Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 27 de julho de 2011

BY THE SLEEPY LAGOON


Dando prosseguimento à nossa tarefa de, justamente, “dar a Cesar o que é de Cesar”, vamos mais uma vez exaltar uma dupla de autores maravilhosos, cujas músicas – ou a maior parte delas – são conhecidas de muita gente, mas os seus construtores, muito pouco conhecidos de todo o mundo.
Especificamente, desta feita estamos falando de "By the Sleepy Lagoon" - em português, "Na Calma Lagoa", uma “valsa/serenata” leve, para orquestra, criada pelo compositor britânico Eric Coates, no longínquo ano de 1930. No início de 1940 o letrista Jack Lawrence usou a versão para piano solo e adicionou-lhe letra, levando-a à Chappell, que havia publicado a melodia original. O Chefe do escritório da Chappell em New York, Max Dreyfus, ficou preocupado que a letra tivesse sido criada sem a autorização do autor, Coates, à época um famoso compositor clássico britânico e disse-lhe que ele “poderia ressentir-se pela manipulação de sua música”. Dreyfus também achou que a música seria melhor tratada como uma peça clássica ligeira do que como gênero popular. Posteriormente, no mesmo ano, Lawrence tentou contatar Coates pessoalmente, tarefa difícil visto que a Inglaterra encontrava-se em meio a Segunda Grande Guerra, mas, ao contrário dos temores de Dreyfus, Coates achou que a letra estava perfeitamente adequada à melodia, não acreditando que ela tivesse sido escrita para uma música já gravada. Com a aprovação de Coates, a letra foi adicionada à sua composição, transformando-a num padrão de música popular dos anos ’40 sendo, daí para a frente, publicada como uma colaboração entre Coates e Lawrence. Quando Lawrence mostrou a composição ao orquestrador Harry James, ela foi gravada como um grande sucesso, liberado pela Columbia Records, chegando ao quadro de mais vendidos da revista Billboard Magazine em 17 de abril de 1942, lá permanecendo por 18 semanas e alcançando o número 1. “By the Sleepy Lagoon” ainda é usada até hoje, para introduzir o programa de radio da BBC de Londres, “Desert Island Discs, que teve a sua primeira apresentação em 29 de janeiro de 1942.
O orquestrador Harry James, em 1943, um ano após ter gravado a versão de "Sleepy Lagoon"

Apresentamos, a seguir, a letra da música e a gravação de Harry James que fez tão estrondoso sucesso no ano de 1942, para que os leitores possam curtir a melodia "
By the Sleepy Lagoon" enquanto leem o restante do “post”.

SLEEPY LAGOON
Harry James
Words by Jack Lawrence, music by Eric Coates

A sleepy lagoon, a tropical moon and two on an island
A sleepy lagoon and two hearts in tune in some lullabyland
The fireflies' gleam reflects in the stream
They sparkle and shimmer
A star from on high falls out of the sky
And slowly grows dimmer
The leaves from the trees all dance in the breeze
And float on the ripples
We're deep in a spell as nightingales tell
Of roses and dew
The memory of this moment of love
Will haunt me forever
A tropical moon, a sleepy lagoon
And you

A inspiração para a composição da melodia surgiu quando Coates contemplava a praia de mar de Selsey, uma pequena cidade de West Sussex, que se projeta para o Canal da Mancha, em direção a Bognor Regis, para o leste. Seu filho Austin Coates relembra como foi:
Localização de Selsey em West Sussex, UK
Selsey enfrentando o Canal da Mancha

