Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 29 de maio de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (9) (Décima Sétima Parte)

CONSOLIDAÇÃO DO DOMÍNIO ANGLO-SAXON
A história do Rei Arthur se confunde com o início da dominação anglo-saxon na Britain. Por essa razão, iniciaremos a sua narrativa, pelo rei bretão Vortigern, o grande facilitador da entrada dos invasores anglo-saxon.

O REI VORTIGERN VORTENEU
As estimativas sobre o período em que Vortigern teria reinado na Britain, variam drasticamente: possivelmente em torno de 425 DC, talvez cerca de 440-445 DC. Ele pode ter sido um “alto rei” e Vortigern pode não ter sido o seu nome, mas apenas um título significando “over king” (um rei superior). De acordo com fontes disponíveis, Vortigern era um homem fraco e de pouco caráter, com poucas qualidades pessoais comprovadas. Sendo essas fontes corretas, é difícil imaginar que sua ascensão ao trono tenha sido por aclamação dos membros do conselho reinante na Britain, sendo mais fácil acreditar que ele assumiu o poder por força de traição e crimes.
Em sua “História dos Reis da Britain”, Geoffrey of Monmouth (para uma curta biografia de Geoffrey of Monmouth, siga o link) fala de um rei Constantine, com três filhos: Constans, Aurelius Ambrosius (Ambrosius Aurelianus da história real) e Uther Pendragon (o lendário futuro pai do rei Arthur). Segundo Geoffrey, Constantine foi assassinado por um pictish, deixando seu filho mais velho, Constans, como rei.
Vortigern teria achado seu caminho casando-se com Severa, a filha do herói nacional e antecessor de Constantine, Magnus Maximus, e se instalado como conselheiro do rei Constans, então muito jovem; em seguida teria conspirado para matar o jovem rei. Com o rei fora do caminho e sendo Aurelio Ambrosius e Uther Pendragon apenas bebês, sem qualquer poder para frustrar seus projetos, Vortigern deteve para si a coroa. Felizmente para os jovens irmãos, eles teriam sido agasalhados e enviados à corte de seu primo, Budic I, na Brittany (região noroeste da França).
De acordo com a “Historia Brittonum” de Nennius, Vortigern subiu ao poder sob três fortes ameaças: os Picts e Scots, uma nova invasão romana e o temível Ambrosius. O medo dos Picts e Scots era perfeitamente natural uma vez que as defesas British do norte eram ineficazes e em total desordem. O medo de uma invasão romana sugere uma grande paranoia da parte de Vortigern – já que os romanos há anos não tinham presença na Britain – ou que havia uma boa razão para se preocupar com o reaparecimento de soldados romanos nas costas da Britain, das quais somos hoje ignorantes. O medo de Ambrosius teria fatais consequências, em alguns anos, já que ele era ainda jovem para reações imediatas. Mesmo com o apoio de seus cunhados, então poderosos governantes em Wales, o poder de Vortigern no país era ainda inseguro, piorando com a morte de Severa.
Para ajudar na defesa contra os ataques crescentemente brutais das tribos do norte, Vortigern autorizou o uso de mercenários Saxon e Jutish, liderados pelos príncipes Hengist e Horsa, que chegaram com uma pequena frota, em Kent, através da mesma prática adotada pelos romanos, qual seja, a cessão de terras para assentamentos em troca dos seus serviços. E assim foi feito.
A estratégia anti Pict/Irish adotada por Vortigern provou ter sucesso, dado que essas tribos nunca voltaram a ser problema e os arranjos entre os Saxons e Vortigern foi agradável por algum tempo. Contudo, mais tarde, os saxons mais uma vez enganaram Vortigern: bêbado durante uma celebração, Vortigern apaixonou-se por Rowena, filha de Hengist que lhe concedeu casar-se com ela se lhe entregasse o sub-reino de Ceint (Kent), com o que ele concordou. As Crônicas Anglo-Saxon registram a ascenção de Hengist ao trono de Kent em 455 DC e embora registre também a fuga dos Britons daquele reino para o de London, provavelmente refere-se a um exército e não a um povo. Os invasores, Jutes, chamaram a capital do novo reino de Canterbury, o burgo do povo do Cantii.
Localização de Canterbury no Reino de Kent

