 1845 o Duque deitou a pedra de fundação do Waterloo Barracks (Quartel Waterloo) nomeado da Batalha de Waterloo, sua maior vitória.
Mais defesas foram construídas, incluindo um enorme bastião de tijolo e pedra que acabou sucumbindo a uma bomba da Segunda Grande Guerra. Foi também no início do século XIX que muitas das instituições históricas da Torre a deixaram. A Casa da Moeda foi a primeira a sair do Castelo, em 1812, seguida do mini zoo em 1830, que cresceu para dar origem ao Zoo de Londres. O Arsenal deixou a Torre em 1855 e, finalmente, o Arquivo foi relocado em 1858.
Um interesse crescente, na história e arqueologia da Torre, conduziu a um processo de recondução à era medieval, numa tentativa de remover escritórios, despensas, tavernas e quarteis de má aparência, bem como restaurar as fortalezas à sua aparência original.
Na década de 1850, o arquiteto Anthony Salvin, figura de proa na restauração gótica, foi encarregado da restauração da fortaleza para um estilo mais medieval, tornando-a mais agradável ao olho – e à imaginação – Victoriana. Primeiro ele transformou a Torre Beauchamp para torna-la adequada à exposição pública dos grafites dos prisioneiros, refazendo as paredes exteriores e substituindo janelas, caixilhos e ameias. Encomendas adicionais incluíram a restauração da Torre Salgada (completada em 1858) e alterações na Capela Saint John na Torre Branca, em 1864. Salvin restaurou a Torre Wakewfield de forma a poder abrigar as ‘Joias da Coroa’, que lá permaneceram até 1967, construindo também a ponte que a ligou à Torre Saint Thomas, para que o ‘Guarda da Casa das Joias’ pudesse morar lá.
Torre Branca (século XI), peça central da Torre de Londres
Na busca do perfeito castelo medieval, seu sucessor, John Taylor, controversamente destruiu importantes prédios originais para criar uma vista desimpedida da Torre Branca e para construir uma nova muralha sul interna ao lado do velho palácio medieval.
O número de visitantes cresceu dramaticamente no século XIX. Turistas privilegiados, que pagavam por um passeio com guia, desde 1590, ou apenas gente comum que deseja passar um dia na Torre, pode visita-la. Em 1838, três das velhas gaiolas de animais do mini zoo foram usadas para fazer uma bilheteria na entrada leste, onde os visitantes podiam comprar refrescos e um guia da Torre. Ao final do reinado da rainha Victória, em 1901, mais de meio milhão de pessoas visitavam a Torre em cada ano.
A partir do século XVIII, praticamente, só foram realizados trabalhos de manutenção na Torre; grandes esforços foram despendidos para evitar o assoreamento do fosso, com pouco sucesso. Apenas um portão de acesso e uma ponte levadiça foram construídos na extremidade leste da muralha externa sul, em 1774, dando acesso do pátio externo para o cais
Na Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1916 vários espiões foram presos e posteriormente executados na Torre de Londres. A última execução na Torre foi a do espião nazista Josef Jakobs, em 1941, preso quando saltava de paraquedas para penetrar território inglês, munido de libras e documentos falsos. No mesmo ano, Rudolf Hess, o vice de Hitler, esteve preso na Torre por curto período de tempo, após saltar de paraquedas na Escócia, numa tentativa de obter um tratado de paz. Durante a Segunda Grande Guerra os danos de bombardeios foram consideráveis e várias instalações foram destruídas, inclusive o Bastião Norte, do meio do século XIX, diretamente atingido em outubro de 1940. Durante esse período o fosso foi usado para cultura de vegetais e distribuição de alimentos; as Joias da Coroa haviam então sido transferidas para um local seguro.
Um 'Yeoman Warder' no seu uniforme diário
Hoje a Torre é uma das maiores atrações turísticas do mundo e um “Local de Herança Mundial”, atraindo mais de dois milhões de visitantes de todo o mundo. Uma equipe de conservadores de prédios mantêm a estrutura da Torre. Entre 2008 e 2011, eles desenvolveram obras importantes na Torre Branca, limpando o exterior e removendo a poluição que estragava o prédio.
Os antigamente tão famosos “Vigias do Rei” (The Yeomen Warders), guardas cerimoniais da Torre de Londres, responsáveis pela guarda dos prisioneiros e salvaguarda das “Joias da Coroa”, atuam hoje, na prática, como guias turísticos e são uma atração turística a parte, sendo comum e popularmente conhecidos como “Beefeaters” (Comedores de Carne). Quando na Inglaterra, em 1972-1973, realizando estágio técnico na minha área de especialização, fiquei muito curioso sobre tal designação e fui buscar uma explicação para ela. Na verdade, o nome “Beefeater” é de origem incerta, com várias propostas. A mais provável proposta vem do direito que possuíam “The Yeomen of the Guards” de comer tanta carne quanto quisessem, da mesa do rei. Conde Cosimo, Grande Duque da Toscana, frequentou a corte em 1699 e ao referir-se aos “The Yeomen of the Guards”, ele disse: “Uma enorme ração de carne é diariamente dada a eles na corte ... de forma que eles podem ser chamados beef-eaters.”
Após tantos anos de existência e ter assistido a tantas aventuras e desventuras, hoje a Torre de Londres apresenta a fascinação de séculos passados, com a história turbulenta, e algumas vezes chocante, da Inglaterra e de seus Monarcas.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 5)

