Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O SONHO DE OLWEN

INTRODUÇÃO
Nunca fiz qualquer segredo do meu amor pelo piano e da minha leve “frustração” – sem traumas – por não ter realmente aprendido a executá-lo. O amor pelo piano vem da minha avó Julieta e da minha tia Ione, sua filha, pianista concertista que a sucedeu. Com ela tive aulas de piano enquanto criança e algumas adicionais, depois de adulto; entretanto, por minhas atividades profissionais, na busca do “pão nosso de cada dia” nunca pude, realmente, dedicar-me a ele como gostaria de ter-me dedicado.
Há um ano atrás, buscando alguma música na net, acabei descobrindo uma melodia maravilhosa, composta para piano, e tive aquela sensação de que já a havia escutado, no passado, sem saber onde nem quando. A música é maravilhosa e incorpora, na sua composição, não por acidente, o mistério que bem traduz o clima que o filme deveria proporcionar por seu enredo. E, claro, muito piano ....

Coloquei-me na pesquisa e descobri que a música, chamada “The Dream of Olwen” - em português “O Sonho de Olwen” -, composta por Charles Williams, constituiu o tema musical de um filme britânico, chamado “While I Live”.
Folheto de Apresentação de "While I Live"
O filme, cujo título em português é “Enquanto eu viver” –, é uma produção britânica de 1947, dirigido por John Harlow, produzido por Edward Dryhurst e escrito por Doreen Montgomery. Este filme acabou sendo melhor lembrado por seu tema musical “The Dream of Olwen”, composto por Charles Williams, tocado várias vezes durante todo o filme, que tornou-se enormemente popular no seu tempo e ainda é executado regularmente. O próprio filme tornou-se amplamente conhecido como “The Dream of Olwen”. A versão que apresentamos aqui, espero que para deleite dos nossos leitores, é a execução de Russ Conway ao piano, sobre quem escreveremos algumas linhas abaixo.
Nos papéis principais atuaram os atores Audrey Fildes (Olwen), Sonia Dresdel (Julia), Carol Raye (Sally Grant) e Tom Walls (Nehemiah).
John Harlow foi um diretor inglês, não muito conhecido, principalmente do público brasileiro, ativo de 1930 até o final da década de 1950. Trabalhou para estúdios menores, principalmente em filmes de crime e suspense e seus filmes mais conhecidos incluem “Candles at Nine” (1944), “Meet Sexton Blake” (1945), “The Echo Murders” (1945) e o drama “While I Live”.
Os artistas não são conhecidos do público brasileiro por serem mais antigos e porque os filmes britânicos nunca tiveram muita penetração entre nós.

O ENREDO


A região da Cornwall, a sudoeste da Inglaterra, em rosa.
Em 1922, na Cornwall – Cornualha, em português – uma prodigiosa jovem pianista e compositora, Olwen Trevelyan (Audrey Fildes), debate-se na conclusão de um poema sinfônico para piano que está compondo. Impulsionada a completar a peça por sua dominadora irmã mais velha Julia (Sonia Dresdel), Olwen torna-se agitada e desesperada e uma certa noite, numa crise de sonambulismo, encaminha-se para a borda de um penhasco próximo de sua casa. Julia a segue, chamando por ela e Olwen, bruscamente despertada, perde o equilíbrio e cai para a morte nas rochas embaixo do precipício.
Julia não supera o episódio da morte de Olwen e a culpa de sua própria participação no evento durante os anos que passam, tornando-se uma figura obsessiva cuja principal razão de viver é manter viva a memória de Olwen. A composição final de Olwen ganha o seu reconhecimento póstumo e a cada ano, no aniversário de sua morte, ela é transmitida pelo rádio.
No vigésimo quinto aniversário da morte de Olwen, Julia está escutando a execução da sinfonia pelo rádio quando ouve uma frenética batida à porta e a abre para permitir a entrada da jovem Sally Grant (Carol Raye) que encaminha-se diretamente ao piano e inicia, com destreza, a executar a composição junto com a transmissão pelo rádio. A jovem alega ter perdido a memória e não ter ideia de quem seja ou como ter chegado à casa isolada, embora pareça ter uma certa familiaridade com os arredores e com a história da família Trevelyan. Chocada por sua semelhança com Olwen, Julia lhe oferece refúgio e, também percebendo traços comportamentais que lembram Olwen, se convence que a mulher é a reencarnação de sua irmã morta. Nehemiah (Tom Walls), um habitante local a quem se atribui poderes de cura pela fé e que também alega ser vidente, se envolve e a história gradativamente se repete, culminando com a presença precária da jovem sob a mesma borda do penhasco de onde caiu Olwen.

CHARLES WILLIAMS

Charles Williams nasceu Isaac Cozerbreit, em 8 de maio de 1893 em Londres, filho de pais judeus poloneses, e morreu em 7 de setembro de 1978 em Findon Valley, Worthing, West Sussex, Inglaterra com 85 anos de idade. Foi um compositor e maestro britânico que contribuiu com as músicas de mais de 100 filmes. Embora sua carreira tenha sido trilhada de 1934 a 1968, muito do seu trabalho chegou às telas do cinema como “música de estoque” e, por isso, ele não recebeu os créditos correspondentes.

O Compositor Charles Williams
 Charles Williams começou sua carreira como violinista independente em teatros, cinemas e orquestras sinfônicas, posteriormente estudando composição com Norman O’Neill na Academia Real de Música. Em 1933 ele foi para a Gaumont British Films como compositor, onde permaneceu até 1939. Compôs para muitos filmes britânicos e shows de rádios e após o final da Segunda Guerra Mundial, tornou-se o maestro da nova Orquestra Ligeira Queen’s Hall; posteriormente formou sua própria Orquestra para Concertos. Compôs muitas músicas orquestrais e na década de 1950 tornou-se muito conhecido por temas de cinema e televisão ingleses bastante conhecidos na Inglaterra e na Austrália.
Charles Williams foi um compositor prolífico e sem paralelo na área da cativante Música Ligeira e, entretanto, é hoje uma figura praticamente desconhecida. Sua versatilidade foi algo impressionante, pois ele se sentia igualmente em casa na “Royal Opera House”, “Covent Garden” ou no poço da orquestra do Cinema Empress, no Brixton. Tocando sob a batuta de Sir Edward Elgar (compositor de “Pomp and Circumstance”, entre várias outras obras primas da composição britânica) teve atuação tão primorosa que dele mereceu receber, por valiosos serviços prestados, uma cópia autografada de sua biografia.
A contribuição de William para as telas do cinema incluiu incumbências adicionais de Alfred Hitchcock e as comédias do famoso ator cômico inglês William Thomson Hay (Will Hay) – Oh, Mr Porter! – não do nosso tempo. Após a segunda grande guerra ele teve um grande sucesso com “The Dream of Olwen”, do filme “While I live”. Gravado por vários artistas, esta melodia tornou-se um sinônimo do seu próprio nome, durando muito mais do que o filme. Em 1960, seu “Jealous Lover” foi escolhido como o tema para o filme americano “The Apartment” – no Brasil, “Se o meu Apartamento Falasse”. Estrelado por Jack Lemmon e Shirley MacLaine, filme e música tornaram-se extraordinários sucessos. A versão que apresentamos é executada por Ferrante & Teicher, um dueto de pianistas americanos, conhecidos por seus preciosos arranjos ligeiros de peças clássicas familiares e trilhas sonoras de filmes.
Tristemente, o alcoolismo foi a doença contra a qual ele batalhou, permanentemente, durante os últimos estágios de sua vida, e sua percepção do problema levou-o a declinar um grau honorário de Doutor em Música oferecido pela Universidade de Oxford, por não se considerar mais digno de tal premiação nem confiar em si próprio para participar de tão importante cerimônia; dada a sua brilhante estirpe musical  e influência sobre os seus vários pares esta foi uma verdadeira tragédia pessoal.
Após passar grande parte da sua vida em Hampstead, West London, Williams retirou-se com sua esposa para Findon, nos South Downs, próximo de Worthing, em West Sussex. Lá ele morreu em 7 de setembro de 1978, com a idade de 85 anos, uma figura praticamente esquecida, já que a Música Ligeira tornara-se “fora de moda”. Contudo, um recente ressurgimento do interesse na grande herança musical britânica trouxe de volta uma reavaliação, muito desejada, deste verdadeiramente grande compositor.