“A inspiração para a música veio de uma forma muita curiosa e não pelo que alguém poderia esperar. Meu pai se inspirou na vista de um morno e calmo anoitecer de verão através da “lagoa” da praia leste de Selsey em direção a Bognor Regis. É uma praia de seixos que conduz agudamente para baixo e o mar àquela hora apresentava-se com o incrível azul profundo do Pacífico. Foi aquela impressão, olhando para Bognor, que parecia rosa – quase como uma cidade encantada com o azul do Downs atrás dela – que deu-lhe a idéia para “By the Sleepy Lagoon”. Ele não a escreveu lá; ele apenas a rabiscou lá, como costumava fazer, a uma velocidade extrema e então simplesmente levou-a com ele de volta para Londres, onde ele a escreveu e orquestrou-a.”
Vários outros cantores famosos gravaram essa linda melodia. Apenas para citar os mais conhecidos entre tantos, mencionamos: Dinah Shore, Doris Day, Jula de Palma, The Platters e o Coro de Norman Luboff. A nível instrumental, podemos citar, além de James Harry, Glenn Miller, e o próprio Eric Coates, entre muitos. Como exemplo de gravação com interpretação vocal, apresentaremos o Coro de Norman Luboff (By the Sleepy Lagoon), para o deleite dos nossos leitores.

Eric Coates, nascido em 27 de agosto de 1886 e falecido em 21 de dezembro de 1957, foi um compositor inglês de música clássica ligeira e violista. Nasceu em Hucknall, Nottinghamshire, de William Harrison Coates, médico cirurgião e sua esposa Mary Jane Gwyne. Após estudar em casa com uma preceptora, Eric matriculou-se na Academia Real de Música, em Londres, onde recebeu aulas de viola de Lionel Tertis e estudou composição com Frederick Corder. A partir de 1910 ele tocou na Orquestra do Queen’s Hall som a regência de Henry Wood, tornando-se o primeiro violista em 1912, posto que manteve por sete anos. Falando numa entrevista de rádio à BBC em 1948, ele disse que lamentava dizer que fora despedido porque mandava gente para substituí-lo quando realizava seus trabalhos em outros lugares. E que Henry Wood pouco sabia da grande ajuda que lhe dera ao dispensá-lo dos seus serviços, porque daquele dia em diante nunca mais tocou em sua viola e pode dedicar todo o seu tempo para compor.
Placa comemorativa a Eric Coates e à peça "By the Sleepy Lagoon", em Selsey, West Sussex

Mas as composições de Eric Coates extrapolaram em muito a belíssima e romântica “Sleepy Lagoon”. Sua música, com simples e memoráveis melodias, mostraram ser particularmente efetivas como músicas de tema. Fez um enorme sucesso com “The Merrymakers”, em 1922, mas adquiriu maior popularidade com a “London Suite”, de 1933, cujo último movimento, “Knightsbridge”, foi usado pela BBC para introduzir seu programa de rádio “In Town Tonight” (Na Cidade, esta Noite). Assim como “Knightsbridge”, a BBC também usou “Calling All Workers”, de 1940, como tema do programa de rádio “Music While you Work”. “Halcyon Days”, o primeiro movimento de sua suíte “The Three Elizabeths”, peça originalmente escrita no início de 1940, foi posteriormente usada como celebração da coroação da Rainha Elizabeth II, atual monarca constitucional dos reinos do Commonwealth e usada como tema da popular série de TV da BBC, “The Foesyte Saga”, iniciada em 1967 e encerrada em 1969, embora Coates não tenha recebido créditos por isso.
Coates ficou também muito conhecido por sua contribuição à trilha sonora do filme “The Dam Busters” (no Brasil o filme foi apresentado com o título, “Labaredas do Inferno”), de 1954, quando foi responsável pela famosa marcha do título principal. Ele não estava querendo escrever a trilha completa quando solicitado pelos produtores do filme, mas aqueceu a idéia de escrever uma marcha adequada em torno da qual se desenvolveria o resto da trilha sonora do filme. Acabou submetendo uma peça que havia completado recentemente, de forma que a “Marcha Dam Busters” não foi propriamente composta com o filme em mente, mas a ele adaptou-se perfeitamente. Para a alegria dos leitores, apresentamos a execução de "The Dam Busters", com a BBC Concert Orchestra, conduzida por John Wilson.
Suas canções, algumas com letras elaboradas por Sir Arthur Conan Doyle, o famoso criador do detetive Sherlock Holmes, e Fred E. Weatherly são hoje menos lembradas, a despeito do seu sucesso inicial. Antes de voltar sua atenção aos trabalhos orquestrais ele já havia escrito cerca de 30 composições.
Entre seus primeiros admiradores, encontrava-se o célebre compositor clássico britânico, Sir Edward Elgar, autor da famosa “Pompa e Circunstância” entre tantas outras maravilhosas criações.
A autobiografia de Coates, denominada “Suite in Four Movements”, foi publicada em 1953, quatro anos antes dele morrer em Chichester, após sofrer um derrame cerebral.

