Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sábado, 19 de novembro de 2011

“FAUSTO” COM TODAS AS SUAS IMPLICAÇÕES (QUARTA E ÚLTIMA PARTE)

IV – A ÓPERA DE BERLIOZ

A Danação de Fausto, Opus 24, é um trabalho para quatro vozes solo, sete partes de coro completo, um grande coro de crianças e orquestra, elaborado pelo compositor francês Hector Berlioz. Denominada por ele “lenda dramática”, a obra foi pela primeira vez encenada em 6 de dezembro de 1846, no “Opéra Comique”, em Paris.

Hector Berlioz
 O compositor francês foi inspirado por uma tradução do poema dramático Fausto, de Goethe, e produziu uma obra musical que, como o trabalho original em que se baseou, desafia uma categorização simples. Concebida como como um oratório em forma livre e como uma ópera, sua forma de narrativa de viagem e perspectiva cósmica, tornaram um desafio extremo a sua encenação como ópera. O próprio Berlioz estava ansioso por vê-la encenada, mas uma vez que a viu, admitiu que as técnicas de produção do seu tempo não tinham condições de trazer a obra à vida dramática. A maior parte de sua fama veio das apresentações de concertos.
Berlioz impressionou-se tanto com o trabalho de Goethe que o seu Opus 1 (1829) foi uma suíte chamada “Oito Cenas de Fausto”, embora mais tarde ele tenha recolhido todas as cópias que pode encontrar. Em 1845 ele retornou ao material, para ampliá-lo, com algum texto adicional de Almire Gandonnière às especificações de Berlioz, que ele primeiro chamou de “ópera concerto” e então expandiu para a sua “lenda dramática”.
Sua primeira apresentação não teve aclamação crítica, o público esteve apático e duas apresentações (além de uma terceira cancelada), renderam a Berlioz um revés financeiro inesperado.
A Danação de Fausto é apresentada regularmente em salas de concerto, desde a sua primeira apresentação completa, de sucesso, em 1877, em Paris. Foi encenada como ópera, pela primeira vez, em 18 de fevereiro de 1893, na “Opéra de Monte Carlo”, produzida por seu diretor Raoul Gunsbourg, com Jean de Reszke cantando o papel de Fausto. O “Metropolitan Opera” estreou a obra como concerto em 2 de fevereiro de 1896 e então no palco, em 7 de dezembro de 1906. E desde então, as apresentações sempre foram um sucesso.
O elenco da apresentação de 6 de dezembro de 1846, sob a condução do autor Hector Berlioz, foi o seguinte:

PERSONAGEM     TIPO DE VOZ      ATOR
Margarete                                   Mezzo Soprano                       Hortense Dufflot Maillard
Fausto                                        Tenor                                       Gustave Hippolyte Roger
Mefistófeles                                 Barítono ou Baixo                   Léonard Hermann-Léon Brander
Um Estudante                             Baixo                                       Henry Deshaynes

Camponeses, gnomos e sílfides, soldados e estudantes, demônios e condenados, espíritos celestiais.


IV-1 ENREDO DA ÓPERA

PRIMEIRA PARTE
O velho sábio Fausto contempla a renovação da natureza. Ouvindo camponeses cantar e dançar, ele vê que a simples felicidade deles é algo que nunca experimentará. Um exército marcha próximo (Marcha Húngara). Fausto não entende porque os soldados são tão entusiasmados pela glória e a fama.

SEGUNDA PARTE
Deprimido, Fausto retornou ao seu estúdio. Mesmo a busca pela sabedoria não é mais capaz de inspirá-lo. Cansado da vida ele está prestes a cometer suicídio quando o som de sinos de igreja e um hino da Páscoa o relembra da sua juventude, quando ele ainda possuía fé na religião. Subitamente Mefistófeles aparece, ironicamente comentando sobre a aparente conversão de Fausto. Ele se oferece para leva-lo a uma jornada, prometendo-lhe a restauração da sua juventude, o conhecimento e a satisfação de todos os seus desejos. Fausto aceita.
Mefistófeles e Fausto chegam à taverna de Auerbach, em Leipzig, onde Brander, um estudante, canta uma canção sobre um rato cuja boa vida, em uma cozinha, termina com uma dose de veneno. Os demais convidados retrucam com um irônico “Amém” e Mefistófeles continua com uma outra canção sobre uma pulga que traz seus parentes para infestar uma completa corte real (Canção da Pulga). Desgostoso com a vulgaridade de tudo aquilo, pede para ser levado a outros lugares.
Numa relva do rio Elba, Mefistófeles mostra a Fausto uma visão de sonho de uma linda moça chamada Margarete, fazendo com que Fausto se apaixone por ela. Mefistófeles promete conduzir Fausto a ela. Junto com um grupo de estudantes e soldados, eles entram na cidade onde ela vive.

TERCEIRA PARTE
Fausto e Mefistófeles se escondem no quarto de Margarete. Fausto sente que encontrará nela seu ideal de uma mulher pura e inocente (Obrigado, doce crepúsculo). Margarete entra e canta uma balada sobre o Rei de Thule, que sempre permaneceu tristemente fiel ao seu amor perdido (Outrora, um Rei de Thule). Mefistófeles convoca os espíritos para encantar e enganar a moça e canta uma serenata sarcástica de fora de sua janela, profetizando sua perda da inocência. Quando os espíritos desaparecem, Fausto entra. Margarete admite ter sonhado com ele, da mesma forma que ele com ela; e eles declaram o seu amor recíproco. Mefistófeles então irrompe, avisando-lhes que a reputação da moça deve ser preservada: os vizinhos ficam sabendo que há um homem no quarto de Margarete e chamam sua mãe para a cena. Após um apressado adeus, Fausto e Mefistófeles saem.

QUARTA PARTE
Fausto seduz e então abandona Margarete, que ainda espera por seu retorno (A ardente chama do amor). Ela ouve soldados e estudantes à distância, que a lembram da primeira noite em que Fausto foi à sua casa. Mas desta vez, Fausto não está entre eles. Fausto invoca a natureza para curá-lo da sua exaustão do mundo (Natureza imensa, impenetrável e feroz). Mefistófeles aparece e lhe diz que Margarete está na prisão. Acidentalmente, ela havia dado à sua mãe uma poção para dormir, em quantidade exagerada, causando a sua morte e, por isso, seria enforcada no dia seguinte. Fausto entra em pânico, mas Mefistófeles alega que pode salvá-la, se Fausto renunciar à sua alma em seu favor. Incapaz de pensar em qualquer coisa além de salvar Margarete, Fausto concorda. Os dois cavalgam um par de cavalos negros.
Imaginando que estão indo salvar Margarete, Fausto fica aterrorizado quando vê aparições demoníacas. A paisagem torna-se mais e mais horrível e grotesca e Fausto  finalmente vê que Mefistófeles o havia conduzido diretamente ao inferno. Demônios e espíritos codenados saúdam Mefistófeles numa linguagem infernal misteriosa e dão as boas vindas a Fausto. O inferno cai em sepulcral silêncio após a chegada de Fausto e os tormentos que ele sofre são inexprimíveis. Margarete é salva e saudada no Céu.
V - CONCLUSÃO