RUSS CONWAY

Russ Conway, nascido a 2 de setembro de 1925 e morto em 16 de novembro de 2000, foi um pianista de música popular, que teve a surpreendente marca de 20 melodias instrumentais para piano no Quadro de Simples do Reino Unido, entre 1957 e 1963, incluindo dois sucessos em primeiro lugar.

O Pianista Russ Conway
Nasceu em Trevor Herbert Stanford, em Bristol, England e não teve aulas de piano formais, mas recebeu um bolsa de estudos para o Coro da Catedral de Bristol. Foi praticamente um autodidata no piano, enquanto gastava o seu tempo, ainda quando jovem, numa estadia de três anos em Borstal, um instituto correcional na Inglaterra. Seu pai, então, permitiu-lhe que ingressasse na marinha mercante, onde iniciou em 1942 na Marinha Real, permanecendo até 1948, quando foi agraciado com a Medalha de Distinção em Serviço, como sinaleiro numa flotilha, “por reconhecidos serviços, eficiência e zelo”, na busca de minas no Mar Egeu e operações durante a libertação da Grécia, entre 1944 e 1945.
Sua fama nasceu enquanto tocava num clube londrino, quando foi indicado para o selo Columbia da EMI, e passou a metade da década de 1950 como piano de fundo para os artistas de plantão.
Sua carreira foi minada pela má saúde que incluiu um colapso nervoso e, subsequentemente, um derrame que o impediu de tocar entre 1968 e 1971. Às vezes bebia muito e fumava até 80 cigarros por dia. Foi medicado com antidepressivos e teve períodos de severa perda de memória. Mas prosseguiu tocando o seu piano. Teve diagnosticado um câncer de estômago ao final da década de 1980 e fundou, em 1990, com seu amigo escritor e radialista Richard Hope-Hawkins, o “Russ Conway Cancer Fund, apresentando espetáculos de gala nos principais teatros, que levantaram milhares de libras para instituições de caridade de combate ao câncer.
Conway morreu solteiro em 16 de novembro de 2000 e Richard Hope-Hawkins fez o principal elogio fúnebre em seu funeral, na histórica igreja de St. Mary Redcliffe, em Bristol, para o qual Elton John enviou uma coroa de flores.
E nós, sem nada mais podermos fazer além de apreciar a arte dos grandes mestres, prestamos a nossa singela homenagem a esses dois grandes músicos, repassando a vocês o lindo “clip” da música “The Dream of Olwen”, a maravilhosa composição de Charles Williams, na brilhante execução de Russ Conway.
Deliciem-se com ela e vibrem como eu vibrei!

quinta-feira, 5 de abril de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (Quinta e última parte)