O Reino de Kent na England
 


















VORTIMER E AMBROSIUS AURELIANUS
Ameaçado pela traição de seus patrícios, Vortimer, o filho mais velho de Vortigern, declara-se um líder British rival, forma um exército e, por um curto período, consegue impedir o avanço saxon; contudo, ferido em batalha, é envenenado por sua madrasta. De sua base fortificada, os saxons então demandam mais alimentos e roupas para suprir o número sempre crescente de soldados, o que Vortigern recusa; a resposta não é aceita pelos saxons, que rasgam a terra, deixando devastação por onde passam. Muitos morrem nas batalhas que se seguem, entre eles, Horsa e o filho de Vortigern, Catigern. Finalmente Hengist pede por uma conferência de paz em Salisbury Plain, dizimando os British onde estavam, assim que chegam. Essa atitude dos Saxons resultaria em várias gerações de guerra contra os Britons.
Desiludidos, os British finalmente se rebelam contra o alto-rei. Ambrosius Aurelianus, retornando do seu exílio na Brittany e agora transformado num jovem corpulento, toma seu lugar nos eventos da época, para liderar o seu conflito. Merlin lhe teria legado o sítio montanhoso onde Vortigern não havia logrado construir o seu castelo e lá constrói seu forte de Dinas Emrys. Vortigern refugia-se no reforçado forte de colina de Ter’r Ceiri em Yr Eifl (Os Rivais), em Lleyn, mas Ambrosius persegue-o e expulsa-o para o sul, via Nant Gwrtheyrn e o mar, para Ergyng e um castelo de madeira no velho forte de colina de Caer-Guorthigirn. Aí o castelo teria sido atingido por um raio e Vortigern queimado até a morte. Posteriormente ele teria sido enterrado em uma pequena capela em Nant Gwrtheyrn.
Com isso, passa para Ambrosius Aurelianus a tarefa de impedir o avanço dos saxons, como líder da facção pro-romana na Britain. Logo (460-470 DC) ele tem o completo controle da Britain, liderando os britons por anos de luta contra os saxons.
Assim, o primeiro reino Anglo-Saxon na Britain, foi na verdade um reino Anglo-Celtic, povoado por Anglo-Celtas. A dinastia fundada por Hengist, durou por três séculos, mas apenas trinta anos passados de sua chegada, outro líder chamado Aelle veio para estabelecer-se, tornando-se o líder dos South-Saxons no reino chamado Sussex. Outros reinos surgiram: Essex, o dos West-Saxons, Middlesex, o dos Middle-Saxons e Wessex, dos West-Saxons, este destinado a tornar-se o mais poderoso de todos e que acabaria por reunir os diversos povos da England (nome vindo dos Angles) em uma só nação. Nossa história não pretende avançar tanto.
A partir do ano 460-470 DC, além das fontes já mencionadas de Gildas, Bede e Nennius, tudo com que podemos contar, sobre a história da Anglo-Saxon Britain, para o objetivo que nos interessa, são linhas esparsas, fornecidas pela “Anglo-Saxon Chronicle”. Trata-se de um relato de autor desconhecido, elaborado por ordem do Rei Alfred, O Grande, aproximadamente pelo ano 890 DC.
Após a morte de Vortigern, Ambrosius mostrou-se conciliatório com relação aos seus filhos e deixou-os manter suas propriedades em Buelt, Gwerthrinyon, Gwent e Powys. A despeito dessa magnanimidade, o rei Pasgen, de Buelt e Gwerthrinyon, mais tarde rebelou-se contra Ambrosius e duas vezes tentou destruir a Britain, com ajuda dos Saxons e Irish. As principais forças Anglo-Saxon haviam se retirado ao norte do Humber e Ambrosius encontrou Hengist na batalha em Maesbeli e então Conisburgh (Caer-Conan). Mais tarde ele sitiou Octa e Osla em York (Caer-Ebrauc). Todos foram derrotados, mas Ambrosius deixou-os assentar o seu povo em Bryneich (Bernicia).
Apenas para constar, Geoffrey of Monmouth (do qual ainda muito falaremos) conta que Ambrosius teria construído um monumental círculo de pedras, o “Círculo do Gigante” (possivelmente Stonehenge ou Avebury), no Monte Ambrius, como um memorial aos massacrados pelos Saxons na “Noite das Longas Facas”, durante o reinado de Vortigern. O próprio Ambrosius teria sido enterrado aí após ser envenenado por um Saxon em Winchester.
Ambrosius foi, certamente, uma figura histórica, como registrado por seu narrador contemporâneo próximo, São Gildas. Em sua “Sobre a Ruína e Conquista da Britain”, o monge descreve como os Saxons violentaram o país antes de retornar para casa:
“Os sobreviventes (dos British) ... pegam nas armas e desafiam seus vencedores à batalha, sob Ambrosius Aurelianus. Era um homem de caráter modesto que, sem par na raça romana, teve a sorte de sobreviver à tempestade em que seus pais, pessoas sem dúvida vestidas de púrpura, haviam sido mortos. Sua descendência em nossos dias grandemente degenerou da sua nobreza ancestral. Depois daquele tempo, os cidadãos foram algumas vezes vitoriosos, algumas vezes o inimigo ... até o ano do Cerco do Mons Baudonicus”.
Adicione-se a isso os comentários do cronista do século IX, Nennius, que, alinhado com Geoffrey, registrou Ambrosius como um dos principais pavores de Vortigern. Nennius também descreve Ambrosius como um jovem sem um pai, chamado a auxiliar Vortigern. Ele amarra o período admitindo que o reino de Vortigern começou, pelo menos, em 425 e que Ambrosius lutou em Guoloph, doze anos mais tarde. Isso é muito interessante porque cria um grande problema. Muita gente considera a referência de Gilda a Mons Badonicus para deduzir que foi Ambrosius, e não o Rei Arthur, o comandante da famosa batalha de Monte Badon, a vitória decisiva British sobre os Saxons, em torno de 495-500. No ano 495, Ambrosius teria, pelo menos 74 anos de idade e seria, de fato, difícil imaginar um homem desse período vivendo até essa idade, deixado só a brandir uma pesada espada como as da época, conduzindo uma carga a cavalo contra as posições dos Saxons. Nesse caso, qual seria a solução?
Não há uma solução definitiva, mas alguns resolveram o problema postulando dois homens chamados Ambrosius: o mais velho, que apavorava Vortigern e o mais moço, herói da resistência British da segunda metade do século V e o vitorioso de Mount Badon. Isso é certamente possível, visto que havia muitas pessoas com o mesmo nome naqueles dias; por que não dois Ambrosii?
Entretanto, a mais provável possibilidade, é que havia apenas um Ambrosius. Arthur poderia, nesse caso, ter sido o real comandante da vitória de Mount Badon; ou, talvez, “o grande rei entre os reis da nação British”, Ambrosius Aurelianus, pudesse ter sido o idoso comandante supremo do batalha, deixando a função de líder da linha de frente da batalha para um homem mais jovem, que poderia ser Arthur.
Após a batalha de Monte Badon, cerca do ano 500 DC, teriam transcorrido quarenta e quatro anos de relativa paz, durante cujo período, os bretões dividiram-se em cinco ou mais reinos tribais na região ocidental.
Enquanto isso os reinos e a instabilidade aumentavam entre os anglo-saxões no Leste. Por sua vez, os jutes, a partir de Kent, tomavam a ilha de Wight. Só em 570 DC haveria uma nova forte invasão dos anglo-saxons.