Sendo um arquétipo da alma humana, o mito de Fausto jamais se esgotou, simbólica e literariamente, de modo que diversos artistas, contemporâneos e posteriores a Goethe, reagiram criativamente à personagem.
Na área literária, o poeta russo Puchkin escreveu, em 1826, um Fausto notável pelo diálogo com Mefistófeles. Christian Dietrich Grabbe também compôs, em 1836, uma tragédia onde confrontava Don Juan e Fausto. No século XX, o poeta francês Paul Valéry escreveu a peça Mon Fausto (Meu Fausto), sem todavia concluí-la. Em seguida foi a vez do poeta português Fernando Pessoa escrever Fausto: Uma Tragédia Subjectiva, inusitadamente narrado na primeira pessoa. Posteriormente, Thomas Mann publicou seu romance Doktor Faustous, em 1947. Recentemente, em 2008, o escritor Rafael Dionísio lançou os seus Cadernos de Fausto, revisitando também este mito. Fausto também foi tema para as peças musicais de vários compositores clássicos como Wagner (Fausto), Schumann (Szenen aus Goethes Fausto), Liszt (Fausto-Symphonie), além dos já mencionados Gounod (Fausto) e Berlioz (La Damnation de Fausto). Desta última, há também um sem número de gravações de três de suas secções: a Marcha Húngara, o Balé das Sílfides e o Minueto das Fadas.
Todos os assuntos relacionados ao mítico Fausto ainda foram e continuam a ser mencionados em filmes modernos, contos e até mesmo histórias em quadrinhos, como foi o caso do famoso personagem-detetive Tim-Tim. Entretanto, considero que o material apresentado nessa postagem é mais do que suficiente para mostrar aos nossos leitores que, quando uma obra verdadeiramente apresenta valor real, a humanidade é capaz de reconhece-la e preservá-la por séculos, como é o caso da lenda de Fausto. Infelizmente, imagino serem muito poucos os trabalhos da presente época, que possuem a pretensão a semelhante reconhecimento.
A minha curiosidade sobre o assunto foi satisfeita. Sinceramente espero que o mesmo tenha sucedido com relação ao meu amigo Raul Mesquita. E na próxima vez que alguém nos pergunte quem é o autor de Fausto, possamos responder, com toda a propriedade: “Qual deles?”

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

“FAUSTO” COM TODAS AS SUAS IMPLICAÇÕES (TERCEIRA PARTE)

III – A ÓPERA DE GOUNOD

Charles Gounod em 1859
Fausto é também uma grande ópera, em cinco atos, composta pelo autor clássico francês Charles Gounod, com um libreto escrito por Jules Barbier e Michel Carré, a partir da peça de Carré Fausto et Marguerite (Fausto e Margarete), por sua vez livremente baseada na obra Fausto Parte Um de Johann Wolfgang von Goethe. A ópera estreou no Théatre Lyrique, em Paris, em 19 de março de 1859. Ela foi, inicialmente, rejeitada pela Ópera Nacional por não ter sido considerada suficientemente brilhante e sua apresentação no Théatre Lyrique foi postergada por um ano porque o drama Fausto, de Adolphe d’Ennery, estava sendo apresentada no Porte St. Martin. O gerente Léon Carvalho, que colocou sua esposa Marie Miolan-Carvalho como "Margarete", insistiu em várias alterações durante a produção, incluindo o corte de vários números.
Fausto não foi bem recebido, inicialmente. O editor Antoine Choudens, que adquiriu os direitos autorais por 10.000 francos, levou o trabalho (com declamações adicionadas substituindo o diálogo falado original) em um circuito pela Alemanha, Bélgica, Itália e Inglaterra, com Marie Miolan-Carvalho reprisando o seu papel. A ópera renasceu em Paris, em 1862, tornando-se um sucesso. Um bailado teve que ser inserido antes que obra pudesse ser apresentada na “Ópera” em 1869, tornando-se então a ópera mais frequentemente apresentada naquela casa e um trunfo do repertório internacional, que permaneceu por décadas, sendo traduzido, em pelo menos, 25 línguas.
Foi com Fausto que o Metropolitan Opera, de Nova York, abriu pela primeira vez em 22 de outubro de 1883 e, até 2008, era a oitava ópera mais apresentada na casa, com 730 apresentações. 
O elenco da apresentação original, em 19 de março de 1859, sob a condução de Adolphe Dellofre, foi o seguinte:

PERSONAGEM        TIPO DE VOZ            ATOR
Doutor Fausto                                 Tenor                                                Joseph Théodore Désiré Barbot
Mefistófeles                                     Baixo                                                Émile Balanqué
Margarete                                       Soprano                                            Marie Caroline Miolan-Carvalho
Valentim (irmão de Margarete)        Barítono                                            Osmond Raynal
Wagner (criado de Fausto)             Barítono                                             M. Cibot
Siébel (aluno de Fausto)                 Soprano                                            Amélie Faivre
Martha (vizinha de Margarete)       Contralto                                            Duclos
 
Caroline Machado, como Margarete, em 1860
Moças, trabalhadores, estudantes, soldados, cidadãos, matronas, demônios invisíveis, coro de igreja, bruxas, rainhas e cortesãos da antiguidade, vozes celestiais.

III-1 ENREDO DA ÓPERA

A ópera acontece na Alemanha do século XVI

ATO 1
Estúdio de Fausto

Fausto e a visão de Margarete projetada por Mefistófeles
Fausto, um sábio maduro, conclui que seus estudos conduzem a nada e somente lhe têm causado a perda da vida e do amor. Ele tenta o suicídio duas vezes, com veneno, mas em cada tentativa ouve um coro. Ele amaldiçoa a ciência e a fé e implora por ajuda do inferno. Mefistófeles aparece e, com uma tentadora imagem de Margarete, em sua roda de fiar, persuade Fausto a comprar os serviços de Mefistófeles na terra, em troca dos serviços de Fausto no inferno. A taça de veneno de Fausto é magicamente transformada em um elixir da juventude, tornando o velho doutor num elegante jovem cavalheiro. Os companheiros estranhos saem então para conhecer o mundo.

ATO 2
Nos portões da cidade
Um coro de estudantes, soldados e aldeões cantam uma canção sobre bebidas. Valentin, indo para a guerra com seu amigo Wagner, entrega Margarete aos cuidados do seu jovem amigo Siébel. Aparece Mefistófeles, abastece a multidão com vinho e canta uma canção entusiástica e irreverente sobre o Bezerro de Ouro. Mefistófeles difama Margarete e Valentin tenta atingi-lo com a espada, que se estilhaça no ar. Valentin e amigos usam os punhos de suas espadas, em forma de cruz, para se defenderem do que sabem ser agora um poder infernal. Fausto e os aldeões unem-se a Mefistófeles numa valsa. Margarete aparece e Fausto lhe declara a sua admiração, mas ela recusa o seu braço, sem modéstia.