Edward III da Inglaterra
O REINADO DE EDWARD III (1327-1377)

A juventude de Edward foi passada na corte de sua mãe e ele foi coroado com a idade de catorze anos, após a deposição de seu pai. Após três anos de dominação por sua mãe e o amante, Mortimer, Edward instigou uma revolta no palácio, em 1330, e assumiu o controle do governo, executando Mortimer e exilando Isabella da corte. Casou-se com Philippa de Hainault, em 1328, com quem teve nove filhos que sobreviveram até a idade adulta.
A guerra ocupou a maior parte do reinado de Edward III. Com Baliol ele derrotou e colocou no exílio a David II da Escócia. A cooperação francesa com os escoceses, a agressão francesa na Gasconha e a reivindicação de Edward ao disputado trono da França (através de sua mãe Isabella), conduziram à primeira fase da “Guerra dos Cem Anos”, nome que os historiadores dão a uma séria de conflitos ocorridos por mais de um século (1337 a 1453), entre a Inglaterra e a França, e que consagrou Joana D’Arc. As causas foram complexas e variadas, incluindo ambições inglesas territoriais e dinásticas na França e vice-versa, e iniciaram quando o rei francês Philip VI confiscou a Gasconha, o que fez com que Edward III da Inglaterra se declarasse o herdeiro legítimo do trono francês, por sua mãe Isabella, filha de Philip IV e irmã de Charles IV.
Em 1340, uma frota inglesa, muito inferior, atacou e destruiu esquadra francesa, deslocada para Sluys (atual Vlissingen) para ameaçar a Inglaterra após a deflagração da Guerra dos Cem Anos, em 1337, e a guerra que se seguiu foi travada em solo francês.
Neste mesmo ano, Edward III formalmente assumiu como ‘Rei da França e do Real Exército Francês’.Embora os historiadores discutam sobre suas pretensões, tal reivindicação deu-lhe importante poder em suas negociações com Philip.
Em julho de 1346 Edward III invadiu a Normandia, marchando para o norte, onde os dois exércitos de enfrentaram em Crécy. Embora em número bem superior, os fragmentados ataques franceses foram sempre repelidos pelos arqueiros ingleses e galeses, que causaram pesadas baixas, constituindo a primeira grande vitória inglesa da Guerra dos Cem Anos, seguidas por Poitiers (1356) e Agincourt (1415).
"O Triunfo da Morte" (Pieter Bruegel) - representando a
Europa Medieval após o advento da Peste Negra.
O desastre mais tarde conhecido como “Peste Negra”, uma das mais devastadoras epidemias da história humana, chegou à Europa em 1347, onde matou entre 70 e 200 milhões de pessoas. Após o primeiro registro relatado em solo inglês, em Melcombe Regis, Dorset, a praga apareceu em vários pontos da costa sul inglesa no verão de 1348, espalhando-se para o interior. Em média, entre 30% e 45% da população mais baixa morreu, mas em algumas localidades, 80 a 90% da população sucumbiu. A praga recorreu regularmente, embora menos severamente, por toda a segunda metade do século XIV e ainda século XV. Embora várias teorias divergentes sobre a etiologia da Peste Negra, análises recentes de DNA das vítimas, nas regiões sul e norte da Europa, indicam que a responsável foi a bactéria Yersinia Pestis, provavelmente causando várias formas de pestes, entre elas a peste bubônica, transportada por ratos, passageiros regulares dos navios mercantes da época.
As hostilidades cessaram após a eclosão da Peste Negra, mas a guerra reacendeu com uma invasão inglesa na França em 1355. Edward, o Príncipe Negro e filho mais velho de Edward III, derrotou a cavalaria francesa em Poitiers (1356) e capturou o rei francês John. Em 1539 o Príncipe Negro cercou Paris com seu exército e os franceses derrotados negociaram a paz. O tratado de Brétigny, em 1360, cedeu enormes áreas da França norte e oeste à soberania inglesa. As hostilidades recrudesceram em 1369 quando os exércitos ingleses sob o comando do terceiro filho do rei, John of Gaunt, invadiu a França. O poderio militar inglês, enfraquecido após a peste, gradualmente perdeu tanto terreno que, em 1375, Edward concordou com o Tratado de Bruges, que deixava apenas as cidades costeiras de Calais, Bordeaux e Bayonne em mãos inglesas.
John of Gaunt, irmão do Príncipe
Negro e pai de Henry IV