A ilha de Wight no contexto da England e vista em detalhe, ao lado.









Daí para a frente, a dominação anglo-saxon se consolidaria com reis de várias dinastias se sucedendo, no prosseguimento, mais ou menos uniforme, da História da Britain, que poderá ser acompanhada pelas várias fontes citadas até aqui e outras não citadas, embora muito conhecidas; entretanto, adentrar essa área estaria fora do interesse principal do nosso trabalho.
Importante, entretanto, para o nosso assunto, embora tenha ocorrido muitos anos depois dos acontecimentos relatados, foi o importante acontecimento do ano 1066 DC, em que ocorreu a grande Invasão Normanda, que encerraria o período de dominação anglo-saxon e iniciaria, segundo muitos historiadores, a última invasão em grande escala da Britain. É também muito importante aqui lembrar, que esses invasores, embora não franceses em sua origem, partiram de uma região ao norte da França, denominada, até hoje, Normandia e eram formados por povos de origem escandinava ou vikings. Mencionada aqui, apenas de passagem, partiríamos de imediato ao nosso assunto principal, deixando aos mais interessados  - mas desta feita eu realmente recomendo uma olhada nesse texto - o “link” para uma rápida abordagem da Invasão Norman (para conhecer mais sobre a "Norman Invasion" ou Invasão Normanda, clique no link).

domingo, 22 de maio de 2011

WHAT A DIFF'RENCE A DAY MADE (QUE DIFERENÇA FEZ UM DIA)