ATO 3
No jardim de Margarete
 
O Jardim de Margarete na produção original
O jovem apaixonado Siébel deixa um buquê para Margarete. Fausto envia Mefistófeles em busca de um presente para Margarete e canta-lhe uma cavatina (italiana, diminutivo de cavata, em geral uma curta peça musical), idealizando Margarete como uma pura criança da natureza. Mefistófeles traz uma caixa decorada contendo jóia requintada e um espelho de mão que deixa à porta de Margarete, ao lado das flores de Siébel. Margarete entra, ponderando sobre o seu encontro com Fausto nos portões da cidade e canta uma melancólica balada sobre o Rei de Thulé (poema de Goethe, de 1774). Marta, vizinha de Margarete, vê as joias e diz que devem ser de um admirador. Margarete experimenta as joias e é cativada pela forma como elas exaltam sua beleza, enquanto canta a famosa ária Canção da Joia (Ah, eu rio ao ver-me tão bela neste espelho). Mefistófeles e Fausto encontram as mulheres no jardim e as cortejam. Margarete permite que Fausto a beije (Deixe-me, deixe-me contemplar o teu rosto), mas então pede-lhe que se vá. Ela canta, em sua janela, pelo rápido retorno de Fausto e ele, ouvindo-a, retorna para ela. Sob o olho vigilante e a gargalhada malévola de Mefistófeles, torna-se claro que a sedução de Fausto sobre Margarete terá êxito.

ATO 4
Quarto de Margarete / Uma praça pública fora da sua casa / Uma Catedral
 
Margarete ora na Catedral

Após ter sido fecundada e abandonada por Fausto, Margarete dá à luz e torna-se uma pária da sociedade. Ela canta uma ária em sua roca (Ele não retorna). Siébel está com ela. A cena é transferida para a praça, fora da casa de Margarete. A companhia de Valentin retorna da guerra para uma marcha militar (o bem conhecido “Coro dos Soldados”). Siébel pede a Valentin que perdoe Margarete e Valentin corre à sua casa. Enquanto ele está lá, Fausto e Mefistófeles aparecem. Este último, pensando que somente Margarete está em casa, canta uma zombeteira serenata burlesca sob a janela de Margarete. Valentin vai para fora da cabana, já sabendo que Fausto corrompeu sua irmã. Os três homens lutam, com Mefistófeles bloqueando a espada de Valentin e permitindo a Fausto executar o ataque fatal. Em seu sopro de morte, Valentin culpa Margarete por sua morte e a condena ao inferno ante a assembleia do povo da cidade. Margarete vai à Igreja e tenta orar. Mas é interrompida, primeiro por Mefistófeles e então por um coro de demônios. Ela termina sua oração, mas desfalece quando é novamente amaldiçoada por Mefistófeles.
 
ATO 5
Uma caverna / O interior de uma prisão
Mefistófeles e Fausto são cercados por bruxas. Fausto é transportado a uma caverna de rainhas e cortesãos e Mefistófeles promete proporcionar a Fausto um encontro para ter o amor das maiores e mais lindas mulheres da história. Um balé orgíaco sugere a festa que prossegue por toda a noite. À medida que a aurora se aproxima, Fausto tem uma visão de Margarete e chama por ela. Mefistófeles então ajuda Fausto a entrar na prisão onde Margarete está sendo mantida por matar a sua criança. Eles cantam um dueto de amor (Sim, é a ti que eu amo). Mefistófeles estabelece que somente uma mão mortal pode libertar Margarete do seu destino e Fausto se oferece para resgatá-la do carrasco, mas ela prefere confiar o seu destino a Deus e Seus anjos. No final, ela sai de seu juízo ao ver que as mãos de Fausto estão cobertas de sangue, repele-o e desmaia; Mefistófeles brada que Margarete foi julgada. Contudo, ela é protegida por Deus como resultado de sua fé e seu arrependimento. Mefistófeles contenta-se em arrastar Fausto ao inferno. Margarete levanta-se novamente, ascende em direção ao Céu e um coro de anjos anuncia que ela foi salva (Salve! Cristo ressuscitou!).


Na próxima postagem, a última parte de Fausto.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

“FAUSTO” COM TODAS AS SUAS IMPLICAÇÕES (SEGUNDA PARTE)

Na primeira parte dessa nossa matéria, fizemos uma breve introdução ao assunto, localizamos a obra suprema de Goethe no contexto e apresentamos uma breve biografia do autor de "A Tragédia de Fausto". Paramos aí, embora didaticamente pouco indicado, porque a postagem já estava bem longa. Iniciamos esta segunda parte, com a exposição da obra de Goethe, propriamente dita.

II.2 – O FAUSTO DE GOETHE

Fausto é o protagonista de uma popular lenda alemã de um pacto com o demônio, baseada no Dr. Johannes Georg Fausto (que teria vivido entre 1480-1540). O nome Fausto tem sido usado como base de diversos romances de ficção, o mais famoso deles do autor Goethe, produzido em duas partes, tendo sido escrito e reescrito ao longo de quase sessenta anos.
Considerado símbolo cultural da modernidade, o Fausto, de Goethe, sua obra mais importante e considerado por muitos como um dos maiores trabalhos da literatura alemã, é uma peça trágica em forma de poema, em duas partes, de proporções épicas, que relata a tragédia do Dr. Fausto, homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles (demônio intelectual das lendas germânicas, literalmente inimigo da luz), que o enche com a energia satânica insufladora da paixão pela técnica e pelo progresso.
Goethe completou uma versão preliminar de Fausto Parte Um (Fausto, Uma Tragédia) em 1806. À sua publicação, em 1808, seguiu-se a edição revisada de 1828-29, última editada pelo próprio Goethe. Antes disso, apareceu uma impressão parcial, em 1790, de Fausto, um Fragmento. As primeiras formas do trabalho, conhecidas como UrFausto (traduzida para o português como Fausto Zero), foram desenvolvidas entre 1772 e 1775, mas seus detalhes não são mais inteiramente claros.
Goethe terminou de escrever Fausto Parte Dois em 1831. Em contraste à Fausto Parte Um, aqui o foco não é mais sobre a alma de Fausto, vendida ao demônio, mas sim sobre o fenômeno social, como psicologia, história e política, além de tópicos místicos e filosóficos, constituindo a principal ocupação dos últimos anos de Goethe, sendo publicada, postumamente, em 1832.

II.2.1 – A PRIMEIRA PARTE DA TRAGÉDIA

Os principais personagens de Fausto Parte Um incluem:

•    Heinrich Fausto, um sábio, que se diz baseado no real Johann Georg Fausto;
•    Mefistófeles, um demônio;
•    Gretchen, o amor de Fausto (abreviatura de Margarete, sendo que Goethe usa as duas formas);
•    Marthe, vizinha de Gretchen;
•    Valentin, irmão de Gretchen;
•    Wagner, criado de Fausto.