Jack Lawrence, o letrista de “By the Sleepy Lagoon”, nascido Jacob Lewis Schwartz, de uma família de judeus ortodoxos, em 7 de abril de 1912, morreu a 16 de março de 1975 e era um americano do Brooklin que letrava melodias, tendo sido introduzido ao “Songwriters Hall of Fame” em 1975.
Lawrence letrava canções desde ainda criança, mas por pressão dos parentes que desejavam que concluísse o secundário, ele matriculou-se no “First Institute of Podiatry”, onde recebeu o grau de Doutor em 1932. No mesmo ano, a sua primeira canção foi publicada e ele imediatamente decidiu interromper a sua carreira de podólogo para dedicar-se apenas a escrever letras para melodias.
Durante a Segunda Grande Guerra, Lawrence alistou-se no Serviço Marítimo dos Estados Unidos e escreveu a canção oficial do Serviço Marítimo e da Marinha Mercante, como tenente, em 1943, em New York.
Enquanto ainda no serviço militar, Jack Lawrence escreveu a canção “Linda”, publicada em 1946, que tomou seu nome da filha de cinco anos de seu advogado Lee Eastman. Essa então menina, era Linda Eastman, a futura primeira esposa do Beatle Paul McCartney.
Na música popular foi responsável por vários sucessos interpretados por cantores que se tornaram mundialmente famosos. Um dos primeiros grandes sucessos de Jack Lawrence ao deixar o serviço militar foi “Yes, My Darling Daughter” introduzido por Dinah Shore no programa de rádio de Eddie Cantor e sua primeira gravação. Sua canção “If I Didn’t Care” – essa eu ainda dancei muito em meus tempos de adolescente - apresentou ao mundo “The Ink Spots”, um grupo vocal que iniciou ao final da década de ’30 e muito ajudou a definir o gênero musical que conduziu aos “blues” e ao “rock and roll”, encerrando suas atividades em 1964. Finalmente, embora Frank Sinatra já fosse bem conhecido como cantor de grandes orquestras, a música de Lawrence “All or Nothing at All” deu a Sinatra seu primeiro sucesso como cantor solo.
Lawrence também escreveu a letra de “Tenderly” (Ternamente), a canção que se tornou a marca registrada de Rosemary Clooney (em colaboração com o compositor Walter Gros). Realizou uma maravilhosa incursão na música popular francesa, elaborando a letra, em inglês, para a música internacionalmente conhecido “La Mer”, do compositor francês Charles Trenet, com o título “Beyond the Sea” (Além do Mar), que se tornou a marca registrada do cantor americano Bobby Darin (apreciem "Beyond the Sea" com Bobby Darin).
Outra canção francesa para a qual Lawrence escreveu letra inglesa foi “La Goualante de Pauvre Jean” (1954), de René Rouzaud e Marguerite Monnot, interpretada por Edith Piaf e Yves Montand. O leitor não se recorda dessa? Entretanto, quem teve sua adolescência nas décadas de ’50 e ’60 e não dançou ou se recorda do lindo “fox” “Os Pobres de Paris”, que na letra de Lawrence tornou-se “The Poor People of Paris?
Jack Lawrence morreu com a idade de 96 anos, após sofrer uma queda em sua casa de Redding, Connecticut, USA, em 16 de março de 2009.
E assim termina a história de mais uma dupla desses compositores maravilhosos, que nos animam a vida e a alma, e por não serem referenciados nem sequer os conhecemos e os ligamos às suas obras tão interpretadas e ouvidas.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (12) (Vigésima Parte)