Abraço com o maior prazer essa causa: resgatar, sempre que possível for, os compositores dessas músicas maravilhosas que escutamos por todo o mundo sem que a sua autoria seja revelada. Aí está uma coisa que nunca entendi, a razão por que o intérprete de uma dada melodia é sempre mencionado e o seu autor raramente o é. Por que o intérprete deveria ter mais importância ou valor do que o autor de uma composição?
Ontem, ouvindo mais um dos meus antigos discos de vinil, acabei saindo em busca de uma interpretação instrumental de uma música muito conhecida, embora muito antiga, para incorporar ao meu modesto acervo de composições em meio magnético. Como essa especial melodia já foi gravada até pelo atual e conhecido Rod Stewart, imagino que, embora muito antiga, muita gente que aprecia a boa música, possa conhece-la: What a Difference a Day Made. Por outro lado, aqueles que já passam dos cinquenta anos de idade e gostavam de dançar boleros nas décadas de 50’ e 60’, hão de se lembrar, com certeza, do título Cuando Vuelva a tu Lado. Entretanto, o que muitos podem não saber é que essas duas são, essencialmente, a mesma canção: uma música belíssima composta por um mesmo compositor e adaptada por um terceiro personagem que a letrou em inglês, na sua versão do espanhol. E o mais triste de tudo, é que pouquíssima gente saberá que a compositora dessa linda melodia é uma mexicana chamada María Méndez Grever. Que grande injustiça cometem os divulgadores, pelo menos no Brasil, dos milhares de músicas que diariamente são executadas em todas as rádios e em todos os outros lugares onde músicas podem ser ouvidas!
María Joaquina de la Portilla Torres, filha do espanhol de Sevilla, Francisco de la Portilla e de sua esposa mexicana Julia Torres, nasceu na província de Guanajuato, México, em 16 de agosto de 1894. Estudou no Colégio do Sagrado Coração e desde menina recebeu educação musical, tendo feito sua primeira composição – segundo um artigo do New York Times - com quatro anos de idade: uma canção natalina com versos escritos por ela mesma.
Aos seis anos transferiu-se para Sevilla, Espanha, lugar de origem de seu pai. Logo viajou para Paris onde teve aulas com os compositores clássicos Claude Debussy (francês) e Franz Lehár (austríaco). Este último sugeriu-lhe que não se sujeitasse jamais à técnica musical, mas que conservasse a sua espontaneidade.
Regressando ao México, com a idade de doze anos, Maria ingressou na escola de canto de sua tia Cuca Torres e em 1916 estabeleceu-se em New York onde conheceu aquele que seria o seu esposo, no mesmo ano, León A. Grever, executivo de uma companhia petrolífera americana, de quem adquiriu o sobrenome com o qual se imortalizaria. Com ele viveu para o resto da sua vida.
Aos dezoito anos, em 1912, escreveu a sua primeira canção, A una ola (em inglês To a wave), vendendo três milhões de cópias. Em 1920 começou a trabalhar como compositora de trilhas sonoras para os estúdios de cinema Paramount Pictures e 20th Century Fox. Dizia-se de María Grever que ela possuía um perfeito controle de tonalidade e que teria escrito a maior parte de suas composições em uma única escala. Ao todo, escreveu mais de 800 canções – a maior parte delas boleros – e sua popularidade alcançou grandes audiências na América Latina, Europa e Estados Unidos.
Seu primeiro grande êxito produziu-se em 1926 com a melodia Júrame (em inglês, Promise, Love), um tango-bolero interpretado por José Mojica, quando era ainda pouco conhecida. Por essa época o “bolero” começava a transformar-se no gênero musical mais popular do momento. Desde então, María Grever alcançou um êxito atrás do outro, com obras como Cuando Vuelva a tu Lado (em inglês What a Difference a Day Made ou What a Difference a Day Makes), Muñequita Linda (Te Quiero, Dijiste) – em inglês Magic is the Moonlight, escrita em 1944 para o filme de Esther Williams, Bathing Beauty -, Alma Mia, Yo Canto para Ti, Volveré (em inglês, I Will Return), Vida Mía e muitas outras. Tornou-se a primeira compositora mexicana do sexo feminino a tornar-se uma autora de sucesso.
A música que dá o título ao nosso “post” merece, exatamente por essa razão, um destaque especial. What a Diff’rence a Day Made é uma canção popular originalmente escrita em espanhol, em 1934, com o título Cuando Vuelva a tu Lado. Em 1959, Dinah Washington, uma cantora americana de Tuscaloosa, Alabama, nascida Ruth Lee Jones, gravou a melodia em inglês, com letra escrita por Stanley Adams. Embora tenha sido gravada anteriormente por outros intérpretes, como Harry Roy e sua Orquestra e pelos Irmãos Dorsey, ela tornou-se a canção assinatura de Dinah Washington, garantindo-lhe um Grammy Award por Best Rhythm and Blues Performance (Melhor Desempenho em Ritmo e Blues) e foi, em 1998, introduzida no Grammy Hall of Fame.

Capa e disco simples em 78 rpm com a gravação de Dinah Washington
A seguir apresentamos a letra da versão para o inglês, de Stanley Adams, para que os leitores possam acompanhar Dinah Washington cantando essa maravilhosa canção.

What A Diff'rence A Day Made
Dinah Washington
Written by Maria Grever and Stanley Adams


What a diff'rence a day made
Twenty-four little hours
Brought the sun and the flowers
Where there used to be rain

My yesterday was blue, dear
Today I'm a part of you, dear
My lonely nights are through, dear
Since you said you were mine

Now what a diff'rence a day makes
There's a rainbow before me
Skies above can't be stormy
Since that moment of bliss, that thrilling kiss

It's heaven when you find romance on your menu
What a diff'rence a day made
And the difference is you

Vários outros cantores de grande calibre gravaram essa mesma versão em inglês, entre eles Julie Dawn, Roy Marsh, Sarah Vaughan, Aretha Franklin, Esther Phillips, Diana Ross (gravada em 1972 mas apenas liberada em 2006), Cher, Ray Conniff, Bobby Darin e Rod Stewart, no seu quinto volume de uma série ironicamente chamada “The Great American Songbook”.
Com relação à versão original, em espanhol, vários intérpretes importantes também a gravaram, entre os quais podemos citar o Trio Los Panchos com Eydie Gorme, Libertad Lamarque, a célebre cantora de tangos argentina, Jamie Cullum (2003) e Luis Miguel (1991). Sem dúvida alguma, a que registrou o maior sucesso foi a primeira e por essa razão, apresentamos a letra original da compositora e a gravação com o trio Los Panchos e Eydie Gorme.
Cuando Vuelva a tu Lado
Trio Los Panchos & Eydie Gorme
Compositor: María Mendes Grever


Cuando vuelva a tú lado
No me niegues tus besos
Que el amor que te he dado
No podrás olvidar.

No me preguntes nada
Que nada he de explicarte
Que el beso que negaste
Ya no lo puedes dar.

Cuando vuelva a tú lado
Y esté solo contigo
Las cosas que te digo
No repitas jamás, por compasión.

Une tu labio al mío
Y estréchame en tus brazos
Y cuenta a los latidos
De nuestro corazón.

Para não alongar-me demasiadamente, gostaria de apresentar apenas mais uma canção de Maria Grever, que fez muito sucesso em minha adolescência e foi gravada por cantores muito conhecidos naquela época. Trata-se de Te Quiero, Dijiste – ou Muñequita Linda, como ficou muito conhecida. Em espanhol ela foi gravada pelo inesquecível Nat King Cole e, mais recentemente, por Placido Domingo, entre outros. Em inglês, com o título Magic is the Moonlight (Mágico é o Luar) ela foi gravada pelo ator/cantor Dean Martin e pelo cantor inglês de “rock and roll” Cliff Richard, além de outros. Para o deleite dos nossos leitores, apresentamos a gravação de Nat King Cole.