A natureza da sociedade inglesa mudou muito durante o reinado de Edward III, que aprendeu com os enganos do seu pai e teve relações mais cordiais com a nobreza do que qualquer outro rei anterior. O feudalismo se dissipou à medida que o mercantilismo emergia: a nobreza mudou de um grande corpo com pequenas posses para um pequeno corpo com muitas terras e riquezas. Tropas mercenárias substituíram as obrigações feudais na reunião de exércitos. A taxação de exportações e comércio substituiu os impostos sobre a terra como fonte primária de financiamento do governo (e da guerra). A riqueza resultou dos mercadores, à medida que eles e outros súditos da classe média apareciam regularmente às sessões parlamentares. O Parlamento foi formalmente dividido em duas casas – a superior (dos Lordes), representando a nobreza e o alto clero, e a inferior (dos Comuns), representando a classe média – e se reunia regularmente para financiar as guerras de Edward e votar as leis. A traição foi definida pela primeira vez por lei (1352), o escritório da Justiça da Paz foi criada para ajudar os corregedores (1361) e o inglês substituiu o francês como língua nacional (1362)!
A despeito dos sucessos iniciais do rei e da prosperidade geral da Inglaterra, muito ainda permaneceu errado no reino. Edward e seus nobres estimularam o cavalheirismo romântico como seu credo, enquanto saqueavam uma França devastada; o cavalheirismo enfatizava a glória da guerra enquanto a realidade exauria as finanças. A influência da igreja diminuiu, mas John Wycliff liderou um movimento de reforma eclesiástica (como precursor da Reforma Protestante) que desafiou a exploração da Igreja pelo Rei e pelo Papa. As incursões militares fracassadas de John of Gaunt na França, causaram uma taxação excessiva, desgastando o apoio popular de Edward.
Os últimos dias do reinado de Edward III espelharam os primeiros: novamente uma mulher o dominou. Philippa morreu em 1369 e Edward tomou como amante a inescrupulosa Alice Perrers. Com Edward na senilidade e o Príncipe Negro doente, Perrers e William Latimer (o camareiro mor) dominaram a corte com o apoio de John of Gaunt. Edward, o Príncipe Negro, morreu em 1376 e o velho rei passou seus últimos dias em dor.