Fausto Parte Um é uma história complexa que acontece em vários cenários, o primeiro dos quais o Céu. Mefistófeles, sabedor da insatisfação de Fausto, faz uma aposta com Deus de que poderia derrotar o seu ser humano favorito (Fausto), que empenha-se em aprender tudo o que é possível saber, afastado da busca correta. A cena seguinte ocorre no estúdio de Fausto, onde ele, desesperado da inutilidade do aprendizado científico, humanitário e religioso, vira-se para a magia em busca da exposição do conhecimento infinito. Contudo, ele suspeita que suas tentativas estão falhando e, frustrado, cogita de cometer suicídio, rejeitando a ideia quando escuta, próximo, o início da celebração da Páscoa. Ele sai para um passeio com seu criado Wagner e é seguido, na volta à casa, por um cão pastor sem dono.
Em seu estúdio, o cão transforma-se no demônio Mefistófeles e Fausto faz com ele um acordo: o demônio fará tudo que Fausto quiser enquanto ele estiver na Terra e, em troca, ele servirá ao demônio no inferno. O acordo inclui uma cláusula em que, se Fausto se arrepender num dado momento e quiser nele permanecer para sempre, ele morrerá naquele instante. Fausto é obrigado a assinar o pacto com o seu próprio sangue.
Fausto assinando o pacto com o demônio com o seu próprio sangue
Fausto faz algumas viagens e, rejuvenescido por uma poção mágica provida pelo diabo, encontra Margarete (Gretchen), por quem é atraído. Com jóias e a ajuda de uma vizinha, Marthe, o diabo coloca Gretchen nos braços de Fausto, que a seduz. A mãe de Gretchen morre por uma poção para dormir que ela lhe dá para que possa ter privacidade, com Fausto, em suas visitas. Gretchen descobre que está grávida, seu irmão condena Fausto e o desafia para um duelo, sendo morto pelas mãos de Fausto e do demônio. Gretchen afoga sua criança ilegítima e é condenada por assassinato. Fausto tenta salvá-la da morte tentando a sua liberdade da prisão. Como ela se recusa a fugir, Fausto e Mefistófeles fogem do calabouço enquanto vozes do Céu anunciam que Gretchen será salva.

II.2.2 – A SEGUNDA PARTE DA TRAGÉDIA

Rica na alusão clássica, na Fausto Parte Dois a história romântica da primeira parte é esquecida e Fausto acorda num campo de fadas para iniciar um novo ciclo de aventuras e objetivos. Nesse ciclo ele vai à corte de um imperador, no inferno, em busca de Helena de Troia e em muitas outras cenas imaginativas. A peça consiste de cinco atos em que cada um representa um tema diferente. Gradualmente nasce em Fausto a consciência de que, através do serviço à humanidade, pode-se viver em sua memória para sempre. E retoma o seu trabalho em benefício dos outros, chegando ao seu supremo momento. Ao final, Fausto vai ao Céu pois perde apenas metade da aposta. Os anjos, que chegam como mensageiros da misericórdia divina, ao final do Ato V declaram: “Aquele que se empenha e vive para empenhar-se, ainda pode merecer a redenção".
Durante toda a Parte Um, Fausto permanece insatisfeito e a conclusão final da tragédia, bem como o resultado das apostas, somente são revelados na Fausto Parte Dois. A primeira parte representa o “pequeno mundo” e acontece no próprio meio local e temporal de Fausto; em contraste, a segunda parte acontece no “mundo maior” ou macrocosmos.
A história de Fausto inspirou uma enorme quantidade de literatura, música e ilustração, por mais de quatro séculos. Em termos de poesia, Goethe coloca ciência e poder no contexto de uma metafísica interessada na moral. Fausto é um empírico cientista forçado a confrontar questões de bom e mau, Deus e o demônio, sexualidade e mortalidade.
Na Terceira Parte, a seguir, veremos o segundo grande produto da lenda de Fausto, a ópera de Charles Gounod.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

“FAUSTO” COM TODAS AS SUAS IMPLICAÇÕES (PRIMEIRA PARTE)

Esta postagem é dedicada ao meu companheiro de tênis, Cel. Álvaro Raul Mesquita. O Cel. Raul foi contemporâneo de meu pai, Cel. Carlos Ferreira de Azambuja, no Corpo de Bombeiros da Brigada Militar, quando Aspirante, ao tempo em que meu pai era Capitão. Hoje, além de meu companheiro de “raquetadas”, o Raul é meu particular amigo.
O assunto da postagem teve sua origem ao final de um dos nossos encontros esportivos, quando um lapso de nossas memórias (acontecimento cada vez mais frequente à nossa idade) impediu-nos de concordar sobre a autoria da ópera “Fausto”. A busca para a solução da pendência, eminentemente simples, levou-me a escrever esse artigo, sempre perseguindo a obtenção do conhecimento. Logo a razão ficará muito bem entendida.
Embora não seja totalmente do meu agrado, também esta postagem, devido à extensão do assunto proposto, será apresentada em três partes. Esta é a primeira delas.