CONCLUSÃO

Até então, apenas citei os dados históricos retirados de várias fontes sem, sobre eles, tecer quaisquer comentários. Rigorosamente, para muitos dos meus leitores, desnecessário seria comentar os fatos expostos para que chegassem às conclusões a que, inevitavelmente chegariam ou chegarão. Entretanto, sem querer desprezar aos mais jovens, que não vivenciaram os fatos relatados e que apenas conhecem a história transmitida, nem sempre fiel a si própria, o que vou fazer é apenas enfatizar alguns dos fatos ocorridos para que eles possam chegar às suas próprias conclusões.
Um dos princípios que sempre norteou a minha vida de estudante, chefe de família, profissional e cidadão, foi a coerência, herança de meu pai e que aceitei voluntariamente, tentando sempre transmiti-la a meus filhos. Li uma vez a seguinte frase, como sendo de autoria do escritor irlandês Oscar Wilde: “A coerência é a virtude dos imbecis”. Difícil interpretar uma frase dessas sem conhecer o contexto em que ela teria sido proferida, se de fato foi dita por ele. Todos sabemos, também, que o escritor era pessoa de grande inteligência e de fina ironia; portanto, muito cuidado ao ler a sua frase. Em primeiríssimo lugar, é preciso atentar para o fato de que ele reconhece a “coerência” como virtude; ele a chama de virtude. Nesse caso, porque “dos imbecis”? Da simples leitura da frase do eminente escritor, deduz-se que, ou ele não era coerente, caso contrário jamais se auto rotularia "imbecil"; ou era coerente e seria também um imbecil, coisa que todos sabemos que não era. Certamente tratou-se de mais uma fina ironia de Oscar Wilde, "os imbecis" aqui significando os "trouxas" ou "burros" que, por exemplo, aqui no Brasil de hoje, não se aproveitam das situações apenas por ou para serem coerentes. O que não foi o caso de muitos, que se locupletaram, mostrando-se totalmente incoerentes com suas atuações anteriores; mas que, segundo Oscar Wilde, não foram nada "imbecis". Certamente o grande escritor reconhecia na “coerência” uma grande virtude! 
Por conseguinte, em consequência desta pequena introdução à minha conclusão, eu aqui declaro a minha total oposição à forma de participação política de Getúlio Vargas na História do Brasil! Se houve característica que Getúlio nunca demonstrou possuir ao longo de toda a sua vida, foi a coerência! Getúlio Vargas possuía duas qualidades inegáveis: a arte da retórica e o poder da conciliação; mas faltou-lhe total coerência ao longo de sua vida! Há vários episódios registrados em suas vidas pública e privada que muito bem demonstram esse fato e isso não é dito apenas por mim, mas por vários pesquisadores da vida do político, conforme será mostrado a seguir. Mas para embasar a nossa opinião, faremos, antes, referência a algumas passagens já relatadas da vida de Getúlio.
As incoerências de Getúlio começaram a se manifestar antes mesmo que ele fosse introduzido à vida pública. Por exemplo, ninguém sabe até hoje porque ele teria adulterado, em sua juventude, alguns documentos, para fazer crer que teria nascido em 1883 e não em 1882, como demonstra a sua certidão original de batismo.
Agora, em 25 de fevereiro de 2012, Lauro Jardim, Redator Chefe da Veja, faz referência ao primeiro volume, Getúlio, da trilogia que o jornalista Lira Neto lançará pela Companhia das Letras, em maio. Uma das revelações do livro é o discurso de formatura do jovem Vargas, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1907. Ali, aos 25 anos, surge um Vargas seduzido pela filosofia de Nietzsche (“esse alucinado genial”) e crítico à condição da mulher de então (“amesquinhada, ser inferior, serpente tentadora do mal”). Noutro trecho, investe contra o cristianismo (“A moral cristã é contrária à natureza humana, inimiga da civilização”) e ataca sua moral sexual (“O cristianismo desnaturou a grandeza da sexualidade” ou seja, “a união dos seres numa transfusão do magnetismo amoroso, considerado pelos cristãos como um comércio impuro”). Se hoje tal discurso já causaria polêmica para um político, há cem anos impediria qualquer carreira de decolar. Por isso, os anos se passaram e Vargas trancafiou o libelo, do qual nunca mais se teve notícia, escondendo-o da própria família. Em 1977, Alzira, sua filha, doou uma série de documentos à Fundação Getúlio Vargas, expressamente recomendando, por escrito: “não pode e não deve ser publicado, sob hipótese alguma”. A recomendação, para o bem da verdade, não foi respeitada por Lira Neto.
Um de seus melhores e mais fieis amigos, além de colega da Faculdade de Direito e seu vice no governo estadual em 1928, foi João Neves da Fontoura, com quem iniciou sua carreira política, peregrinando em campanha para Borges de Medeiros, pelo interior do Rio Grande do Sul, em 1907, e por quem renunciou a seu mandato de representante na Assembleia Estadual, por ver injustiçado seu pai por fraude eleitoral em seu município – quando na verdade fora culpado. Entretanto, durante o Golpe de 1930, quando deixou o governo do Rio Grande do Sul, nada disso impediu Getúlio de preterir Neves da Fontoura em favor de Osvaldo Aranha, que o assumiu, causando a renúncia imediata do seu amigo. Posteriormente, em 1932, Neves da Fontoura romperia definitivamente com Getúlio quando este se recusou a punir os “Tenentes” responsáveis pelo incêndio do jornal “O Diário Carioca”.
Decididamente, Getúlio Vargas emergiu no plano político durante a campanha de1922 para eleição do governador do estado do Rio Grande do Sul e a Revolução de 1923. Nos dois episódios, a participação de Getúlio foi controvertida. Como vimos anteriormente, por razões incoerentes, esteve sempre ao lado do governo borgista (chimangos) contra o qual pesava a maior queixa dos maragatos, de tentar perpetuar-se no poder através de eleições manipuladas. Aqui o papel de Vargas foi deveras comprometedor, conforme demonstrado pela sua participação como Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes, responsável pela apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos no pleito. Tal Comissão, totalmente formada por homens de absoluta confiança de Borges de Medeiros, indicou a sua vitória, em meio a rumores de um levante armado contra Borges de Medeiros e denúncias de fraudes de ambos os lados. Como não tivesse sido alcançada a exigência constitucional de ¾ dos votos, na disputa contra Assis Brasil, a Comissão foi instada por Borges de Medeiros a proceder à alquimia eleitoral, forjando os resultados. Pelos serviços prestados, Getúlio foi então promovido, por decreto governamental, de Sargento a Tenente Coronel da Brigada sem, contudo, pegar uma só vez em armas, a favor de um ou de outro lado, apesar de uma cruenta revolução regional com ocorrência de um grande número de baixas.
Decididamente, Getúlio Vargas não era uma pessoa de personalidade forte! Era fazendeiro, filho e neto de fazendeiros na pequena cidade de São Borja, com recursos disponíveis para propiciar-lhe uma boa educação, que a teve. Conciliador, bem humorado, de sorriso fácil, muito bem podemos imaginá-lo a participar de uma roda de chimarrão e um churrasco, entre os conterrâneos, a contar histórias de seu tempo, de seus pais e avós. Mas jamais poderemos imaginar o político fardado, armado de sabre e pistola, cavalgando à frente de uma tropa, como era tradição em sua época. Nunca foi militar de carreira e o maior posto que conseguiu galgar em sua vida foi o de sargento do exército quando cumpriu o serviço militar obrigatório, parte em sua cidade natal e parte em Porto Alegre. Entretanto, a sua primeira foto oficial como chefe do governo nacional, pelo Golpe de 1930 – incoerentemente sempre referido como Revolução de 1930 -, o apresenta fardado como oficial do exército, aconselhado por companheiros, já que o movimento havia sido realizado por oficiais do Exército Brasileiro; e foi a última vez que vestiu uma farda em sua vida.
A sua personalidade fraca foi até mesmo analisada no épico romance histórico do também gaúcho Érico Veríssimo, a trilogia “O Tempo e o Vento”, quando, às vésperas da Revolução de 1930, ele telefona os maiores articuladores do movimento, no Rio Grande do Sul, Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, para comunicar que, em caso de fracasso do movimento, seu nome não seria ligado a ele de forma alguma. Não foi preciso acrescentar que, se o golpe fosse vitorioso, tudo estaria muito bem! Em outro trecho do mesmo épico, um personagem relata o costume que possuiria Getúlio de manter um revólver carregado na gaveta de sua mesa de trabalho, com a ideia de suicídio sempre em mente; o que viria a se concretizar em 1954, durante o seu mandato de presidente da República. De uma certa forma, ele próprio teria escrito isso, claramente, em seu diário particular, como apresentado anteriormente.