RICHARD II (1377 – 1399)
Richard II da Inglaterra

Como Edward, o 'Príncipe Negro', morreu cedo, a sucessão passou para o neto de Edward, Richard II, filho do ‘Príncipe Negro’ e Joan, a ‘Formosa Donzela de Kent’, que tinha apenas 10 anos de idade. A Inglaterra foi então governada, enquanto menor, por um Conselho sob a liderança de seu tio John of Gaunt, o mais poderoso dos nobres.
Em 1382 Richard II casou-se com Anne of Bohemia, que morreu sem filhos em 1394. Casou-se novamente em 1396 com Isabella de Valois, então com 7 anos de idade, filha de Charles VI da França, para encerrar uma nova luta com aquele país.
Richard afirmou autoridade real durante uma era de restrições reais. A privação econômica seguiu-se à peste negra, salários e preço subiram abruptamente. O Parlamento piorou o problema passando uma legislação que limitava os salários, mas não regulava os preços. Em maio de 1381, Wat Tyler conduziu a Revolta dos Camponeses – a mais significativa da História Inglesa - contra as opressivas políticas de governo de John of Gaunt. Iniciando em Brentwood, Essex, a turba insurgiu-se contra os coletores de impostos, uniram-se com seus colegas em Kent e milhares de pessoas saquearam o centro de Londres. Faltou ao governo qualquer competência militar significativa e decidiu seguir uma política de conciliação, através do encontro do rei com a turba e seu líder, Wat Tyler, primeiro em Mile End e então Smithfield. O rei ouviu e aceitou as demandas de Tyler e então observou enquanto seus guarda-costas assassinavam o líder rebelde, com ou sem provocação. Vendo-o morto, Richard vagou sozinho entre os rebeldes, gritando: “Vocês não terão outro líder além de mim!” Com isso a turba rebelde abandonou o centro de Londres e dispersou. Seus líderes foram posteriormente julgados e muitos enforcados. Richard havia pessoalmente visto a maior ameaça popular à monarquia medieval inglesa.
Geoffrey Chaucer, autor dos
"Contos de Canterbury"
Digno de nota, durante o reinado de Richard II, foi o surgimento, em 1387, do poema “Canterbury Tales”, do primeiro grande poeta da língua Inglesa, Geoffrey Chaucer; antes dele, a maioria dos escritores usava francês ou latim em detrimento do inglês mais plebeu. Nesse seu mais conhecido trabalho, incompleto, um grupo variado de pessoas conta histórias, para passar o tempo, durante uma peregrinação a Canterbury.
A tola generosidade de Richard aos seus favoritos – Michel de la Pole, Robert de Vere e outros – conduziu Thomas, duque de Gloucester, e quatro outros magnatas, a formar o “Lords Appellant” (Apelo dos Lordes), que julgou e condenou, por traição, os cinco mais próximos conselheiros de Richard. Como retaliação, em 1397, Richard prendeu três dos cinco lordes, coagiu o Parlamento a condená-los à morte e baniu os outros dois. Um dos exilados era Henry Bolingbroke, filho de John of Gaunt e o futuro rei Henry IV.
O rei sentia-se tão seguro que marchou para a Irlanda, pela segunda vez, em 1399, para subjugar os líderes rivais, levando consigo os seus melhores e mais leais homens. Tal expedição logrou pouco sucesso, parcialmente porque foi interrompida pelas notícias de que Bolingbroke havia aportado uma pequena força em Yorkshire. Retido na Irlanda sem meios para retornar ao País de Gales e então Inglaterra, Richard teve que apreciar seus maiores nobres desertarem para se unirem a Bolingbroke. As regiões leste e oeste da Inglaterra rapidamente uniram-se a Bolingbroke, por temor às suas próprias heranças e por antipatia geral ao governo de Richard. O norte, última esperança do rei, falhou em unir-se à causa após a queda de Chester, sem luta. Finalmente de volta à Inglaterra, Richard rendeu-se no Conway Castle, após a garantia do Duque da Northumberland de que a posição do rei seria respeitada. O rei passou à custódia de Bolingbroke, na Torre, sem qualquer resistência e foi assassinado enquanto na prisão por Henry IV.
O reinado de Ricardo II ilustra a natureza da mudança da Coroa e da Sociedade após a Peste Negra ter acabado com a metade da população, a partir de 1348. A queda de Richard foi também considerada o primeiro “round” do que os Vitorianos denominaram 'Wars of the Roses(1),' (Guerra das Rosas), as sangrentas guerras civis dos nobres que devastaram a Inglaterra de 1450 a 1487. Junto com o impacto da Peste, o legado do seu governo atingiu uma transformação social que mudou para sempre a Bretanha.
Em sua peça “A tragédia do Rei Ricardo II”, Shakespeare bem apanhou o caráter de Richard, que era capaz de ‘capturar a essência do seu súdito ... a tragédia de Richard foi que ele trocou a realidade do mundo em torno de si pela ilusão do palco’.
Antes de penetrar no reinado de Henrique IV faremos, seguindo a esta, uma publicação ‘hors concours’, sobre a Torre de Londres, já mencionada algumas vezes e da qual ainda voltaremos a falar, que teve, realmente, um papel muito importante na história dos reis da Inglaterra.