NOVOS ELEMENTOS SOBRE O ARTHUR HISTÓRICO

Mais modernamente, muitos autores escreveram sobre o mesmo tema, procurando de todas as formas separar a história da lenda. Alguns, com má disfarçada intenção de demonstrar que o Rei Arthur realmente existiu, cercado de todo o mito com que hoje nos é apresentado, pesquisa que, de fato, até agora ainda não apresentamos. Seria impossível apresentar e discutir todos esses autores, razão pela qual vamos apenas discutir alguma coisa de uma dupla deles.
Em 1992, Graham Phillips e Martin Keatman publicaram um trabalho denominado “King Arthur – The True Story” (O Rei Arthur – A Verdadeira História), em que realizaram um profundo trabalho de pesquisa sobre o personagem e o mito, estudando durante muito tempo todas as obras mencionadas em nossa publicação, além de um sem número de outras pesquisas realizadas anteriormente por outros estudiosos do assunto. Gostaríamos de tocar em um ponto, que nos parece muito importante, do personagem Arthur, que é justamente a sua possível origem e a sua localização geográfica.
A tribo dos Votadini, já mencionada quando apresentamos as tribos nativas da Britain - gostaria de lembrar aos leitores que o nosso blog possui um mecanismo de busca ou pesquisa, que pode ser acionado sempre que os leitores tiverem interesse em algum assunto passado -, durante o domínio romano, era a tribo do norte mais favorável aos romanos, porque seu reino situava-se dentro de uma área que, de fato, nunca foi nem romana nem pictish, entre as Muralhas de Adriano e Antonina. Como já vimos anteriormente, a palavra Pict não denota uma tribo particular, mas era um termo romano – que significava “homens pintados” – usado para referir-se a qualquer das tribos British que ficasse fora dos limites do Império. Os Votadini e os Romanos mantinham ótimas relações: os romanos oferecendo-lhes apoio contra os hostis Picts e os Votadini ajudando os Romanos a policiarem a zona de conflito entre as duas muralhas.
Assim que as legiões romanas abandonaram a Britain, os Votadini passaram a sofrer ataques em três frentes: os Angles atacando sua linha costeira, os Picts saqueando do norte e os Scotti (da Ireland) tentando a invasão pelo oeste. Foram os Votadini, certamente, notáveis guerreiros, pois conseguiram suportar o assédio das forças combinadas até o início do século VII. Em consequência, não teria sido difícil, para Ambrosius, convencer os Votadini a se estabelecerem a noroeste de Wales, para contar com o seu apoio contra os Irish. A colonização do noroeste de Wales pelos Votadini, na segunda metade do século V, é comprovada por evidência cerâmica daquela tribo, descoberta em Gwynedd, o reino que teria sido então criado por seu líder Cunedda, durante o período de Ambrosius. A migração dos Votadini é também reconhecida pela Historia Brittonum, do Welsh Nennius, e pelos Annales Cambriae, como um evento histórico, apresentando enorme importância no que se refere ao levantamento da linhagem de Arthur. Teria o pai de Arthur sido um dos Votadini, talvez o seu próprio líder Cunedda ou um de seus filhos?
Gwynedd era, sem dúvida, o mais poderoso reino à época de Gildas (em torno de 545) - o que torna razoável supor que fosse um legado de Arthur – sendo quase certo admitir que Ambrosius daí emergiu; e como Arthur aparece como sucessor de Ambrosius e não um seu usurpador, tudo indica que fosse também do mesmo reino. Isso não conflitaria com o nome do pai de Arthur, segundo Geoffrey of Monmouth, em sua Historia Regum Britanniae, Uther Pendragon, considerando que este fosse um título e não o seu próprio nome, significando “terrível dragão chefe”. Além disso, Nennius menciona que Arthur não era um rei British, embora “um igual dos reis British”, uma descrição que caberia a um rei dos Votadini que, embora não bretões, eram um povo confiável, com inimigos comuns. Sendo Arthur um Votadini, seria um comandante em chefe ideal das forças British, vindo de uma raça de guerreiros com muita experiência original na luta não apenas contra os Anglo-Saxons, mas também contra os Scotti e os Picts e, mais importante que tudo, teria permanecido alheio às disputas que sempre haviam dividido os povos naturais da Britain.
Localização do Reino de Gwynedd, noroeste de Wales