Getúlio Vargas chegou ao poder, a nível nacional, durante o golpe de 1930, que a memória fraca da grande maioria do povo brasileiro – com ênfase para nossos conterrâneos gaúchos - insiste em chamar de revolução de 1930. Vamos direto ao ponto: o movimento de 1930 foi um golpe nas instituições constitucionais brasileiras, da mesma forma que o de 1964, se quisermos manter coerência sobre o assunto. Em tudo foram idênticos, a começar pelos seus autores, que eram os mesmo, apenas 30 anos mais novos. Os motivos foram muito menos plausíveis e aceitáveis em 1930 do que em 1964. Posicionar-se contra ou a favor, de um ou de outro, é outro assunto, meramente pessoal não estando aqui em jogo. O que está em jogo é a ilegalidade constitucional do movimento, que ocorreu, sem qualquer sombra de dúvida! O que me deixa assombrado, nessa e em outras situações similares da política nacional, é ver defensores, partidários, apoiadores do movimento de 1930 e seguidores de Getúlio Vargas, até hoje, se manifestarem radicalmente contra o movimento de 1964. Senão vejamos.
As grandes “justificativas” para o golpe de 1930 teriam sido (1) o não cumprimento do revezamento na presidência de república ditada pela famosa política “café com leite”, (2) pretensas fraudes eleitorais nas eleições daquele ano e (3) a famosa “gota d’água” que teria sido o assassinato do Governador da Paraíba, João Pessoa.
Quanto ao primeiro “grande motivo”, é importante relembrar que, não havendo à época, partidos políticos a nível nacional, como acontece hoje – a bagatela de 30 partidos em que a maioria se vende por trocados para apoiar os maiores nas suas intenções, belo progresso que tivemos em 80 anos -, cabia ao Presidente organizar a sua sucessão, o que vinha sendo feito de acordo com a política vigente à época; o então presidente, Washington Luís cumpriu o acordo, tendo indicado à sua sucessão, um outro paulista, Júlio Prestes. E eu, diretamente, pergunto: e isso configuraria justo motivo para golpear as instituições brasileiras? De qualquer forma, não seriam realizadas eleições nacionais para indicar, pelo voto dos cidadãos, quem sucederia o atual presidente? Qual o significado da adoção de uma política informal como aquela, em função dos grandes e verdadeiros conchavos políticos realizados hoje para indicar os candidatos a qualquer eleição brasileira em qualquer nível? Qual a participação do povo brasileiro na indicação desses candidatos de hoje? Que pruridos tão fortes eram aqueles de antigamente? Por que não houve uma tentativa pura e simples de indicar um candidato mineiro ou de qualquer outro estado do Brasil para concorrer com Júlio Prestes? De fato, houve essa indicação, na pessoa de Getúlio Vargas, por três estados da Federação de 20, à época, contra os 17 restantes que, em convenção nacional, homologaram o nome de Júlio Prestes. E ele foi derrotado nas urnas, por Júlio Prestes, por grande margem de votos, o que nos leva ao segundo dos “grandes motivos” para o golpe.
As fraudes em eleições brasileiras ocorreram em toda a história do Brasil, desde os tempos do Império e tornaram-se muito conhecidas as realizadas no estado do Rio Grande do Sul, exatamente durante o período Castilhista e Borgista de sua história, dos quais sempre foi um adepto fervoroso o próprio Getúlio. Além disso, as acusações nas eleições de 1930, aconteceram de ambas as partes; o próprio Governador do Rio Grande do Sul, anterior a Getúlio Vargas, Borges de Medeiros, declarou enfaticamente que ocorreram fraudes nas eleições nacionais de 1930 em ambos os lados. É digno de nota o fato de que o Rio Grande do Sul foi o único estado dos 20 da Federação, e dos três que o apoiavam, que o consagrou com 100% dos votos depositados!
Finalmente, quanto à terceira “grande justificativa” do golpe de 1930, o assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, governador da Paraíba e, não por acaso, candidato à vice-presidência da república, na chapa de Getúlio, hoje cabalmente comprovado, nada teve a ver com crime político, mas apenas um crime passional conforme declarado pelo próprio assassino, que toda a Paraíba conhecia, bem como à sua amante Anayde Beiriz, pivô do crime. Se o crime fosse político, pergunto eu, por que matar o candidato a Vice-presidente e não o candidato a Presidente? Estranhamente, tanto o assassino como a sua amante teriam, em seguida, se “suicidado”, ele na cadeia e ela em seu apartamento, em Recife.
Ao final de tudo, em 22 de maio de 1930, o Congresso Nacional proclamou eleitos para a presidência e vice-presidência da república, Júlio Prestes e Vital Soares. Relembremos que em dezembro de 1929, um acordo fora formalizado entre os oponentes, pelo qual Getúlio Vargas comprometia-se a aceitar os resultados das eleições e, em caso de derrota da Aliança Liberal, comprometia-se a apoiar Júlio Prestes. Em troca, Washington Luís comprometia-se a não ajudar a oposição gaúcha a Getúlio. Tal compromisso foi honrado por Getúlio? O golpe de 1930 não só não honrou os compromissos assumidos, como nem sequer permitiu que o mandato de Washington Luís - de quem Getúlio Vargas havia sido o Ministro da Fazendo, contrariamente aos anseios do seu Governador e líder político Borges de Medeiros -, fosse legalmente concluído.
O que todos os simpatizantes de Getúlio Vargas e do golpe de 1930 “esquecem” de mencionar é que o seu fundamental apoio foi fornecido pela corrente político-militar denominada “Tenentismo” que, ao contrário do que o nome induz a pensar, contava com o apoio de oficiais superiores, no exército, na marinha e na incipiente aeronáutica. Entre esses, só para citar alguns poucos, podemos destacar: Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, Filinto Müller, Juracy Magalhães, Agildo Barata, Ernâni do Amaral Peixoto, Augusto do Amaral Peixoto, o general reformado Isidoro Dias Lopes e o general honorário do exército brasileiro José Antônio Flores da Cunha. Algumas observações me parecem muito importantes neste ponto: Cordeiro de Farias, que chegaria a Marechal do exército brasileiro, afirmou, em suas memórias, que os “tenentes” fizeram a revolução de 1930. O comandante militar do movimento seria Luís Carlos Prestes, gaúcho de Porto Alegre, conhecido comunista brasileiro, líder da Coluna Prestes, que pretendeu ampliar a Revolução de 1923 a nível nacional e que, coerentemente, abdicou de sua função, na última hora, para apoiar o comunismo; Filinto Müller tornar-se ia o odioso chefe da polícia do Rio de Janeiro, durante a ditadura de Getúlio Vargas; Ernâni do Amaral Peixoto transformar-se ia no poderoso genro de Getúlio, casado com sua filha Alzira Vargas e que o acompanharia até o seu suicídio, em 1953; Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, nomeado por Vargas, e posteriormente Governador eleito, reagiria em 1937 quando Getúlio, novamente usada pelos militares, proclamou o Estado Novo, tornando-se ditador e, para escapar, sem força de reação, foi obrigado a refugiar-se na Argentina.
Por tudo isso e mais o que li sobre o assunto, nada me tira da cabeça que Getúlio teria sido o que, vulgarmente se chama, “a bola da vez”, durante o golpe de 1930, quando pela primeira vez chegou a chefe do governo nacional. Naquela ocasião, ele era governador do estado do Rio Grande do Sul, havia sido candidato derrotado à presidência da república e, não era mineiro, que se opusesse aos paulistas e, isso sim, não era homem de deixar passar as oportunidades, quando elas favoravelmente apareciam. A esse respeito, não podemos esquecer a conhecida frase de seu amigo João Neves da Fontoura: “Se o cavalo passar encilhado ele monta!”. É preciso colocar atenção no sentido dessa frase: o cavalo preciso passar e arreado; torna-se então muito fácil montar.
E assim foi que, a 3 de novembro de 1930, a Junta Militar Provisória, que já depusera Washington Luís e expatriara Júlio Prestes, entregou o poder a Getúlio Vargas. Seria repetitivo relacionar todas as barbaridades então ocorridas durante os 15 anos do governo de Getúlio Vargas que se seguiram. Entretanto, é muito importante que se diga que, em função dessa aventura que teve, como uma das suas mais funestas consequências, a criação da primeira ditadura brasileira de fato, muitos brasileiros irmãos morreram numa verdadeira guerra civil que se iniciou no Rio Grande do Sul, em 3 de outubro e que se alastrou por todo o país. Apenas em Pernambuco, num só combate, morreram 150 brasileiros. O que fizeram paulistas, gaúchos, mineiros ou qualquer outro brasileiro, para merecer morrer vítimas de balas de outros brasileiros, sem sequer saberem por que estavam morrendo? Ela poderia ter tido consequências ainda muito mais amplas e graves se, a 24 de outubro, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha não tivessem deposto Washington Luís, felizmente antevendo o que aconteceria se a grande batalha de Itararé tivesse ocorrido. Getúlio nada fez para evitar essa catástrofe, a não ser escrever, entre outras coisas, em seu Diário, inaugurado na véspera do golpe: “Como se torna revolucionário um governo (o seu próprio governo estadual) cuja função é manter a lei e a ordem? E se perdermos (medo de assumir a responsabilidade?)? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso!! (mas no caso de vitória, tudo estaria bem?)”. E, enquanto isso, inclui-se e permite que o golpe prossiga, tudo acontecendo conforme a vontade dos outros ...