Em 1956 a RCA liberou um álbum retrospectivo, “Libertad Lamarque Canta Canções de María Grever”, com 12 canções interpretadas pela cantora/atriz argentina Libertad Lamarque, acompanhada pelas orquestras de Chucho Zarzosa e Mario Ruiz Armengol. Junto com suas mais famosas canções, o álbum apresentou Volveré, Júrame, Eso es Mentira e Así. Na apresentação do álbum, Bill Zeitung argumenta que embora suas músicas tenham alcançado uma imensa e merecida popularidade, Grever nunca desfrutou do reconhecimento mundial; “Sua música está em todas as mãos, mas seu nome é conhecido somente de uns poucos”, escreveu Zeitung.
María Grever era uma compositora extraordinariamente versátil, frequentemente escrevendo a música e a letra de suas peças e então interpretando-as em concertos ao vivo. Durante sua carreira, que teve o seu pico nas décadas de 30 e 40, ela escreveu partituras para filmes e letras para shows da Broadway, organizando concertos que combinavam teatro, música e dança. Foi também uma professora de voz, mas seu grande legado foram realmente as canções. Frequentemente baseadas nos ritmos e estilos da música latino-americana, particularmente mexicana, mas também espanhola, suas letras eram deliciosamente românticas, cheias de sentimento e fáceis de lembrar.
Ela foi um membro atuante da prestigiosa “American Society of Composers, Authors and Publishers” (Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores). À data de sua morte, com a idade de 57 anos, em 15 dezembro de 1951, após um longo período de doença, ela vivia no Wellington Hotel, na Sétima Avenida, Manhattan. Deixou o marido e dois filhos: Charles Grever, um editor de música de New York, e a filha Carmen Livingston. Imediatamente após a sua morte ela foi homenageada com um “sarau musical” no Biltmore Hotel pela “União das Mulheres das Américas” (Union of Women of the Americas – UWA) e aclamada “Mulher das Américas, 1952”, pela mesma associação.

terça-feira, 17 de maio de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (8) (Décima Sexta Parte)