Uma outra forte evidência de que Arthur era um dos Votadini de Gwynedd, vem daquela que pode ser a mais antiga de todas as referências Arthurianas, um antigo poema chamado Gododdin, aceito como composto ao final do século VI, originário dos Votadini e tratando de um grupo de guerreiros estabelecido no extremo norte para lutar contra os Anglo-Saxons. Em uma passagem o poeta louva a coragem de um herói que, embora lutando bravamente, “não chegava próximo de Arthur”, certamente indicando que ele era um membro estimado da mesma tribo.
Agora, se Arthur era da casa real de Gwynedd, porque o seu nome não aparece registrado nas genealogias? Possivelmente pela mesma razão que Vortigern e Uther, o nome Arthur teria sido apenas um título ou apelido. Na língua Brythonic, a primeira sílaba Arth significava urso, sendo prática comum à época, os senhores da guerra Celtic assumirem um nome de batalha de um animal. Inscrições remanescentes do século V atestam que os reinos pró Britain falavam o Brythonic, ao passo que simpatizantes dos romanos continuavam a falar o Latim. A palavra ursus, em latim, significa urso, o que indica que o seu título original possa ter sido Arthursus, mais tarde abreviado para Arthur. Ou seja, o líder de Britons divididos, para personificar a unidade, poderia ter adotado um nome formado pelas duas línguas, significando a mesma palavra “Urso”.
Em um discurso sobre Cuneglasus, primo de Maglocunus, Gildas, em sua obra já mencionada “De Excidio et Conquestu Britanniae”, o chama de condutor da “Fortaleza do Urso”. Como Cuneglasus era um rei de direito, ao tempo em que Gildas escrevia (cerca de 545), a passagem implica que ele estava no comando do que tinha sido, uma vez, a fortaleza do Urso, isto é, a capital do comando de Cuneglasus parece ter sido a fortaleza de Arthur. Ao tempo de Gildas, cinco reinos eram suficientemente poderosos para terem sido o reino de Cuneglasus, mas três deles podem ser descartados porque Gildas deixa muito claro por quem eram eles governados. Como um deles era Gwynedd, parece que, embora Arthur tenha se originado aí, ao tempo em que se tornou líder dos Britons, tivesse estabelecido sua base em outro lugar, restando apenas Gwent ou Powys para o reino de Cuneglasus. Como Powys limita com Gwynedd (ver mapa acima) e as inscrições e genealogias do período mostram que a família de Cunedda governava lá, tudo indica, que Powys seria a fortaleza de Arthur, o que possui senso histórico: o reino de Powys, fortaleza de Vortigern, líder da tribo vizinha dos Cornovii, teria sido conquistada pelas forças de Gwynedd, sob a liderança de Ambrosius.

Localização de Viroconium, nos limites entre Wales e England
As incursões dos invasores germânicos do leste, dos Picts ao norte e dos Irish ao oeste, enfraqueceram consideravelmente as fronteiras das tribos costeiras, fazendo com que a posição central dos Cornovii lhes tenha propiciado uma posição estratégica única de resistência, após a partida dos romanos, muito antes de todos os seus vizinhos, como reino autônomo. Foi assim que Vortigern tornou-se o chefe supremo das várias tribos satélites que se uniram à sua própria tribo, os Cornovii, constituindo o reino de Powys, cuja capital permaneceu sendo a antiga cidade romana de Viroconium, a quarta maior cidade da Britain romana. Situada no atual condado de Shropshire, tudo o que resta hoje de Viroconium, antiga metrópole com ruas calçadas, abastecimento de água e sistemas de drenagem, suas próprias cortes de justiça, mercado e outros prédios públicos, são ruínas descansando em terras agrícolas, muito próximas da diminuta vila de Wroxeter, a sudeste de Shrewsbury.