I - INTRODUÇÃO

Para bem iniciar este assunto, é preciso que se diga que na Alemanha dos séculos XV e XVI, realmente existiu um médico, mágico e alquimista, Dr. Johannes Georg Fausto, a partir do qual o nome “Fausto” passou a ser usado como base de diversas obras de ficção, o mais famoso deles tendo sido o do autor alemão Goethe. E por que?
Não são muitas as fontes que fazem referência a Johannes Georg Fausto e as conhecidas apresentam muitas informações incompletas ou conflitantes, além de poderem ser julgadas apócrifas (obra ou fato sem autenticidade ou de autenticidade não comprovada). Knittlingen, Helmstadt e Roda (atualmente Stadtroda) são indicados como os possíveis locais de nascimento do Dr. Fausto. É em Knittlingen, entretanto, que hoje se encontram o Fausto-Museum e o Fausto-Archive (Museu e Arquivo de Fausto).
Também não há consenso quanto ao ano de nascimento de Johann Fausto. Há fontes que indicam que ele teria nascido em 1466, em 1478 e, finalmente, entre 1480 e 1481, informação contida na maioria dos textos sobre a personagem histórica. As informações comuns, entre as diferentes fontes, é que Dr. Fausto teria estudado para tornar-se alquimista, astrólogo, mago e vidente. O teólogo protestante Philipp Melanchton, que viveu em período próximo ao de Fausto (1497-1560), produziu um texto onde consta que Fausto teria estudado em Cracóvia, onde a magia era então matéria curricular. O teólogo menciona também uma conferência que teria sido realizada por Fausto em 1539, na qual "muitas pessoas se deixaram iludir". Quando o Dr. Fausto morre, em 1540/1541, Melanchton menciona que muitos acreditavam ser obra do diabo e admite a hipótese de tratar-se de morte sobrenatural.
A parte considerada apócrifa menciona que, em 1507, foi nomeado mestre-escola em Kreuznach "um homem muito douto e místico", chamado Georgius Sabellicus Fausto Junior, que, conforme carta achada na abadia de Sponheim, "abusou dos alunos e fugiu". Em 15 de janeiro de 1509 colou grau de bacharel em teologia, na universidade de Heidelberg, um certo Johannes Fausto. Conrad Mutianus Rufus, da paróquia de St. Marien, em Gota, conta que um tal Georg Fausto blasfemava soberbamente em Erfurt, em setembro de 1513. O bispo de Bamberg declarou ter pago a um Fausto, em 10 de fevereiro de 1520, dez moedas de ouro, para que ele lhe lesse o horóscopo. Documentos rezam que um doutor Georg Fausto foi banido de Ingolstadt, em 15 de junho de 1528, como charlatão. Um doutor Fausto teve negado salvo-conduto, em Nuremberg, a 10 de maio de 1532. Em Münster, o doutor Fausto, em 25 de junho de 1535, predisse a capitulação da cidade pelo bispo, como de fato veio a ocorrer.
Em pouco tempo, outros mitos e lendas, que envolviam personagens como Simão Mago, Cipriano e Teófilo, episódios bíblicos e medievais, burlas e fábulas, começaram a compor uma tão considerável tradição oral e apócrifa acerca desse Fausto, que ele acabou por tornar-se figura literária.
Com o objetivo de compilar tudo quanto se acreditava e dizia acerca de Fausto, Johann Spiess, livreiro e escritor de Frankfurt, compôs, no ano de 1587, a primeira narrativa literária dessa personagem. Era um volume de 227 páginas, intitulado a “Historia von Dr. Johann Faustoen”, cujo enredo contava como ele se vendeu ao diabo, por prazo estipulado, as extraordinárias aventuras que viveu nesse ínterim, a magia que praticava, e por fim sua morte e danação. Tudo isso publicado para servir de advertência sincera contra os que levavam a curiosidade intelectual além do limite estabelecido pelas igrejas. Muitos críticos e estudiosos avaliam esse primeiro romance ‘Faustoiano’, ou ‘Faustobuch’, como mera propaganda luterana para doutrinação e proselitismo. Controvérsias à parte, outros escritores perceberam que a personagem poderia servir a temas mais profundos e complexos. Com efeito, Fausto tornou-se figura recorrente ao longo de cinco séculos de literatura ocidental.
Dois anos depois da publicação de Spiess, ou seja em 1589, o escritor e dramaturgo inglês Christopher Marlowe (1563-1593) transforma Fausto em peça teatral, onde sutilmente retrata o dilema do novo homem ocidental, então dividido entre a religiosidade medieval e o humanismo renascentista.
Quase dois séculos depois, no ano de 1760, foi a vez do escritor alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) criar uma nova versão dramática do Fausto, na qual ele encarnaria o heroísmo do intelecto humano, capaz por si mesmo de triunfar sobre o mal, personificado no diabo. A obra de Lessing, porém, hoje encontra-se fragmentada.
Não obstante, Fausto se tornaria um dos personagens preferidos do período romântico, que vai de meados do século XVIII ao século XIX, a notória época do "Sturm und Drang" (literalmente, "Turbulência e Urgência"), um movimento no início do Romântico da literatura e música Germânica, que teve lugar entre o final dos anos 1760 e o início dos anos 1780, quando a subjetividade individual e, em particular, os extremos da emoção, tiveram livre expressão, como reação às limitações do racionalismo imposto pelo Iluminismo (ou Idade da Razão) e os movimentos estéticos associados. A personagem apareceria em muitas obras do romantismo alemão como o “Faustos Leben” (“A Vida de Fausto”, 1778), escrita por Maler Müller e o “Faustos Leben, Taten und Höllenfahrt” (“Vida, feitos e danação de Fausto”, 1791) escrito por F. M. Klinger. Além destes, Nikolaus Lenau também fez uma versão romântica do Fausto.

II - O FAUSTO DE GOETHE

Mas seria através do poeta Johann Wolfgang von Goethe que Fausto alcançaria a sua máxima expressão. A tragédia de Fausto foi a obra de toda a vida de Goethe.