O Que Nos Conta Gildas
Por volta de 540 DC, um angustiado e obstinado monge bretão, de nome Gildas (se quiser saber um pouco de Gildas, clique no link), decidiu relatar os trágicos acontecimentos ocorridos alguns anos antes em sua ilha. A invasão de anglos e saxões havia praticamente destruído o pouco que restara da dominação romana naquela que se chamaria mais tarde England. Seu opúsculo, ‘De Excidio et Conquestu Britanniae’ – Sobre a Destruição e Conquista da Britain -, escrito na primeira metade do século VI, tornar-se-ia o único registro desse conturbado século, naquela região. 
São Gildas nasceu por volta de 516 DC, possivelmente nas encostas do rio Clyde (atual Escócia). Seu pai, um nobre bretão de nome Cau (ou Nau), o enviou, ainda jovem, a um mosteiro em Glamorganshire, Walles, onde foi instruído por São Iltut. Gildas também é conhecido pelo cognome Badonicus, pois como ele mesmo disse em sua narrativa, nasceu no mesmo ano da famosa batalha do monte Badon, atualmente Bannesdown, próximo a Bath, Somersetshire. 
Com o fim do império romano no início do século V DC, os Britons passaram a sofrer, com maior intensidade, o ataque de outros povos que pretendiam conquistar a ilha: Scots (Ireland), Picts (Scotland) e Anglo-Saxons (para conhecer algo sobre os Picts, Scots ou os Britons, clique nos links). Nesse momento, os bretões passaram a difundir histórias sobre a existência de um perfeito rei, Arthur, que retornaria da ilha de Avalon e retomaria o controle da Britain, expulsando os invasores. Assim surgiu o mito Arthuriano. A existência de Arthur não é atestada pela historiografia e, se de fato existiu, teria sido um chefe guerreiro – dux bellorum – vencedor de várias batalhas contra os saxões, a mais importante delas sendo a batalha do Monte Badon, já no século VI DC. Com a invasão normanda sobre a Britain, houve uma apropriação do mito Arthuriano, com os conquistadores criando uma nova interpretação sobre Arthur, como se descendentes fossem do rei bretão. 
Arthur, então transformado em modelo de rei cristão, era agora portador de uma ambiguidade: possuía a espada Excalibur, forjada no Outro Mundo e o escudo com a imagem da Virgem Maria, símbolo da religião cristã. Num segundo momento, a figura de Arthur continuou como um mito, pois transformou em modelo de rei perfeito, espelho dos reis medievais, um rei que nunca existira. 
As invasões na Bretanha foram realizadas por três ramos das tribos germânicas, com dialetos estreitamente similares. Os Anglos, provenientes do atual Slesvig, dominaram as áreas próximas ao Tâmisa (Nortúmbria, Mércia e Ânglia do Leste); os Saxões, que compunham o grupo proveniente da antiga Saxônia, do Elba e do Weser, dominaram a maior parte do sul da Inglaterra (Essex, Wessex, Sussex e Midlessex, respectivamente, Saxões do Leste, do Oeste, do Sul e do Centro); por fim, os Jutes, pequena tribo provavelmente originária da Jutlândia, do norte da Dinamarca, da Frísia e do baixo Reno, conquistaram o Kent, a ilha de Wight e a região do Hampshire (em torno do estuário do Solent). Em alguns casos, os grupos de invasores eram formados por membros mistos de tribos distintas, entre os Anglos, os Saxões e os Jutes.
Pino Verde: origem dos Anglos. Pinos amarelos: origem dos Saxons. Pinos vermelhos: origem dos Jutes
Como rotas para a invasão foram usados, principalmente, três estuários: o do Thames, do Wash e do Humber. Pelo Thames deu-se a invasão ligada ao nome do herói juto Hengist, que teria sido convidado pelo chefe bretão Vortigern para auxiliar os bretões a expulsar uma invasão de Picts e Scots. Este monarca lendário, usurpador do trono, teria reinado entre 425 e 450 e sido, segundo Gildas, um tirano e traidor dos bretões.
Rotas da Invasão Anglo-Saxon
Os primeiros quarenta anos do século V viram os bretões romanizados entregues à própria sorte pelo Império Romano. Nesta nova conjuntura, anglos e saxões foram o principal instrumento da destruição da England romana. Durante os séculos V e VI, a ilha provavelmente foi um caos de tribos e reinos em constante pé de guerra, pois assistiu a uma segunda fase de conquista. Bretões e Celtas provavelmente não aceitaram a ocupação anglo-saxã. Parte dos bretões migrou para a Armórica, no continente, que passou a chamar-se Bretanha (norte da França). Os que permaneceram na ilha fugiram para o norte, para as montanhas do País de Gales, Cornualha, Escócia e Irlanda. Sua cultura praticamente retornou ao “barbarismo céltico” (para conhecer um pouco mais dos Celtas, clique nos links). No final do século V, a urbanização, a língua latina e o cristianismo estavam em franco declínio com a instalação dos saxões. Gildas nos conta que um grande ataque federado saxão teria ocorrido no século V, e que teria arruinado de vez as cidades romanas e devastado toda a região. Tal invasão é associada ao nome do saxão Aelle, senhor das terras ao sul do Humber, que Bede considera o primeiro Bretwalda (soberano da Inglaterra). O mesmo Aelle é associado ao senhor do Sussex (centro-sul), onde fundou um reino entre o bosque deserto da Anderida e o mar, entre os anos de 477 e 491. 
Na luta contra os invasores, os bretões encontram um chefe originário da antiga população romanizada, Aurelius Ambrosius (falaremos mais sobre esse personagem, a seguir). Ele teria estabelecido uma brava resistência, que culminou com a famosa batalha no Monte Badon, por volta do ano 500, que teria sido vencida pelo semi-lendário Arthur (Artorius). Gildas descreve Aurelius como o vencedor da batalha do Monte Badon, sem sequer mencionar Arthur. 
Já Nennius, em sua obra ‘História dos Bretões’, o apresenta como o principal herói do combate por ser um dux bellorum (chefe guerreiro) cristão. Arthur teria vencido sozinho novecentos e sessenta homens. Nessa narrativa, escrita pelo monge Nennius, há o acréscimo da imagem da Virgem Maria, sendo carregada sobre os ombros do Arthur: “A décima segunda batalha foi noMonte  Badon, no qual caíram em um dia novecentos e sessenta homens de uma investida de Artur e ninguém os golpeou exceto o próprio Artur, e em todas as batalhas ele saiu como vencedor”.
Após tal luta teriam transcorrido quarenta e quatro anos de relativa paz. Durante esse período os bretões dividiram-se em cinco ou mais reinos tribais na região ocidental. Enquanto isso, os reinos e a instabilidade aumentavam entre os anglo-saxões do leste e os jutes, a partir de Kent, tomavam a ilha de Wight. 

Conclusão Sobre o Advento Anglo-Saxon
É indefinido o número de colonizadores que de fato atravessaram o North Sea para a Britain, embora seja claro que eles acabaram por se juntar a substanciais populações indígenas sobreviventes que, em muitas áreas, aparentemente, formavam a maioria. 
Da mesma forma que com a adoção dos traços culturais ‘celtic’ na Idade do Ferro e então a civilização greco-romana, o desenvolvimento da England anglo-saxon marca a adoção de uma cultura politicamente ascendente: a dos ‘bárbaros germânicos’. 
Talvez a mudança tenha sido mais profunda do que nos casos precedentes, uma vez que a proporção dos intrusos foi provavelmente maior do que na Idade do Ferro ou nos tempos romanos e, crucialmente, a cultura e estruturas do poder romano-british parece ter passado por um colapso catastrófico – através do isolamento de Roma e do suporte dos exércitos imperiais – pouco tempo antes de uma substancial presença de ‘anglo-saxons’. 
Em contraste com a Gaul, onde os francos se fundiram com uma sociedade gallo-romana intacta para criar uma cultura francesa baseada na latina, os novos reinos anglo-saxon na Britain, embora fundidos por populações indígenas e imigrantes, não representaram qualquer continuidade cultural; eles extraíram sua inspiração cultural e sua língua dominante, quase que inteiramente através do North Sea. Imigrantes e nativos misturados tornaram-se English. 
Contrariamente à ideia tradicional de que a Britain possuía, originariamente, uma uniformidade ‘celtic’, que primeiro os Romanos e então os Saxon e outros invasores fenderam, na realidade a Britain sempre foi o lar de múltiplos povos. Embora sua população tenha mostrado uma forte continuidade biológica por milênios, as identidades que os ilhéus adotaram passaram por alterações profundas, muitas delas devido a contatos e conflitos através dos mares, não apenas como resultado de ocasionais, mas frequentemente, muito modestos aportes de recém-chegados.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (7) (Décima Quinta Parte)