Vista aérea das ruínas de Viroconium, muito próximo de Wroxeter
Uma extensa escavação arqueológica iniciada ao final da década de 1960, mostrou que durante a primeira metade do século V a cidade de Viroconium foi totalmente reconstruída, de maneira altamente sofisticada, o que só poderia ter sido alcançado a custos altíssimos e com poderosa liderança. A época e local batem exatamente com o que se sabe sobre Vortigern, consubstanciando os escritos de Gildas, Bede, Nennius e as Crônicas, que registraram a existência do poderoso líder na Britain após o período romano. Além disso, evidência de que os Votadini governaram Viroconium ao final do século V é fornecida por uma lápide, datada de 480 DC e encontrada nas escavações de 1967, com o nome Cunorix, carregando o prefixo “Cun”, da família Cunedda. Finalmente, as escavações mostraram ainda que a cidade não foi abandonada em favor de um local mais seguro, até cerca de 520 DC, tendo permanecido como a capital do reino de Powys até essa data. Nesse caso é seguro admitir que, se a fortaleza de Arthur tivesse sido Powys, então Viroconium teria sido a sua capital, ou a Camelot real.

Ruínas em Viroconium (2)
Ruínas de casa de banhos em Viroconium (1)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (11) (Décima Nona Parte)

A HISTÓRIA DE ARTHUR E SEUS CAVALHEIROS (2)

Como introdução a este “post”, para reavivar a lembrança dos nossos leitores, apresentaremos um breve resumo do que aconteceu até aqui.
Os britons (bretões), povo de origem celta, habitantes da Britain (Bretanha), viviam em tribos rivais entre si, liderados por um chefe ou rei. Por sua falta de unidade política, essa população celta sofreu conquistas sucessivas.
No século I foram invadidos pelos romanos, que pouco interferiram na cultura celta, mas protegeram os bretões de outros atacantes, apesar de terem perseguido os druidas.
Com o fim da dominação romana, no início do Século V, os bretões passaram a sofrer ataques de outros povos que pretendiam conquistar a Ilha: Scots (da Ireland), Picts (da Scotland) – povos também de origem celta com os quais os bretões sempre estiveram em conflito - e os Anglo-Saxon que conseguiram dominar a Bretanha no Século VI.
No Século XI viria a ocorrer a invasão Norman (Normanda), a última em grande escala que acometeria a Ilha.
A fonte latina mais antiga sobre os bretões (540 DC) é a obra “De Excidio et Conquestu Britanniae” - “Sobre a Destruição e Conquista da Bretanha” -, do clérigo bretão Gildas, cujo objetivo principal foi chamar a atenção para os pecados morais do povo, razão principal da sua decadência. O autor menciona a vitória dos bretões no Monte Badon, contra os anglo-saxon, atribuindo-a ao descendente de romanos Aurelius Ambrosius, sem mencionar uma só vez o nome de Arthur.
A “Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum” – “História Eclesiástica da Nação Inglesa” -, (731 DC), do monge saxon nascido na Bretanha, o Venerável Bede, exerceu grande influência por toda a Idade Média, mas também nunca mencionou o nome de Arthur.
A “Historia Brittonum” (História da Britain), cerca de 800 DC, do historiador Nennius, foi a primeira fonte latina a mencionar o nome de Arthur, apresentado com “dux bellorum” (senhor das guerras). Segundo Nennius, Aurelius Ambrosius, enquanto ainda jovem, teria tido com Vortigern um encontro e aí lhe teria revelado seu nome e também ser filho de um Cônsul Romano (certamente Constantine, também pai de Constans e Uther Pendragon, futuro pai de Arthur). Também a morte de Vortigern e a morte de Vortimer, seu irmão, são narradas por Nennius. Logo em seguida, surge a figura de Aurelius Ambrosius já adulto e denominado de Grande Rei entre os Reis da Britain. E surge, finalmente, a figura de Arthur e Nennius narra, de imediato, as doze batalhas contra os saxões vencidas pelos bretões sob o seu comando, culminando com a Batalha de Monte Badon - um lugar talvez em Sussex ou, possivelmente, próximo de Bath, embora haja muitos candidatos à sua localização -, batalha que teria retardado o avanço Saxon por meio século, pelo menos. Nennius nada comenta sobre a morte de Arthur.