As arbitrariedades foram tão grandes durante o Governo Provisório, tendo Getúlio como Chefe, que os oficiais das forças armadas fiéis ao governo legal deposto, tiveram suas carreiras abortadas, sendo colocados, por decreto, na reserva militar. No Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 1931, seis ministros apoiadores do governo deposto, foram aposentados compulsoriamente. A Marinha do Brasil, não combateu os revolucionários de 1930, mas Getúlio aposentou, compulsoriamente, vários oficiais, o que levou o seu ministro da Marinha, José Isaías de Noronha, a pedir exoneração do seu cargo. A chamada "Justiça Revolucionária" e o "Tribunal Especial", criados em 1930, pelo decreto que instituiu o Governo Provisório, com o objetivo de analisar o "processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei de sua organização", como o próprio Getúlio confirmou em seu Diário, no dia 4 de dezembro de 1932, não conseguiram apurar qualquer irregularidade ou sinal de corrupção no regime deposto em 1930.
Sem querer, absolutamente, justifica-lo, o movimento de 1932 de São Paulo foi a reação à ação totalmente ilegal de 1930, principalmente considerando que surgiu contra uma ditadura, por uma constituição que havia sido revogada e por um interventor civil e paulista. Note-se que o movimento constitucionalista paulista de 1932, contou com o apoio de políticos importantes de outros estados, como Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo, Artur Bernardes e João Neves da Fontoura. Todos eles gaúchos, com exceção de Artur Bernardes, haviam apoiado a Revolução de 1930, foram presos e exilados e romperam posteriormente com Getúlio, num exemplo de coerência de ideias.
Os anelos ditatoriais de Vargas não arrefeceram com a rendição dos paulistas, pois em 4 de abril de 1935 foi sancionada a lei nº 38, que criava a Lei de Segurança Nacional, como arma de combate à subversão da ordem pública e em 22 de julho do mesmo ano criava o programa oficial de rádio “A Hora do Brasil”, depois denominada “A Voz do Brasil”, até hoje existente.
Seria de esperar que durante um regime de exceção surgissem correntes extremistas na oposição, como a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista, de um lado, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), dominada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), do outro. E esses movimentos foram, por ironia, a desculpa que o poder vigente desejava, para perpetuar-se no mando, justamente na hora de realização das eleições constitucionais, no início de 1938. E assim, usando o suposto Plano Cohen, segundo o qual os comunistas tomariam conta do Brasil, em novo golpe, Getúlio Vargas, apoiado por militares e boa parte da classe média brasileira, rasga a recente constituição de 1934 e instala a ditadura do “Estado Novo”. Quem, de sã consciência, pode defender a ilegalidade deste processo? No mais otimista dos enfoques, fico com a opinião do seu amigo Neves da Fontoura: Getúlio teria, mais uma vez, montado no cavalo encilhado que passava.
E corroborando a minha tese de que Getúlio não era o forte que os seus simpatizantes e seguidores sempre quiseram pintar, é importante lembrar, neste momento, as palavras do Almirante Ernâni do Amaral Peixoto, seu próprio genro, segundo as quais, o Estado Novo não foi obra pessoal de Getúlio, mas sim uma decisão dos militares, visando o combate à subversão. Segundo ele, “o golpe do Estado Novo viria com Getúlio, sem Getúlio ou contra Getúlio”.
Sobre as peripécias do Estado Novo, tudo já foi dito e narrado aqui e em mil outros lugares e somente a famosa memória curta dos brasileiros já as esqueceu; infelizmente, para tal doença, tão conhecida, não há vacina nem antídoto.
Se consolo resta é que, da mesma forma como entrou, saiu: Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que compunham o seu próprio ministério, na maioria ex-tenentes da Revolução de 1930 que lhe haviam dado o poder, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, entre outros.
Além do que já foi dito, digno de nota foi o controvertido retorno de Getúlio Vargas à presidência, pela eleição de 1950, já que em seu período de senador, de 1946 a 1947, teve atuação pífia.
Seu retorno pela eleição, em 1951, ratifica claramente a cultura e forma de pensar do povo brasileiro, para sua própria infelicidade. Seu governo, que deveria ir de 1951 a 1956, acabou mais cedo e foi eivado de acusações de corrupção de todos os lados, a membros do seu governo e a pessoas que lhe eram próximas, e culminou com o atentado da Rua Tonelero. Como consequência, Getúlio foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar, em 22 de agosto de 1954 e suicidou-se na madrugada de 24 de agosto. Mostrando a sua histórica incoerência, nenhuma explicação foi dada ao povo brasileiro que tanto gostaria de conhecer as razões do suicídio de um homem público. Por que Getúlio se suicidaria? Se ele fosse inocente das acusações que eram imputadas, que melhor forma teria de se defender do que permanecendo vivo? Teria sido uma fuga para não ser julgado por todos os seus atos passados?
Um dos maiores reparos que pode ser feito a Getúlio, reside exatamente na questão do seu suicídio, tratado como um mistério. Mais uma vez, a personalidade complexa, introvertida e enigmática do ex-ditador é invocada. Nas três semanas que antecederam o suicídio, Vargas se viu às voltas com uma oposição implacável nas denúncias de corrupção. A inflação já despontava como um sério mal econômico e seu círculo íntimo viu-se, inequivocamente, envolvido na tentativa de assassinar Carlos Lacerda. Caso não tivesse se suicidado, o ex-ditador teria sido derrubado e, provavelmente, levado a julgamento, nos moldes do ex-presidente Collor e sua comitiva. O gesto suicida foi a única alternativa para Vargas garantir um lugar ao sol na História brasileira do século XX. Não há nisso nenhum mistério.
A decisão dramática pelo suicídio revelou-se extraordinária para salvar a biografia do “Tirano do Catete” (Vargas foi o único ditador a habitar aquele palácio presidencial). Como num passe de mágica, poucas horas após o anúncio da sua morte, milhares de pessoas foram para as ruas da Capital, inconformadas com os acontecimentos. Exceto para Gregório Fortunato e seus capangas, os demais acusados da corte getulista saíram ilesos das acusações. Em 30 dias o inquérito foi encerrado e nada apurado em relação aos parentes do tirano. Os ladrões que o circundavam, segundo acusava Carlos Lacerda, tampouco tiveram os seus atos investigados.
O grande jurista e advogado Evandro Lins e Silva – que esteve à frente da defesa de alguns acusados do atentado da Rua Toneleros – declarou haver encontrado a melhor explicação para o suicídio de Vargas, numa revista francesa, sob o título “O suicídio como arma política”. Nessa reportagem, o autor mostrou que, com seu gesto, Getúlio Vargas tinha conseguido dominar, paralisar, desmoralizar a conspiração que pretendia alijá-lo do poder. De fato, isso aconteceu! Quem viveu aquele período e assistiu aos acontecimentos durante o dia, no Rio de Janeiro, sabe bem que poucas vezes multidão igual saiu às ruas em apoio ao presidente.
Este é um exemplo perfeito de manipulação da opinião pública “post mortem”. Até a manhã do dia 24 de agosto Getúlio Vargas era um ex-ditador, convertido em demagogo, à frente de um governo acusado de corrupção e rodeado por bandidos que urdiram um atentado contra o principal político de oposição. Com o seu derradeiro gesto, tudo foi apagado e seu nome emprestado a ruas, avenidas, praças, cidades e instituições. Ergueram-se monumentos e bustos. E os que desejavam ver cumprida a lei e punidos os culpados, terminaram com a pecha de conspiradores aos olhos da maioria das pessoas. Nunca um suicídio mudou tanto os rumos da política brasileira, nem a biografia de um personagem.
Encerrando essa postagem, passo a palavra aos meus leitores para que tirem as suas próprias conclusões.