II.1 – UMA CURTA BIOGRAFIA DE GOETHE

Johann Wolfgang von Goethe
Johann Wolfgang von Goethe, nascido em Frankfurt am Main, em 28 de agosto de 1749 e falecido em Weimar, em 22 de Março de 1832, foi um escritor e pensador alemão que também fez incursões pelo campo da ciência. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX. Juntamente com Friedrich Schiller foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão “Sturm und Drang”. De sua vasta produção, fazem parte romances, peças de teatro, poemas, escritos autobiográficos, reflexões teóricas nas áreas da arte, literatura e ciências naturais. Além disso, sua correspondência epistolar com pensadores e personalidades da época é grande fonte de pesquisa e análise de seu pensamento.
Era o filho mais velho de Johann Caspar Goethe, homem culto, jurista que não exerceu a profissão e viveu dos rendimentos de sua fortuna. A mãe de Goethe, Catharina Elisabeth Goethe (1731–1808), procedia de família de poder econômico e posição social, casou-se aos 17 anos e teve outros filhos, dos quais apenas uma chegou à idade adulta. Educados, inicialmente, pelo próprio pai e, depois, por tutores contratados, Goethe e a irmã receberam uma ampla educação que incluía o estudo de francês, inglês, italiano, latim, grego, ciências, religião e desenho. Goethe teve aulas de violoncelo e piano, além de dança e equitação. O contato com a literatura se deu desde a infância, através das histórias contadas por sua mãe e da leitura da Bíblia. A família tinha uma biblioteca que continha mais de 2000 volumes.
Por decisão de seu pai, Goethe inicia os estudos na Faculdade de Direito de Leipzig em 1765, mostrando-se, porém, pouco interessado. Goethe dedica-se mais às aulas de desenho, xilogravura e gravura em metal, e aproveita a vida longe da casa dos pais entre teatros e noites na boemia. Possivelmente acometido por tuberculose, volta para a casa dos pais em Frankfurt am Main, em 1768, a fim de recuperar a saúde debilitada. Enquanto se recupera, dedica-se a leituras, experiências com alquimia e astrologia e, no mesmo ano, escreve sua primeira comédia: “Die Mitschuldigen”. Em 1769 publica sua primeira antologia, “Neue Lieder”.
Em abril de 1770 volta aos estudos de direito, agora em Estrasburgo, Alsácia, dessa vez mostrando-se mais interessado. Durante esse período, conhece Johann Gottfried Herder,. teólogo e estudioso das artes e da literatura, que influencia Goethe trazendo-lhe leituras como Homero, Shakespeare e Ossian, assim como o contato com a poesia popular (Volkspoesie).
Nesse período, Goethe escreve poemas a Friederike Brion, com quem mantinha um romance. Esses, mais tarde, ficaram conhecidos como “Sesenheimer Lieder”. Neles já se expressa, fortemente, o início de uma nova produção literária lírica. No verão de 1771, Goethe licencia-se na faculdade de direito.
De volta a Frankfurt am Main, Goethe trabalha sem muito ânimo em seu escritório de advocacia, dando maior importância à poesia. Ao fim de 1771 escreveu “Geschichte Gottfriedens von Berlichingen mit der eisernen Hand”, que veio a ser publicado dois anos depois, sob o título “Götz Von Berlichtungen” (O cavaleiro da mão de ferro). A peça veio a valer como a primeira obra do movimento "Sturm und Drang" (Tempestade e Ímpeto). Em 1772 Goethe mudou-se para Wetzlar, a pedido do pai, para trabalhar na sede da corte da justiça imperial. Lá conheceu Charlotte Buff, noiva de seu colega Johann Christian Kestner, por quem se apaixonou. O escândalo dessa paixão obrigou-o a deixar Wetzlar.
Em 1774, Goethe publica “Die Leiden des Jungen Werther” (Os Sofrimentos do Jovem Werther), através do qual torna-se rapidamente conhecido em toda a Europa, pois o livro lá provocou uma onda de suicídios. O período entre seu retorno de Wetzlar e a partida a Weimar foi um dos mais produtivos de sua carreira. Além de Werther, Goethe escreve, entre outros, poemas que se tornaram exemplares de sua obra, como Prometheus, Ganymed e Mahomets Gesang, além de peças como Clavigo, Stella, e outras mais curtas como Götter, Helden und Wieland. É nesse período que Goethe inicia o projeto de seu mais conhecido escrito, Fausto.
Em 1775, Karl August herda o governo de Saxe-Weimar-Eisenach e convida Goethe a visitar Weimar, capital do ducado. Disposto a desfrutar os prazeres da corte, Goethe aceita o convite a acaba por mudar-se para Weimar. Goethe viveu até 1786 na cidade, onde veio a exercer diversas funções político-administrativas. Em Weimar, Goethe vive um afetuoso romance com Charlotte von Stein, do qual restam documentadas mais de 2 mil cartas e bilhetes. Com o trabalho diário na administração da cidade resta-lhe pouco tempo para sua prática poética. Nesse período Goethe trabalha na escrita em prosa de “Iphigenie auf Tauris” (Ifigênia em Táuride), além de outras e vários poemas.
Por volta de 1780, Goethe passa a ocupar-se sistematicamente com pesquisas na área das ciências naturais. Seu interesse surge, principalmente, nas áreas de geologia, botânica e osteologia. No mesmo ano, juntamente com Herder, torna-se membro de uma sociedade secreta, os Illuminati (conhecida como Maçonaria Iluminada, extinta pelo governo da Baviera em 1787), que alcança grande prestígio entre as elites europeias.
Cada vez mais insatisfeito com o trabalho na administração pública e seu relacionamento com Charlotte desgastado, Goethe entra em crise com relação ao rumo tomado por sua vida. Por conta disso, em 1786, já autor famoso, parte sem pré-aviso para a Itália usando um pseudônimo e assim evitando ser reconhecido. Goethe passou por Verona, Veneza, Lago di Garda, até chegar a Roma, onde permanece até 1788. Em abril desse ano, Goethe deixa Roma e chega, dois meses depois, de volta a Weimar, totalmente restabelecido.
Poucas semanas após o retorno, Goethe conhece Christiane Vulpius, uma mulher de 23 anos, de origem simples, sem prestígio social. Mesmo com a pouca aceitação da sociedade weimarense, Goethe e Christiane casam-se em 1806 e permanecem unidos até a sua morte, em 1816.
Logo Goethe assume cargos de influência política nas áreas da cultura e científica. De 1791 a 1817 Goethe dirige o teatro de Weimar, após dirigir a escola de desenho. Ao mesmo tempo torna-se membro conselheiro na Universidade de Jena, onde conhece, entre outros, Friedrich Schiller, Georg Hegel e Friedrich Schelling.
Em 1794, inicia amizade com Friedrich von Schiller, que passa também a residir em Weimar. Essa amizade entre os dois grandes escritores é celebrada como um dos maiores momentos da literatura alemã. Interessante saber que na década de 1790, Goethe escreve uma série de comédias satirizando a Revolução Francesa, que desaprova, como Schiller.
Como resultado de suas discussões a respeito dos fundamentos estéticos da arte, Schiller e Goethe desenvolvem ideias artísticas que dão origem ao Classicismo de Weimar. Nesse período, Schiller convence Goethe a retomar a escrita de Fausto e acompanha o nascimento de “Wilhelm Meister Lehrjahr” (Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister).
No ano de 1805, ocorre a morte de Schiller, grande perda para o amigo Goethe, que adoece sucessivamente nos anos seguintes. Em 1806, ano em que Goethe se casa com Christiane Vulpius, Weimar é invadida pelas tropas de Napoleão. Atormentado com os acontecimentos, Goethe vive uma fase pessimista. Desta época provém seu último romance, Die Wahlverwandschaften, de 1809. Um ano depois Goethe começa a escrever sua autobiografia e publica a "Teoria das Cores".
Em 1808, Napoleão condecora Goethe, no Congresso de Erfurt, com a grande cruz da Legião da Honra. De acordo com sua correspondência, Goethe ficara bastante aturdido com a Revolução Francesa. Prova disso, é a segunda parte de Fausto, publicada postumamente, conforme seu pedido a Eckerman de somente abri-la após a sua morte, num profundo lamento, prevendo que sua literatura cairia no esquecimento.
Um ano após a morte da esposa (1816), Goethe organiza seus escritos e publica os seus últimos trabalhos. Em 1823, Jean-Pierre Eckerman torna-se secretário de Goethe e o ajuda na revisão e publicação de escritos, até sua morte.
Durante esse período Goethe dedica-se à escrita de Fausto, que veio a finalizar após 16 anos de trabalhos contínuos, em 1831. Aos 82 anos, em 22 de março de 1832, Goethe morre na cidade de Weimar, sendo sepultado no Cemitério Histórico, Weimar, Turíngia, na Alemanha.
Goethe foi aclamado como gênio no Segundo Reich e suas ideias foram fundamentais para a instauração da República de Weimar, após a Primeira Guerra Mundial. Já na Alemanha Nazista, sua obra foi deixada de lado, pois suas ideias humanistas não cooptavam com a ideologia nazista.

domingo, 2 de outubro de 2011

MIKHAIL BAKUNIN E O ANARQUISMO (Parte 5)