Solsburi Hill, um Forte de Colina da idade do Bronze e uma das possíveis localizações da Batalha de Monte Badon, segundo Gildas e Nennius, condado de Somerset
 
Condado de Somerset na England
 A “Anglo Saxon-Chronicle” – Crônica Anglo Saxon – foi originalmente compilada sob as ordens do Rei Alfred, o Grande, cerca de 890 DC e subsequentemente mantida por gerações de escrivães anônimos até meados do Século XII, na língua Anglo-Saxon (Old English). Considerada como um todo, a Chronicle é a fonte histórica mais importante para o período da England entre a partida dos Romanos e as décadas que se seguiram à conquista Normanda, sendo que a maior parte da informação nela fornecida não é registrada em qualquer outro lugar. Infelizmente, a Chronicle, em lugar algum faz qualquer referência ao nome de Arthur, visto que o seu objetivo principal era exaltar os feitos Anglo-Saxon.
Por volta de 950 DC, os “Annales Cambriae” (para quem tiver maior interesse, seguir o link) confirmam as vitórias de Arthur e afirmam que Arthur e Mordred teriam morrido na Batalha de Camlan. É a primeira menção do que se tornará mais tarde a última batalha entre Arthur e Mordred, sem que se saiba se, para os autores dos “Annnales Cambriae”, os dois eram adversários e mataram um ao outro, como contará Geoffrey de Monmouth, ou se morreram lutando juntos.
Somerset onde se encontra Solsbury Hill, na Vila de Batheaston, próximo a Bath