domingo, 1 de abril de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 4)

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Desde o início da segunda grande guerra, em 1º de setembro de 1939, Getúlio Vargas manteve o Brasil em posição neutra até 1941, de acordo com o Decreto Lei no 1.561, de 2 de setembro de 1939, que determinava a abstenção do Brasil sobre as ações dos beligerantes.
Após muita negociação, Brasil e Estados Unidos acabaram assinando um acordo pelo qual o governo norte-americano se comprometia a financiar a construção de uma grande usina siderúrgica brasileira - Companhia Siderúrgica Nacional - em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro, em troca da permissão para a instalação de bases militares e aeroportos nas regiões norte, nordeste e em Fernando de Noronha. Logo após, a marinha alemã foi autorizada por Berlim a estender a guerra submarina aos navios mercantes de bandeira brasileira e de todos os países que haviam ratificado o compromisso da Carta do Atlântico, compromisso esse de alinhamento automático com qualquer país do continente americano que viesse a ser atacado por um país de fora do continente, no que foi seguida pela marinha italiana, pondo fim de fato à neutralidade brasileira.
Em função do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, no início de 1942, durante a conferência dos países sul-americanos no Rio de Janeiro, tais países, a contragosto de Getúlio que temia represálias dos alemães, condenaram os ataques japoneses, rompendo relações diplomáticas com os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão – alinhando-se com os Estados Unidos.
Os aliados precisavam muito de borracha, pois a partir da ocupação japonesa do sudeste asiático, já não podiam contar mais com o vital suprimento vindo daquela região. Assim, houve no Brasil uma grande migração de nordestinos para a Amazônia para extrair o látex da borracha, que foram carinhosamente apelidados de "soldados da borracha", revitalizando a economia da região naqueles anos, que se encontrava estagnada desde o fim do 1º ciclo da borracha décadas antes.
Franklin D. Roosevelt e Getúlio Vargas em 1943
Em 28 de janeiro de 1943, Vargas e Franklin Delano Roosevelt (presidente dos Estados Unidos) participaram da Conferência de Natal, onde ocorreram os primeiros acordos que resultaram na criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) em agosto, um ano após a declaração de guerra.

DECLÍNIO E FIM DO ESTADO NOVO

Entre os pracinhas da FEB, havia oito estudantes de Direito da Universidade de São Paulo, participantes de manifestações pacíficas de oposição a Getúlio, como a Passeata do Silêncio, em que desfilaram com mordaças negras para simbolizar a falta de liberdade de expressão. "Fomos convocados por castigo — como se pudesse ser um castigo servir ao Brasil!", escreveu um desses estudantes, Geraldo Vidigal, no livro “O Aprendiz de Liberdade — do Centro XI de Agosto à Segunda Guerra Mundial”.
A partir de um boato sobre o acidente de carro sofrido por Getúlio em 1º de maio de 1942, que o imobilizou, segundo o qual ele levara uma pancada na cabeça e sofria das faculdades mentais, começou a preparar-se a escolha de um sucessor de Getúlio na chefia do Estado Novo, surgindo um bloco liderado pelo Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e outro pelo chanceler Oswaldo Aranha.
Getúlio e Alzira Vargas relatam, em seguida, desavenças entre ministros, intrigas e exonerações, e o distanciamento cada vez maior dos antigos aliados de 1930 da pessoa de Getúlio e do seu governo.
Em 24 de outubro de 1943, aniversário da vitória da Revolução de 1930, ocorre o primeiro protesto organizado contra o Estado Novo, em Minas Gerais, chamado Manifesto dos Mineiros, redigido e assinado por advogados mineiros, muitos dos quais se tornariam influentes juristas e importantes próceres políticos da UDN, como José de Magalhães Pinto, Pedro Aleixo e Bilac Pinto.
Com a aproximação do término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, as pressões em prol da redemocratização ficam mais fortes.
A entrevista, em 22 de fevereiro de 1945, de José Américo de Almeida a Carlos Lacerda, publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, marca o fim da censura à imprensa no Estado Novo, e simbolizou o enfraquecimento do regime.
Em 28 de fevereiro de 1945, através do Ato Adicional nº 9, é feita uma reforma liberalizante da Constituição de 1937, estabelecendo, entre outras medidas, como uma maior autonomia para os estados e municípios, critérios e prazos para a eleição presidencial da república e criada uma Câmara dos Deputados.
Em 18 de abril de 1945, foi decretada a anistia geral para todos os condenados por crimes políticos praticados a partir de 16 de julho de 1934, data da promulgação da constituição de 1934.
Com o fim da segunda guerra mundial e a volta dos pracinhas, surgiu uma grande pressão política para o fim do Estado Novo. Foi, então, liberada a criação de partidos políticos e marcadas, em 28 de maio de 1945, as eleições para presidente da República (para 2 de dezembro) e para uma nova Assembleia Nacional Constituinte, concedida a anistia a Luís Carlos Prestes e outros presos políticos e a liberdade de organização partidária. Contudo, a pressão para que Getúlio renunciasse continuava forte.
Foi então que surgiu o “Queremismo” movimento liderado pelo empresário Hugo Borghi, que usava os slogans "Queremos Getúlio" e "Constituinte com Getúlio". O movimento propunha, primeiro, uma nova constituição e só depois a eleição para a presidência da república. O crescimento do Queremismo precipitou a queda de Getúlio, com a realização de um grande comício em 20 de agosto de 1945, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro.

Getúlio Vargas e Ernesto Geisel em 1940
Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que compunham o próprio ministério, na maioria ex-tenentes da Revolução de 1930 que haviam dado o poder a Getúlio, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, entre outros. Getúlio renunciou formalmente ao cargo de presidente da República, pondo assim fim ao “Estado Novo”. Terminava assim, o que Getúlio chamou, na comemoração do dia do trabalho de 1945, "um curto prazo de 15 anos" durante os quais, segundo ele, o Brasil muito progredira.
O general Eurico Gaspar Dutra já havia deixado o ministério da Guerra em 9 de agosto de 1945, para se candidatar à presidência da república. Sem Dutra, Getúlio ficou enfraquecido, o que facilitou sua deposição.
O pretexto para a deposição foi a nomeação do irmão de Getúlio, Benjamim Vargas, o Bejo, para chefe da polícia do Rio de Janeiro. O Coronel João Alberto Lins de Barros deixara o cargo por se opor às manifestações públicas do movimento “queremismo” pois, revolucionário da década de 1920, era amigo do também revolucionário Eduardo Gomes, candidato da UDN à presidência.
Getúlio foi substituído, interinamente, por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal e seu substituto legal, pois a Constituição de 1937 não previa a figura do vice-presidente. Permaneceu três meses no cargo, até passar o poder ao presidente eleito Eurico Gaspar Dutra, eleito em 2 de dezembro de 1945, e empossado presidente da república em 31 de janeiro de 1946.