III – OS ANGLO-SAXONS NA GREAT BRITAIN
É durante a dominação anglo-saxon que surge a figura lendária de Arthur. Por essa razão, esse período será descrito com maior detalhe que os anteriores; e antes de entrarmos na descrição da Britain ao tempo desses invasores, propriamente dita, faremos uma boa análise de como ocorreu a sua chegada à grande Ilha. A data da chegada dos primeiros colonizadores germânicos na Britain é matéria de considerável debate. É, contudo, crítica para datar eventos chaves entre a partida da autoridade romana em 410 DC e a chegada da missão de Santo Augustine em 597 DC. Exemplos desses eventos incluem: a ascensão de Vortigern ao poder e a duração do seu reinado; suas relações com Ambrosius; a revolta saxônica; o surgimento de Arthur e Badon. Esse influxo germânico é conhecido, historicamente, pela frase latina “Adventus Saxonum”, a chegada dos Saxons (Saxões). Pelo menos dois autores importantes são considerados dignos de confiança para testemunhar essa chegada, considerando-se a proximidade da época em que viveram: Bede e Nennius. Entretanto, um terceiro, de nome Gildas, aporta também significativas informações.

O Venerável Bede
A primeira tentativa de datar o “Adventus Saxonum” foi feita pelo insigne escritor e historiador eclesiástico, Bede (se desejar, clique aqui para chegar a uma curta biografia de Bede). A sua “Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum” (“História da Igreja e Povo Ingleses”), além de perseguir esse objetivo, fornece um sumário histórico do que foi tornar-se ‘England’, baseado nos registros que lhe eram disponíveis. Completada em 731 DC, ela é uma fonte primária dos primeiros eventos na estruturação da England. Não apenas um estudioso, Bede leva também os créditos por introduzir alguns conceitos notavelmente modernos em sua abordagem à história. Foi ele que popularizou o processo de datar conhecido por “Anno Domini” (A.D.) – Ano do Senhor -, em nossos dias, aceito incondicionalmente. Ele identificou suas fontes, em forma escrita e oral, e foi seletivo em seu uso. Sempre que possível e desejável, incrementava algumas de suas fontes primárias mais escassas com outro material. Um bom exemplo disso é o seu tratamento de “De Excidio Brittaniae” – Da Ruína da Britain -, de Gildas. Olhemos algumas referências relativas ao “Adventus Saxonum” encontradas em sua História.
No Capítulo 24, onde ele apresenta um sumário cronológico do seu livro, no ano 597 DC – chegada de Augustine e sua missão cristã – afirma que eles teriam chegado aproximadamente 150 anos após a chegada dos English. Isso nos dá como data de sua chegada, o ano 447 DC.
Em outro lugar, quando descrevendo eventos sobre o batismo do rei Edwin, em 627 DC, Bede diz que Edwin recebeu a fé e o renascimento no décimo primeiro ano do seu reinado, isto é, no ano 627 do Senhor e 180 anos após a chegada dos English à Britain. Por essa referência, novamente chegamos ao ano de 447 DC para o Adventus.
Um terceiro cálculo é encontrado na seção que conclui um sumário do estado da Britain no momento, 731 DC: “Este é o estado de toda a Britain no momento, em torno de 285 anos após a chegada dos English à Britain, no ano 731 do Senhor”. Nesse caso, chegamos a 446 DC como o ano do “Adventus Saxonum”, consistente com as duas datas precedentes.
Indo ao corpo principal de sua História, onde a chegada dos Saxons é realmente descrita, encontramos:
“No ano 449 DC, Marcian, o 46º depois de Augustus, tornou-se imperador com Valentinian e governaram por sete anos. Àquele tempo, a raça dos Angles ou Saxons, convidados por Vortigern, chegaram à Britain.”
Aqui, a cronologia de Bede está defasada de um ano visto que o governo conjunto de Marcian e Valentinian foi de 450 a 455 DC, durante o qual chegaram os Angles ou Saxons. Esta sequência é repetida novamente no sumário cronológico ao final da História de Bede e também em outro trabalho chamado “A Grande Crônica”, encontrado como um apêndice em algumas traduções da História.
As razões para a aparente discrepância – 446 ou 447 versus 450-455 – residem nas duas fontes primárias que Bede usou para datar o Adventus. A primeira delas confia na obra “De Excidio”, de Gildas, na seção onde um apelo feito a Aetius é registrado:
“Então os miseráveis remanescentes enviaram uma outra carta, desta vez ao comandante romano Aetius, nos seguintes termos: ‘A Aetius, três vezes cônsul, os gemidos dos British’. Posteriormente, chegou a queixa: ‘Os bárbaros nos empurram de volta ao mar, o mar nos empurra de volta aos bárbaros;  entre essas duas espécies de morte, ou seremos afogados ou seremos massacrados.’ Mas eles não obtiveram qualquer ajuda.”
Informado historiador dos tempos romanos, Bede sabia que o terceiro consulado de Aetius começara em 446 e por isso concluiu que o Adventus teria ocorrido após esse apelo, isto é, em 446-447 DC.
O segundo conjunto de datas, 450-455 DC, veio de uma velha tradição Kentish de que a sua dinastia havia sido fundada durante o governo conjunto de Mauricius e Valentinian. No prefácio de sua História, Bede alude a essa fonte, aparentemente idêntica à usada na Crônica Anglo-Saxon muitos anos mais tarde, com o nome Mauricius em lugar de Marcian, que era o Imperador do Oriente àquela época. A tradição Kentish certamente confundiu o imperador Marcian com o posterior imperador Maurice Tiberius Augustus, durante a missão de Augustine em Kent, em 597 DC.
 
