Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 25 de maio de 2012

“CLUBE FEDERAL”: RETORNO AO PASSADO

Propositalmente, no prelúdio, quero dedicar esta postagem a dois casais que, entre várias outras pessoas, também tiveram a sua representatividade em minha vida e por quem nutro um carinho muito especial embora, num certo instante, nossos caminhos tenham se desviado nessa longa jornada que é a vida. Mas sei que eles estão lá, disponíveis, no caso em que sua presença se torne necessária. São eles o João Paulo Ercolani e a esposa Neusa, prima da minha esposa e minha querida prima emprestada, e o José Kulshinsky e sua esposa Zélia.
Eu me considero um privilegiado da humanidade, desde que me tornei um residente de Gramado, a maravilhosa Cidade – Boutique da nossa linda serra gaúcha. Entre outras mil vantagens de morar nesta região encontra-se a possibilidade de realizar curtos passeios por uma paisagem que é cantada e decantada em verso e prosa, não apenas pelos gaúchos, como também por milhares de brasileiros de fora do Rio Grande do Sul e ainda estrangeiros que a têm vindo visitar nos anos mais recentes.
Pois ontem, aproveitando o magnífico tempo que tem feito por essa nossa área, e também a presença de minha sogra em nossa casa, programamos um piquenique entre os maravilhosos “campos de cima da serra”, saindo de Gramado, passando por Canela, em direção a São Francisco de Paula.
Entre Canela e São Francisco, assim que se passa o pedágio sobre a RS-235, ao lado esquerdo de quem se dirige a “São Chico”, encontra-se a conhecida Barragem do Salto, a cerca de 12 km de Canela.
Acesso à barragem do Salto, pela RS-235, vendo-se a barragem e o lago, o local do nosso piquenique e o Clube Federal
A Barragem do Salto faz parte área de geração do “Sistema Salto”, propriedade da antiga Companhia Estadual de Energia Elétrica, com escritórios administrativos na cidade de Canela. Tal sistema é formado por três barragens de regularização de descargas no mesmo rio Santa Cruz: Divisa, Blang e Salto. A geração de energia elétrica correspondente é realizada a jusante, no mesmo rio, pelas Usinas de Toca, Passo do Inferno e Herval; além disso, a jusante da Barragem do Salto, o túnel do Salto conduz as águas daí regularizadas, para a bacia vizinha, onde as Usinas de Bugres e Canastra se encarregam de aproveitar o potencial restante. O Projeto de aproveitamento do potencial hidráulico da área foi elaborado na década de 1930 e aprovado pelo Ministério da Agricultura em 1937. A Barragem do Salto foi inaugurada em janeiro de 1951, possuindo 583m de comprimento e 12m de altura.
A Barragem do Salto vertendo, em outros tempos
Na segunda metade da década de 1960, com os nossos vinte e poucos anos, recém casados, era na Barragem do Salto que minha esposa e eu, juntos com os nosso amigos já mencionados, João Paulo, Neusa, José e Zélia, costumávamos passar muitos dos nossos fins de semana livres, já que naquela época, com o curso de engenharia a meio caminho e trabalhando, a vida era bem dura, embora muito bem vivida.
À margem esquerda do enorme lago formado pela Barragem do Salto, havia uma espécie de hotel, denominado “Clube Federal”, ao qual as pessoas se associavam e tinham os pernoites de graça, ou um substancial abatimento, e pagavam apenas as refeições, caseiras, fartas e saborosas, que eram servidas no amplo salão de refeições do hotel. Lembro até hoje, que um dos sócios do empreendimento, que tomava conta do local, era um jovem chamado Douglas, com sua esposa, cujo nome já escapa da minha memória. Lembro também, como o João Paulo, com a irreverência que lhe era peculiar, chamava o clube, de uma forma brincalhona e jocosa, de “Clube Fodoral”.
Os quartos eram bem bons e as roupas de cama impecáveis; contra, apenas o fato, mais comum naquela época, de que não possuíam banheiro privativo, mas alguns poucos que serviam os apartamentos em cada andar. Como havia pouca frequência, sempre conseguíamos obter quartos cujas janelas abriam para o reservatório formado pela barragem, o que nos proporcionava uma paisagem fantástica a cada amanhecer. Era uma glória abrir as janelas dos quartos, pela manhã, e apreciar o sol matutino brilhando sobre as ondulações formadas pela brisa nas águas do reservatório formado pela barragem. Produzia, sobre nós todos, uma sensação de paz tão grandiosa que compensava qualquer viagem para chegar lá e, ao mesmo tempo, nos fazia esquecer as agruras dos tempos em que trabalhávamos duro em Porto Alegre, cada um em suas atividades específicas.
Pelas redondezas, dávamos longos passeios a pé, juntávamos pinhões caídos que se debulhavam do alto das enormes araucárias que completamente preenchiam a paisagem local e conversávamos. Era uma época em que pessoas de vinte e poucos anos se reuniam e conversavam, animadamente, sobre os mais variados assuntos. Alguém pode imaginar algo como isso? Ou já parece algo um tanto antediluviano?
Mas também fazíamos curtos passeios de carro, nos arredores. Se chegássemos ao asfalto, na RS-235, e virássemos à esquerda, em direção a “São Chico”, logo encontraríamos o “Veraneio Hampel”, espécie de pousada, onde saboreávamos um magnífico café colonial, com as tão famosas cucas alemãs e um sem número de outras iguarias. Virando à direita, em poucos minutos chegávamos a Canela e Gramado, então pacatas cidades pelos idos de 1965. Se nos embrenhássemos pelos campos dos locais mais recônditos, poderíamos praticar tiro ao alvo, ou mesmo assustar alguns passarinhos, com uma pequena espingarda de bala calibre 22, pertencente ao meu pai.
À noite, comíamos os pinhões coletados pela manhã e assados na chapa do grande fogão a lenha do hotel, como entrada de um lauto jantar caseiro que viria em seguida, regado a muita conversa ingênua. Depois, era um pequeno passeio pelos jardins do Hotel, para “baixar a comida”, e uma partida de Canastra jogada a pontos. E estávamos prontos para cair “nos braços de Morfeu”, dormir uma excelente noite estrelada e acordar no dia seguinte para recomeçar uma nova jornada, sempre com chance de ser mais alegre que a anterior.