O PERÍODO DE 1945 A 1950

GETÚLIO SENADOR DA REPÚBLICA E SEU APOIO À CANDIDATURA DUTRA

Getúlio, afastado do poder, não sofreu qualquer punição, nem sequer o exílio que ele próprio impusera ao presidente Washington Luís ao depô-lo. Não teve os seus direitos políticos cassados e não respondeu a qualquer processo judicial, retirando-se para sua estância, em São Borja, Rio Grande do Sul. 
Getúlio apoiou, forçado - como uma das condições negociadas para que não fosse exilado -, a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, seu ex-ministro da Guerra durante toda a vigência do Estado Novo, à presidência da República. Por sua vontade, Getúlio não apoiaria Dutra, pois o considerava um traidor que apoiara o golpe de 29 de outubro. Porém, Hugo Borghi fez Getúlio mudar de ideia, afirmando que se a UDN ganhasse, elegendo Eduardo Gomes presidente da república, haveria um desmanche das realizações do Estado Novo e uma possível retaliação a Getúlio.
Serviu de lema para a campanha eleitoral de Dutra, uma frase de Hugo Borghi, publicada em jornais e panfletos, logo após voltar de São Borja, em 24 de novembro de 1945, com o apoio de Getúlio à candidatura Eurico Dutra: “Ele disse: vote em Dutra!”. Dutra venceu a eleição, derrotando Eduardo Gomes.
Na formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, Getúlio Vargas foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul e São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda que ajudara a criar, e pela qual foi também eleito representante à Câmara dos Deputados por seis estados e pelo Distrito Federal, irônica e claramente mostrando a cultura do povo brasileiro, pelo menos em dois pontos: (1) tolerou e, de certa forma, aprovou o cerceamento das liberdades individuais dos cidadãos, movido apenas pela propaganda da máquina governamental; (2) aprovou a figura de um “ditador bonzinho”, populista, simpático e protetor dos pobres e oprimidos, com sua linguagem de fácil penetração nas massas.
Getúlio já participara também, em 1945, da criação do PSD, Partido Social Democrático, formado, basicamente, pelos interventores estaduais do Estado Novo, do qual chegou a ser eleito presidente, passando o cargo a Benedito Valadares. Getúlio participou muito pouco da Constituinte e foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946, fazendo um único discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 31 de agosto de 1946.
Assumiu o cargo no Senado como representante gaúcho, e exerceu o mandato de senador durante o período 1946 - 1947, quando proferiu cinco discursos relatando as realizações do Estado Novo e da Revolução de 1930 e criticando o governo Dutra. O último discurso no Senado Federal foi em 3 de julho de 1947.
Deixando o Senado Federal, onde recebia muitas críticas, foi viver em suas estâncias Itu e Santos Reis (na qual passara a infância), em São Borja, sempre muito assediado por partidários para retornar à vida pública, especialmente por Ademar de Barros e Hugo Borghi. Também foi decisiva para sua volta à política, a amizade feita com o jornalista Samuel Wainer, editor chefe e diretor do jornal Última Hora.


 A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 1950 E A ELEIÇÃO

Sobre uma possível candidatura de Getúlio em 1950, João Neves da Fontoura, seu colega e amigo, teria dito a frase muito popular no Rio Grande do Sul: “Se o cavalo passar encilhado ele monta!”. Getúlio acabou aceitando voltar à política, lançando sua candidatura em 19 de abril, dia do seu aniversário, após o lançamento da candidatura de Eduardo Gomes.
Então, já com 68 anos, percorreu todas as regiões do Brasil, em campanha eleitoral, pronunciando, de 9 de agosto a 30 de setembro, em 77 cidades, discursos, nos quais relembrava suas obras nas regiões em que discursava. O primeiro discurso foi em Porto Alegre e o último em São Borja. Em 12 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, bem ao estilo getulista que tanto agradava ao povo brasileiro, prometeu: “Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse, o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo!”
Getúlio foi eleito presidente da república, como candidato do PTB, em 3 de outubro de 1950, derrotando a UDN, que tinha como candidato novamente Eduardo Gomes, e o Partido Social Democrático, que tinha como candidato, o mineiro Cristiano Machado.
Fundamental para sua eleição foi o apoio do governador de São Paulo, Ademar de Barros, nomeado por Getúlio, durante o Estado Novo, em 1938, interventor federal em São Paulo e exonerado do mesmo cargo em 1941. Assim, a aliança com Ademar, mais um ato de reconciliação praticado por Getúlio, transferiu-lhe um milhão de votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio. Ademar esperava que, em troca desse apoio em 1950, Getúlio o apoiasse nas eleições de 1955 para a presidência da república. O resultado final deu a Getúlio, 3.849.040 votos contra 2.342.384 votos dados ao Brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 votos dados a Cristiano Machado.
João Batista Luzardo garantiu, em agosto de 1978, que Dutra teria garantido a posse de Getúlio, não permitindo nenhuma conspiração militar.

O GOVERNO ELEITO (1951 - 1954)

UMA ADMINISTRAÇÃO POLÊMICA

Getúlio tomou posse na presidência da república, a 31 de janeiro de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo ao presidente Eurico Gaspar Dutra, e seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956.
Getúlio trouxe para o ministério antigos aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou: Góis Monteiro (Estado Maior das Forças Armadas), Osvaldo Aranha, na Fazenda, João Neves da Fontoura e Vicente Rao, ambos nas Relações Exteriores, e ainda, Juracy Magalhães como o primeiro presidente da PETROBRAS e Batista Luzardo como embaixador na Argentina. O ex-tenente de 1930, Newton Estillac Leal, foi ministro da guerra até 1953. Reconciliou-se também com José Américo de Almeida que, na época, governava a Paraíba e que se licenciou do cargo de governador para ser ministro da Viação e Obras Públicas a partir de junho de 1953.
Luís Vergara, secretário particular de Getúlio, de 1928-1945, em sua obra "Eu fui secretário de Getúlio", conta que Getúlio chamou o ministério empossado em 1951, de "ministério de experiência", o que causou mal estar entre os ministros. Vergara diz que o "cochilo" revelava um enfraquecimento nos controles de auto vigilância e da contenção da linguagem", atribuído a um começo de envelhecimento e ao esgotamento com "quinze anos ininterruptos em atividade governamental, preocupações multiplicadas, trabalho incessantes, crises políticas, acidentes pessoais e com pessoas da família".
Getúlio teve um governo tumultuado devido a medidas administrativas que tomou e devido às acusações de corrupção que atingiram seu governo.
Um polêmico reajuste do salário mínimo, em 100%, ocasionou, em fevereiro de 1954, um protesto público, em forma de manifesto à nação, dos militares, (um dos quais foi Golbery do Couto e Silva), contra o governo. As mesmas ações populistas se repetiam.
Este "Manifesto dos Coronéis", também dito "Memorial dos Coronéis", foi assinado por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930, significando uma redução do apoio ao governo Getúlio, na área militar e, também, na área trabalhista, por conta da demissão de João Goulart, ministro do trabalho.
Houve uma série de acusações de corrupção a membros do governo e pessoas próximas a Getúlio, o que levou Getúlio a dizer que estava sentado em um "mar de lama". O caso mais grave de corrupção, que jogou grande parte da opinião pública contra Getúlio, foi a comissão parlamentar de inquérito (CPI) do jornal "Última Hora", de propriedade de Samuel Wainer, acusado por Carlos Lacerda e outros de receber dinheiro do Banco do Brasil para apoiar Getúlio. O jornal "Última Hora" era praticamente o único órgão de imprensa a apoiar Getúlio.

O ATENTADO DA RUA TONELERO

Na madrugada de 5 de agosto de 1954, um atentado a tiros de revólver, em frente ao edifício onde residia Carlos Lacerda, em Copacabana, no Rio de Janeiro, mata o major Rubens Florentino Vaz, da Força Aérea Brasileira (FAB), e fere Carlos Lacerda, jornalista e ex-deputado federal da UDN, forte opositor de Getúlio. O atentado foi atribuído a Alcino João Nascimento e Climério Euribes de Almeida, membros da “Guarda Negra” de Getúlio. A crise política que se instalou foi muito grave porque, além da importância de Carlos Lacerda, a FAB, à qual o major Vaz pertencia, tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que Getúlio derrotara nas eleições de 1950. A FAB criou uma investigação paralela do crime e no dia 8 de agosto a “Guarda Negra” foi extinta. Alcino foi capturado no dia 13 de agosto e Climério no dia 17 de agosto.
Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, foi acusado e teria admitido, mais tarde, perante a justiça, ser o mandante do atentado contra Lacerda. Em 1956, os acusados do crime foram levados a um primeiro julgamento: Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão como mandante, pena reduzida a vinte anos por Juscelino Kubitschek e a quinze anos por João Goulart.