HENRY IV (1399 – 1413)

Henry IV, rei da Inglaterra

Henry, o primeiro de três monarcas da casa de Lancaster, nasceu em Lancashire, em abril de 1367. Seus pais, John of Gaunt, terceiro filho sobrevivente de Edward III, e sua mãe, Blanche of Lancaster, descendente de Henry III, eram primos. Ele casou com Mary Bohun em 1380, que gerou sete filhos e morreu em 1394. Em 1402, Henry casou-se novamente, com Joan of Navarre.
Com a morte de John Gaunt, Richard II apossou-se dos domínios da família, privando Henry de sua herança e induzindo-o a invadir a Inglaterra. Ele encontrou pouca oposição, pois a população já cansara das ações do rei. Como vimos, Richard rendeu-se em agosto e Henry foi coroado em outubro de 1399, alegando que Richard havia abdicado por vontade própria.
Tal usurpação ditou as circunstâncias do seu reinado, com rebeliões incessantes em favor de Richard, iniciadas em 1400, logo após a sua deposição.
Dessa forma, a primeira tarefa de Henry foi consolidar a sua posição. A maioria das rebeliões foi esmagada facilmente, mas a revolta do cavalheiro galês Owen Glendower, em 1400, foi bem mais séria. Em 1403 Glendower aliou-se a Henry Percy, Conde da Northumberland e seu filho Henry “Hotspur” (colérico). Esta revolta só terminou quando Hotspur foi morto pelas forças do rei, em batalha próxima de Shresbury, em julho de 1403. O também galês Owain Glyn Dwr servira no exército de Richard II na década de 1380 e a lealdade ao rei deposto encorajou-o a liderar uma revolta contra Henry IV. Em 1404 ele recebeu apoio francês e presidiu o primeiro Parlamento galês. À medida que Henry IV consolidava seu controle sobre a Inglaterra, seu filho, o futuro Henry V, conduziu as campanhas no País de Gales. Em 1409 a revolta foi abatida. Glyn Dwr voltou-se para a Guerra de guerrilha até a sua morte em 1416, atestando o permanente empenho dos galeses pela independência, embora seus príncipes tenham sido substituídos por príncipes ingleses desde Edward I.
A rebelião seguinte, de Northumberland, em 1408 foi rapidamente debelada, sendo o último desafio armado à autoridade de Henry. Contudo, ele também teve de lutar contra os ataques escoceses de fronteira e conflitos com a França. Para financiar tais atividades, Henry foi forçado a confiar nas subvenções parlamentares. Entre 1401 e 1406, o rei foi repetidamente acusado pelo Parlamento de mal gerenciar as finanças e gradualmente adquiriu novos poderes sobre os gastos e nomeações reais.
Henry acabou por desenvolver uma terrível doença de pele e epilepsia, a muitos persuadindo de que Deus o punia pela execução do arcebispo Scrope, em 1406, por conspiração contra o rei. À medida que sua saúde deteriorava, uma luta acirrada iniciou entre o seu favorito, Thomas Arundel, arcebispo de Canterbury e uma facção liderada por meio-irmãos de Henry e seu filho, o príncipe Henry. De 1408 a 1411, o governo foi dominado, inicialmente, pelo arcebispo Arundel e, posteriormente, pelo príncipe Henry. A guerra civil eclodiu na França e enquanto o príncipe Henry queria reiniciar a Guerra contra ela, o rei manifestava-se pela paz. Tais relações desconfortáveis persistiram até a morte de Henry IV, em Londres, a 20 de março de 1413 e, a despeito da quantidade de revoltas durante o seu reinado, seu filho mais velho assumiu uma indisputada sucessão.

(1) As "Wars of the Roses" (Guerras das Rosas) foram uma série de guerras dinásticas lutadas entre partidários de dois ramos rivais da real Casa dos Plantagenet, as Casas de Lancaster e York, ao trono da Inglaterra. O nome provém dos emblemas heráldicos associados às duas casas reais: a Rosa Branca de York e a Rosa Vermelha de Lancaster. A facção yorkista usava o símbolo da rosa branca desde o início do conflito, mas a rosa vermelha dos lancastrianos foi, aparentemente, introduzida posteriormente. As guerras foram travadas em episódios esporádicos entre 1455 e 1487, embora tivessem acontecido rixas relacionadas antes e após esse período, resultado de problemas sociais e financeiros que se seguiram à "Guerra dos Cem Anos".  A vitória final foi para um remoto reclamante lancastriano, Henry Tudor, que derrotou o último yorkista, rei Richardo III e casou com a filha de Edward IV, Elizabeth of York, para unir as duas casas. A Casa dos Tudor, subsequentemente, governou a Inglaterra e País de Gales até 1603.

(Continua com a PARTE 6)