V - CONCLUSÃO

O Anarquismo, como muitos outros “ismos” que andam por aí, é um conceito absolutamente teórico. Ninguém pode conceber uma sociedade organizada, com ordem, sem algum tipo de coerção que poderá ser, por exemplo, um conjunto de normas, regulamentos, leis etc... que, uma vez criadas, tenderão a ser descumpridas, eventualmente. Nesse caso, obrigatoriamente, alguém (ou alguns) terá que ser responsável pelo manutenção dessas normas e surgirá, obrigatoriamente, a coerção. Quem duvidar disso, que procure, para começar, viver num condomínio – vertical ou horizontal – onde haja, pelo menos uma pessoa ou família mal educada, que resolva fazer, dentro do condomínio, tudo aquilo que lhe der vontade de fazer sem respeitar os direitos dos demais ou, ainda mais simples, onde todos procurem agir de maneira idêntica, fazendo tudo o que lhes aprouver, e verão, muito rapidamente, aonde tal procedimento conduzirá a convivência dentro deste condomínio. Mesmo considerando o mais puro conceito, ele jamais poderá deixar de ser teórico. Afirmar que se pode educar um povo ou o mundo de modo a fazê-lo praticar o Anarquismo, é uma utopia muito maior do que tentar educar o mesmo povo ou o mundo, para praticar a democracia e o capitalismo honesto e sem ganância. Pelo menos para esta "humanidade", tal como ela foi criada. Como mostrado acima, a grande dificuldade reside exatamente na consolidação dos ideais anarquistas, totalmente inviável na prática, que jamais poderá prescindir das questões referentes ao determinismo da natureza humana.
Vejam que nos meios anarquistas, de forma geral, rejeita-se a hipótese de que o governo ou o Estado sejam necessários ou mesmo inevitáveis para a sociedade humana. Segundo eles, os grupos humanos seriam naturalmente capazes de se auto organizarem de forma igualitária e não-hierárquica, mediante os progressos originados pela educação libertária. Imediatamente meu pensamento volta-se ao Brasil em que vivemos hoje e eu me pergunto se uma utopia dessas seria aqui possível. Com a necessidade de um chão a ser varrido, quem o varreria? E quem mandaria varrer? Ou todos mandariam? Ou todos varreriam? Ou ninguém varreria? E com relação às atividades mais nobres, quais seriam os procedimentos? E para aquelas que necessitassem inteligências mais expeditas? Em quanto tempo essa suposta educação libertária seria adquirida de forma a proporcionar bons resultados, se no Brasil, por exemplo, não se consegue nem proporcionar a educação fundamental aos seus cidadãos?
Ainda, o Anarquismo sustenta que a presença de hierarquias baseadas na força, ao invés de contribuírem para a organização social, antes a corrompem, por inibirem essa capacidade inata de auto-organização e por dar origem à desigualdade. Mas as hierarquias não necessariamente devem ser baseadas na força, embora a natureza assim o tenha determinado, tanto no reino animal quanto nos primórdios da humanidade, pela simples razão de que essa é a ordem natural das coisas. Racionalmente, essas hierarquias, naturalmente, deveriam ser formadas pelos mais capacitados, física ou intelectualmente, não há como se opor a isso. A capacidade inata de auto organização, que sempre existiu, na teoria, é permanentemente questionada quanto à sua aplicação prática, porque sempre ditada, definida ou determinada pela ação dos mais capazes, sempre que a primeira discussão sobre a forma mais correta de organização surge.
É sempre muito interessante que nos fixemos sobre o conceito de “liberdade” tal como emitido pelos libertários – mas não apenas por eles. Por exemplo, quando os anarquistas libertários dizem que, para a encarnação da Liberdade, é necessária a erradicação completa de qualquer forma de autoridade – enquanto houver autoridade não haverá liberdade! -, eu fico imaginando como seria possível ter-se algo desse tipo num país como o nosso, onde a maioria do povo não possui consciência nem tampouco cultura para respeitar, nem ao menos, os sinais de tráfego e as regras mínimas de conduta! O que imaginariam os anarquistas liberais? Que bastaria avisar ao público usuário, de uma determinada rodovia, que a velocidade limite era de 80 km/h e todo o povo obedeceria incontinenti? O povo age assim hoje? Mas atenção à palavra usada: “obedecer”. Não seria ela muito pesada? Não estaria cerceando a sua liberdade total? Obedeceriam todos? Alguém não obedeceria? O simples fato de uma pessoa não poder desobedecer, implica cerceamento de sua liberdade. Além disso, alguma autoridade deveria existir para dizer que esse alguém não estava seguindo a regra estabelecida. E punir esse alguém. E autoridade é uma forma de poder. Isto é apenas um exemplo muito simples de que é impossível o conceito de liberdade total. Ou seja, novamente, a teoria é muito bonita, como se fosse possível a liberdade total para alguns sem ferir a liberdade de outros tantos!!! O que me faz lembrar e invocar os versos da nossa poetisa Cecília Meireles:

"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."


Ao final de tudo, como vemos claramente, o anarquismo, sem precisarmos entrar no mérito de ser bom ou mau, mostrou ser de um teorismo absoluto que, como não poderia deixar de ser, resultou em ... nada! O movimento terminou por completo e muita gente boa e inteligente sacrificou-se por nada, ou seja, sacrificou-se apenas, por nada. A mim configura um completo absurdo, um desperdício de energia e de vidas, como de fato aconteceu; e, o pior de tudo, um tempo que poderia ter sido utilizado de alguma forma muito mais produtiva, até para aqueles que participavam das ideias originais. Existem heróis e heróis. Heróis que se sacrificam inutilmente, sem um objetivo definido, não são heróis, são tolos. É insensato lutar por causas que sabe-se, a priori, são impossíveis de serem atingidas, como foi o caso do Anarquismo e muitos outros “ismos” que ainda existem por aí. São causas perdidas em sua origem, por que vão contra a natureza humana; e os seus idealizadores e seguidores são, das duas uma: ou muito ingênuos, o que custo a acreditar, ou, embora propagando uma teoria correta – embora impossível – estejam buscando, ao final de tudo, lucros ou benefícios pessoais e aí, mostram-se, novamente, iguais a tudo e a todos a quem condenam. E em qualquer dos casos, surgirá sempre, e novamente, a tão falada figura dos “inocentes úteis”, a servirem de “bucha para canhão”.
Com relação ao homem Bakunin, tenho sempre uma teoria sobre os revolucionários (que pregam ou lideram revoluções, quaisquer transformações violentas da forma de um governo), terroristas (adeptos do terrorismo, forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência) e outros, em geral. A biografia de Bakunin, propositalmente longa, mais uma vez comprova essa minha teoria de que há uma constante em todos os revolucionários, de qualquer origem: as revoltas internas enfrentadas na juventude, brigas domésticas ou externas, mal aceitas pelas mentes mais geniosas, acontecimentos violentos em que o pai, a mãe, ou ambos, foram protagonistas, tragédias em que, de forma direta ou indiretamente, esteve envolvido ou presenciou e, como personalidade mais fraca ou problemática não conseguiu absorver, e o encontro com as companhias de ideologias diversas das vigentes ou aceitas no momento, na hora certa. Ou errada. Todas essas possibilidades podem ocasionar em algumas pessoas, uma revolta interna que, na primeira oportunidade elas irão exteriorizar, transformando-as em revolucionários potenciais.Tive, ao longo de minha vida, numerosos exemplos, alguns muito próximos que sempre confirmaram essa regra. Ainda não encontrei uma exceção. Naturalmente que estou falando dos revolucionários realmente assumidos e não dos aproveitadores e oportunistas que, sem o serem de fato, apenas utilizam as ocasiões que se apresentam, com objetivos nada nobres. É preciso também considerar o fator juventude, como muito importante. É característica dos jovens, o ímpeto revolucionário como ferramenta mais efetiva para a solução das questões políticas e/ou sociais, que os mais maduros já sabem não ser o mais efetivo e preferam usar a política como arma alternativa. Não é à toa que o eminente jornalista e político brasileiro, Carlos Lacerda, a esse respeito teria dito uma vez:

“Quem não foi comunista aos dezoito anos, não teve juventude; quem é depois dos trinta não tem juízo".