A ÚLTIMA REUNIÃO MINISTERIAL, O SUICÍDIO E A CARTA TESTAMENTO

Como consequência, Getúlio foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar ou, ao menos, licenciar-se da presidência. O “Manifesto dos Generais”, de 22 de agosto de 1954, assinado por 19 generais de exército, entre eles, Castelo Branco, Juarez Távora e Henrique Lott, pede a renúncia de Getúlio:

"Os abaixo-assinados, oficiais generais do Exército ... solidarizando com o pensamento dos camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, como melhor caminho para tranquilizar o povo e manter unidas as forças armadas, a renúncia do atual presidente da República, processando sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais".

Esta crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 24 de agosto de 1954, em seus aposentos no Palácio do Catete, logo depois de sua última reunião ministerial, em que fora aconselhado, por seus ministros, a licenciar-se da presidência. Entretanto, em sua agenda de compromissos, na página do dia 23 de agosto de 1954, segunda-feira, ele registrara a falta de uma conclusão do ministério e a sua determinação aos ministros militares de manutenção da ordem pública, com a qual ele entraria com o seu pedido de licença.
Tal gesto foi, segundo alguns analistas, o maior golpe de marketing político da história brasileira. Até aquela manhã, o ex-ditador estava acuado. Acusado de protetor de ladrões e tendo dois filhos, o irmão e o chefe da guarda pessoal envolvidos na tentativa de assassinato do principal líder da oposição a seu governo, a situação política de Getúlio Vargas era insustentável. A opinião pública acompanhara os detalhes das investigações do atentado da Rua Toneleros e estava chocada com as revelações. O coronel João Adil de Oliveira, que ficara encarregado do Inquérito Policial-Militar, havia declarado, a 19 de agosto, que o atentado contra Lacerda fora planejado dentro do Catete. O Vice-presidente e os militares pressionavam Getúlio para que renunciasse. Se deixasse a Presidência, o ex-ditador teria um destino muito parecido ao reservado ao ex-presidente Fernando Collor: teria respondido a vários processos e correria o risco de ser condenado, junto com parentes e pessoas de sua estrita confiança. Teria tanto apoio da opinião pública quanto o ex-Presidente Collor obteve durante o processo do impeachment, ou seja, nenhum.
Segundo as informações da época, Getúlio teria deixado duas notas de suicídio, uma manuscrita e outra datilografada, que receberam o nome de "carta-testamento". A manuscrita, assinada ao final da reunião ministerial, foi divulgada somente em 1967, por Alzira Vargas, à revista “O Cruzeiro” e nela Getúlio explicaria o seu gesto; na verdade, nenhuma explicação foi dada ao povo brasileiro que tanto gostaria de conhecer as razões do suicídio de um homem público. A versão datilografada, feita em três vias e mais extensa que a manuscrita, foi lida por João Goulart, no enterro de Getúlio, em São Borja. Nesta versão datilografada aparece a frase "Saio da vida para entrar na história" e é, até hoje, alvo de discussões sobre a sua autenticidade. Nela, chama muito à atenção, a frase em castelhano: "Se queda desamparado". Assim, tanto na vida quanto na morte, Getúlio foi motivo de polêmica.
Assumiu então a presidência da república, no dia 24 de agosto, seu vice-presidente João Café Filho, de oposição a Getúlio, que nomeou uma nova equipe de ministros e deu nova orientação ao governo.

CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS DO SUICÍDIO DE GETÚLIO

Há quem diga que o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo e que tornou-se, então, desnecessário, pois assumira o poder um político conservador, Café Filho. O golpe militar, cujos simpatizantes chamam de Revolução, viria, por fim, em 1964, ironicamente concretizado, essencialmente, pelo lado militar, por ex-tenentes de 1930.
Para outros, o suicídio de Getúlio fez com que passasse da condição de acusado à condição de vítima. Isto teria preservado a popularidade do trabalhismo e do PTB e impedido Café Filho, sucessor de Getúlio, por falta de clima político, de fazer uma investigação profunda sobre as possíveis irregularidades do último governo de Getúlio.
E, por fim, o clima de comoção popular devido à morte de Getúlio, teria facilitado a eleição de Juscelino Kubitschek (JK) à presidência da república e de João Goulart (o Jango) à vice-presidência, em 1955, derrotando a UDN, adversária de Getúlio. JK e João Goulart são considerados, por alguns, como dois dos "herdeiros políticos" de Getúlio, além de Leonel Brizola.

IMPACTO POPULAR

Getúlio foi o primeiro a fazer, no Brasil, propaganda pessoal em larga escala, chamada "culto à personalidade", típica do nazismo-fascismo e do stalinismo, e ancestral do marketing político moderno. Por essa razão, no dia seguinte ao suicídio, milhares de pessoas saíram às ruas para prestar o "último adeus" ao “pai dos pobres”, chocadas com o que ouviram no noticiário radiofônico mais popular da época, o Repórter Esso. Enquanto isso, retratos de Getúlio eram distribuídos para o povo durante o dia.
A aliança elite-proletariado, criada por Getúlio, e modernamente recriada por Lula, tornou-se típica no Brasil, com a Aliança PTB-PSD, apoiada pelo clandestino PCB na fase de 1946-1964 e, atualmente, com a aliança PT-PP (de Maluf, Esperidião Amin e Delfim Neto, entre outros)-PMDB (de Sarney, Pedro Simon, Renan Calheiros, Jarbas Vasconcellos e outros)-Partido Republicano Brasileiro (Marcelo Crivella entre outros).
O estilo conciliador de Getúlio foi incorporado à maneira de fazer política dos brasileiros, e teve o maior adepto no ex-ministro da Justiça de Getúlio, Tancredo Neves que, obviamente, muito aprendeu com ele. Como conciliador, Getúlio reatou amizade e aliança com inúmeros políticos que com ele romperam ao longo dos 50 anos de vida pública. Uma só reconciliação jamais teria ocorrido: com o presidente Washington Luís. Getúlio Vargas teria sido, segundo algumas versões, o criador do populismo no Brasil, embora, na versão de Tancredo Neves, o populismo fosse uma deformação do getulismo.

HERANÇA ECONÔMICA E SOCIAL

A política trabalhista é alvo de polêmicas até hoje e foi taxada de "paternalista" por intelectuais de esquerda, que acusavam Getúlio de tentar anular a influência desta esquerda sobre o proletariado, desejando transformar a classe operária num setor sob controle, nos moldes da Carta do Trabalho (Carta del Lavoro) do fascista italiano Benito Mussolini. Os defensores de Getúlio Vargas contra-argumentam, dizendo que em nenhum outro momento da história do Brasil houve avanços comparáveis nos direitos dos trabalhadores. Os expoentes máximos dessa posição foram João Goulart e Leonel Brizola, sendo o último considerado o herdeiro político final do "getulismo". A crítica de direita, ou liberal, argumenta que, a longo prazo, estas leis trabalhistas prejudicam os trabalhadores porque aumentam o chamado "custo Brasil", onerando muito as empresas, criando emprego informal e gerando a inflação que corrói o valor real dos salários. Neste caso, o Custo Brasil faz com que as empresas brasileiras contratem menos trabalhadores, aumentem a informalidade, criando receio entre as empresas estrangeiras para investir no Brasil. Assim, segundo a crítica liberal, as leis trabalhistas gerariam, além da inflação, mais desemprego e subemprego entre os trabalhadores.
O intervencionismo estatal na economia, iniciado por Getúlio, só cresceu com o passar dos anos, atingindo o máximo no governo do Presidente Ernesto Geisel. Somente a partir do Governo de Fernando Collor foi iniciado o desmonte do estado intervencionista.
Segue a Parte 5