A obra de William of Malmesbury (siga o link para uma curta biografia), “Gesta Regum Anglorum” – “Os Feitos dos Reis dos English” – também apresenta Arthur como o guerreiro vencedor da batalha de Monte Badon. Menciona o túmulo de Walwen (Sir Gawain), sobrinho de Arthur, mas diz que o seu túmulo não foi encontrado e escreve, literalmente: “como o túmulo de Arthur não é encontrado em lugar algum, as velhas lendas dizem que ele voltará”. À época em que William escrevia a sua Gesta, cerca de 1125 DC, havia uma grande quantidade de contos Arthurianos sendo oralmente espalhados por todo o país. William menciona o fato e, bem mais sensatamente, simplesmente os descarta como puro mito. O trabalho de William é provavelmente a primeira vez em que os contos Arthurianos foram reunidos e a última vez em que o folclore foi separado do que era então aceito como fato histórico. A Gesta identifica Arthur na ajuda a Ambrosius Aurelianus na luta contra os Anglo-Saxons e refere ao seu triunfo na batalha de Monte Badon, onde Arthur portava a imagem da Virgem Maria por toda a batalha. Como William não menciona Camlann, suspeita-se que ele não tenha consultado os Annales Cambriae, seu contemporâneo, ao passo que Geoffrey certamente o fez.
A obra que realmente favoreceu a difusão das lendas Arthurianas na Europa Ocidental, foi a “Historia Regum Britanniae” – História dos Reis da Britain - (escrita entre 1135 e 1138), do clérigo Geoffrey of Monmouth. Na verdade o texto mistura ficção com história, mas cita as obras de Gildas, Bede e Nennius. O objetivo maior da obra foi a exaltação dos “britons”, criando uma genealogia que exaltasse e legitimasse a nobreza British , identificando-a à Normanda, como sua continuadora, através do seu representante mais legítimo que seria Arthur. Esse personagem briton portava elementos pagãos e cristãos: uma espada – Caliburn (Excalibur) –, forjada no outro mundo, e um escudo – Pridwen – a quem sempre apelava nas batalhas, contendo a imagem da Virgem Maria. Até então invencível, Arthur é mortalmente ferido por seu sobrinho Mordred – que é morto por ele – indo à Ilha de Avalon para curar seus ferimentos. A “História dos Reis da Britain” é composta por doze Livros. Do Livro VIII ao Livro XI, Geoffrey faz um relato completo sobre Aurelius Ambrosius, a continuação do seu reinado sob seu irmão Uther Pendragon e o nascimento de Arthur e sua irmã Anne, de Uther Pendragon e sua esposa Igerna. Aqui ele relata um episódio interessante sobre como Uther teria se apaixonado por Igerna, esposa de Garlois, Duque da Cornwall, e como sendo impossível concretizar seus desejos por ela, Merlin o teria transformado, por mágica, à semelhança de Garlois e assim ele teria feito amor com Igerna, de onde teria nascido Arthur e Anne. Posteriormente, com a morte de Garlois, Uther se casaria com Igerna. Geoffrey também relata como Arthur teria sucedido a Uther Pendragon, com a idade de apenas 15 anos, mas “uma juventude com coragem e generosidade tão sem paralelo, unida com uma tal doçura de temperamento e bondade inata, que lhe granjearam um amor universal”.
A obra de Geoffrey of Monmouth também cita, textualmente, a Ilha de Avalon e a espada Excalibur (Caliburn): “E então, cingindo sua Caliburn, que era uma espada excelente, feita na Ilha de Avalon, ele agraciou seu braço direito com sua lança, que era forte, longa e adequada para matar”. Além disso, em certo ponto de sua narrativa menciona também as figuras de Mordred e de Guinevere (Guanhumara). Mordred como sendo seu primo, filho de Aurelius Ambrosius, a quem teria deixado encarregado do governo do reino quando seguindo para uma de suas batalhas, e Guanhumara com sendo a sua esposa descendente de uma nobre família de romanos, educada pelo Duque Cador e considerada como de uma beleza não ultrapassada por nenhuma outra mulher. Mais tarde ele demonstraria os desencontros de Arthur com Mordred, através do texto: “Mas no início do verão seguinte, quando seguia para sua marcha contra Roma, iniciando a passagem pelos Alpes, Arthur teve notícias de que seu sobrinho Mordred, sob cujo cuidado havia deixado a Britain, havia, por práticas tirânicas e traiçoeiras, colocado a sua coroa sobre a sua própria cabeça, e que a rainha Guanhumara, violando seu primeiro casamento havia, pecaminosamente, se casado com ele.
Todas as conquistas de Arthur, que incluem Iceland, Dinamarca, França e uma guerra prolongada contra os romanos, da qual sai vencedor, são então detalhadamente narradas, até a sua luta contra Mordred, em que o mata, mas é por ele ferido mortalmente, sendo transportado à Ilha de Avalon para ser curado de suas feridas. E transfere o controle do seu reino a Constantine, Duque da Cornwall, no ano de 542 DC.
O primeiro dos trabalhos de Monmouth foi “As Profecias de Merlin”, que apareceu, primeiro, independentemente, e depois incorporado à “História dos Reis da Britain”. Essa obra consistiu, basicamente, de uma série de obscuras declarações proféticas atribuídas a Merlin, segundo ele, traduzida de língua não especificada. A sua “História” é o primeiro trabalho que apresenta uma ligação entre Merlin e o Rei Arthur. Monmouth ainda teria escrito outra obra, intitulada “A Vida de Merlin”, também composta em latim, em torno do ano 1150 DC, em que ele reconta incidentes da vida do mago bretão, baseada em material tradicional. No texto, Merlin é descrito como um profeta, muito mais fiel às tradições Welsh sobre Myrddin Wilt, o original que teria inspirado a complexa figura de Merlin criada por Monmouth; e o trabalho é o primeiro a apresentar a feiticeira Arthuriana, Morgan le Fay, como Morgana.