Os modernos passeios de barco no lago da barragem

De volta ao presente, adentramos a área da barragem do Salto, que permite a visitação permanente e gratuita, por uma estrada de terra e pedra que parecia, pelas minhas opacas lembranças, estar ainda pior do que nos anos 60’. Mas ela não nos desestimulou e prosseguimos lentamente até que avistamos o primeiro sinal dos tempos modernos: uma grande placa ao lado da estrada avisava da existência de um clube náutico que proporcionava passeios de barcos infláveis, a motor, por todo o lago da barragem; isso, definitivamente, não existia no nosso tempo!
Continuamos baixando ao fundo do vale e então avistamos, majestosa, a barragem e seu lago. 
A Barragem do Salto tal como se encontra atualmente

Como mencionado, ela não é muito alta, mas vista de baixo é imponente, até por seu passado. Tiramos fotos e algumas vão aqui.
Penso que ao baixar, de carro, para chegar à barragem, enxerguei, na visão periférica, o Clube Federal ao alto, à nossa esquerda. Estávamos então procurando um recanto para fazer o piquenique, seguindo as instruções fornecidas por um passante, acompanhado por seu fiel companheiro cão, e eu sabia que poderíamos retornar por outra estrada que nos levaria diretamente ao Clube. Essa é hoje uma atividade relativamente fácil, já que o parque oferece extensas áreas de lazer, aventura, camping, pesca amadora e a prática de esportes náuticos.
Às margens do Rio Santa Cruz, a jusante da barragem

Logo chegamos ao local indicado, ainda melhor que o quadro pintado pelo fornecedor das informações. Um lindo campo bem verde, limpo, com fácil acesso para o carro, que permitiu a nossa chegada até a margem do rio Santa Cruz, a jusante da barragem, marcado por um leito rochoso encachoeirado, num panorama bucólico que a todos encantou. Ali deitamos nossos apetrechos, comidas e bebidas, nos instalando confortavelmente e realizando o nosso piquenique-celebração de tempos que deixaram muita saudade.
Na volta, retornando da margem do lago por outro caminho, logo começamos a reconhecer os arredores e rapidamente chegamos ao Clube Federal. Lamentavelmente, triste acolhida do local que nos deu tantas alegrias, com suas portas hoje cerradas ao público. Entretanto, sua grandiosidade permanece e bastou vê-lo para sentir como se estivéssemos retornando ao passado longínquo.
O velho Clube Federal, em seu estado atual

As maravilhosas matas de araucária vistas do Federal
Pudemos ver a porteira de acesso aos jardins, hoje com um cadeado enferrujado, os mesmos pinheiros onde antes juntávamos pinhões frescos recém caídos, a paisagem exuberante repleta de araucárias, o prédio portentoso de madeira pintada de branco e, lá embaixo, o lago da barragem, na mesma paisagem que nos maravilhava a cada nova manhã das nossas primaveras. Foi muito bom te ver, Clube Federal!
Eu gostaria muito que os nossos amigos João Paulo, Neusa, José e Zélia, pudessem, um dia, ler esta postagem e lembrar de todos os bons momentos que tivemos juntos nesses locais. E quem sabe, num outro dia, ou num outro mundo, a gente ainda possa voltar a eles, todos juntos, novamente.
Beijos aos quatro, onde estiverem!