A ‘Historia Brittonum’ – A História da Britain
A outra fonte escrita, que nos ajuda a datar o Adventus Saxonum, é a ‘Historia Brittonum’, atribuída ao monge Nennius (se desejar, clique aqui para chegar a uma curta biografia de Nennius
) e que reflete uma tradição British desses eventos, da mesma forma que a História de Bede a preserva. Em sua forma original, ela parece ter sido compilada em torno de 830 DC, mas foi sucessivamente editada nos últimos séculos. Várias versões latinas, no todo ou na parte, foram identificadas por toda a Great Britain e no resto da Europa.
A ‘Historia Brittonum’ contém várias referências à chegada inicial dos Saxons, mas uma, em particular, é mais exata, ao datar este evento. A partir de datas bem documentadas do início do reino de Vortigern e os consulados de Theodosius II e Valentinian III, ocorrido em 425 DC, além de dois outros consulados, Nennius chega à conclusão que Vortigern teria iniciado seu reinado em 425 DC e que o Adventus Saxonum seria datado de 428 DC.
Há várias outras seções da ‘Historia Brittonum’ relativas à nossa indagação; de uma delas, distinta e independente da seção anterior de Nennius, chega-se facilmente aos anos 423-428 e o reino de Vortigern. Em outro lugar lê-se algo que, corrigido de erros grosseiros de revisão no que se refere à numeração romana, conduziria à data de 425-429, que se ajusta muito bem aos cálculos prévios para Vortigern e o ‘Adventus Saxonum’.

Um Conto de Duas Culturas
Como reconciliar as duas diferentes tradições de Bede e Nennius? Embora separadas no tempo por algo em torno de 20 anos, elas compartilham pontos comuns:
•    ambos os relatos estabelecem que a sua vinda ocorreu a convite de Vortigern;
•    ambos relatos contam que o assentamento saxon inicial foi na ilha de Thanet (sudeste da England e a leste de Kent, hoje não mais uma ilha) e somente mais tarde na terra principal kentish (Kent);
•    a última revolta saxon ocorreu sob a instigação de Hengest e Horsa e iniciou em Kent.
Localização do Condado de Kent na England


 
A Ilha de Thanet (então uma ilha), a leste, no condado de Kent
Claramente, as tradições referem-se aos mesmos eventos. Será que eles diferem por causa da perspectiva cultural das partes envolvidas? Após a fase inicial dos saques e pirataria saxon, os British contra-atacaram. Um relato geral da guerra que se estendeu por vários anos é fornecido por Nennius:
“Finalmente Vortimer, o filho de Vortigern, valentemente lutou contra Hengist, Horsa e seus povos; empurrou-os à ilha de Thanet e três vezes confinou-os nela e sitiou-os pelo lado oeste. Os saxons então despacharam delegados à Germany para solicitar grandes reforços e um número adicional de navios; obtidos esses reforços, eles voltaram a lutar contra os reis e príncipes da Britain...”
Duas crônicas gallic relatam grandes seções da Britain cedendo sob controle saxon em 441. A data provável da revolta saxon é portanto 439/440. Após cerca de 10 anos de luta, como indicado pela ‘Crônica Anglo-Saxon’ e por Nennius, Vortimer obteve a vitória após rebelar-se contra a política anglo-saxon adotada por seu pai e fundar um reino paralelo. Aparentemente, a vitória global de Vortimer foi seguida por um período de paz em torno de 5 anos. Este foi seguido por invasões saxon ainda mais violentas, aparentemente defendidas por Ambrosius Aurelianus, após derrotar Vortigern, visto que, segundo a História de Nennius, Vortimer teria morrido logo após derrotar os saxons.
Esse período inicial de invasões renovadas e permanente assentamento, provavelmente ocorreram entre 450 e 455 DC, como estabelecido na velha tradição Kentish. Pode-se assim constatar que duas culturas podem selecionar um diferente ponto de partida, mas ainda estar falando do mesmo evento. Os British olhando para trás à inicial e fatal asneira de Vortigern em 428 DC, viram esse fato como a primeira vinda dos saxons, ao passo que seus contrapartidas Kentish viram o período de permanente assentamento (450-455 DC) como a fundação do seu reino.