Possivelmente porque fora um comunista em sua juventude, mas inteligente bastante para ver que trilhava a estrada errada. Eu não fui comunista na minha mocidade (nem tampouco depois dos trinta anos) e tive uma juventude maravilhosa, mesmo que sem qualquer sobra de recursos financeiros. Infelizmente, já não podemos dizer o mesmo do nosso personagem Bakunin, que enfrentou, em sua própria juventude, muitos dos fatores acima mencionados e, aparentemente, não foi suficientemente inteligente para mudar os rumos dos seus ideais; persistiu nos seus erros e desperdiçou uma vida que poderia ter sido preciosa, se acertadamente colocada a serviço do seu país e das nações europeias onde viveu e trabalhou.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

MIKHAIL BAKUNIN E O ANARQUISMO (Parte 4)

IV - OBSERVAÇÕES E CRÍTICAS AO PENSAMENTO DE BAKUNIN

Bakunin defendia a ideia de que Deus implica na abdicação da razão humana e justiça, considerada a mais decisiva negação da liberdade humana, que culmina com a escravidão da humanidade, na teoria e na prática. E ia ao ponto de inverter o famoso aforismo de Voltaire de que se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo, afirmando: "Se Deus realmente existisse, seria necessário aboli-lo."
A disputa entre Mikhail Bakunin e Karl Marx realçou as diferenças entre o anarquismo e o marxismo. Os argumentos de Bakunin, de que nem todas as revoluções precisam ser, necessariamente, violentas, se contrapunham aos ideais defendidos por um número considerável de marxistas. Ele também rejeitou fortemente o conceito marxista de "ditadura do proletariado", que os seguidores de Marx, na atualidade, traduzem em termos modernos por "democracia dos trabalhadores", mas que mantém o poder concentrado no estado até a futura transição ao comunismo, se ela um dia acontecer. Bakunin, que havia abandonado os ideais de uma ditadura revolucionária, insistia que revoluções deveriam ser lideradas pelo povo, diretamente, enquanto que qualquer elite iluminada só deveria exercer influência discreta, sem jamais impor-se, na forma de uma ditadura, a outrem, nem tampouco aproveitar-se de quaisquer direitos oficiais, em termos de benefício. Bakunin defendia a abolição imediata do estado, pois todas as formas de governo levariam, eventualmente, à opressão. Quanto a isso, são palavras de Bakunin, em seu trabalho “Estadismo e Anarquismo”:

“Os marxistas defendem que nada além de uma ditadura - a ditadura deles, é claro - pode criar o desejo das pessoas, enquanto nossa resposta para isso é: nenhuma ditadura pode ter qualquer outro objetivo além de sua autoperpetuação; ela pode apenas levar à escravidão o povo que tolerá-la; a liberdade só pode ser criada através da liberdade, isto é, por uma rebelião universal por pessoas e organizações livres, das multidões de trabalhadores, de baixo para cima.”

Em sua concepção de revolução social, os trabalhadores do campo e da cidade se organizariam em uma base federalista, criando as ideias e os fatos do próprio futuro. Os sindicatos e organizações operárias poderiam tomar posse das ferramentas de produção, bem como dos prédios e recursos. Segundo Bakunin, os camponeses ocupariam a terra, colocando para fora os senhores da terra, que vivem do esforço de outros. Em sua perspectiva, as multidões, as massas de pessoas pobres e exploradas, seriam capazes de inaugurar e levar ao triunfo a Revolução Social, uma vez que estes eram os setores sociais ainda pouco corrompidos pela civilização burguesa.
No âmbito do movimento, Bakunin foi posteriormente criticado pela concepção de revolução violenta que defendia. Alguns de seus críticos afirmam sua defesa da conspiração revolucionária e aprovação da ação direta violenta contra agentes do aparato repressor estatal e a atentados individuais (o que mais tarde, de uma perspectiva legalista, viria a ser chamado de terrorismo), o que serviu como justificativa para a repressão empreendida pelas autoridades constituídas contra os anarquistas. Também com base nesses atos de violência, a oposição, ao final do século XIX, justamente difundiria a ideia de anarquia como sinônimo de caos, desordem e assassinato sem sentido.
Ainda no século XIX, outro grande pensador libertário russo, Piotr Kropotkin apresentou importantes críticas às ideias de Bakunin. Frente à ideia de Bakunin de que a revolução deve acontecer necessariamente de maneira violenta e espontânea, ele escreveu em 1891: "Um edifício baseado em alguns anos de história não se destrói com alguns quilos de explosivo". Em contraposição à revolução violenta, Kropotkin aponta, muito acertadamente, para o papel fundamental que poderia exercer a educação na transformação de uma sociedade. "Nenhuma revolução social pode triunfar se não for precedida de uma revolução nas mentes e nos corações do povo". Estas ideias influenciariam os movimentos de educação libertárias do final do século XIX início do XX entre eles o movimento de Escolas Modernas idealizado pelo pedagogo catalão Francisco Ferrer.
Em 1898 Kropotkin propôs a fundação de um Comitê Pró Ensino, do qual fizeram parte o anarquista cristão Leon Tolstoi, Jean Grave, Charles Malato e os irmãos Réclus, dentre outros grandes pensadores do movimento anarquista da época. Neste contexto, a ideia de revolução pela violência, de Bakunin, foi deixada de lado em prol da transformação através da educação libertária.
Bakunin foi também acusado de ser um autoritário enrustido. Em sua carta para Albert Richard, ele escreveu:

"Existe apenas um poder e uma ditadura que, enquanto organização, é salutar e plausível: é a ditadura coletiva e invisível, daqueles que estão aliados em nome de nosso princípio."
Entretanto, defendido por seus apoiadores, essa "ditadura invisível" não seria uma ditadura no sentido convencional da palavra; esta seria uma linguagem figurativa a rebater as posições defendidas por Richard em ocasiões anteriores. O próprio Bakunin fora cuidadoso em explicitar que os membros desta ditadura não poderiam exercer nenhum poder político institucional, nem contar com quaisquer privilégios.
O historiador anarquista Max Nettlau descreveu o pan-eslavismo de Bakunin como sendo o resultado de uma psicose nacionalista, da qual poucos estavam livres. A publicação de suas "Confissões", de 1851, escritas enquanto Bakunin era prisioneiro do Czar na fortaleza de Pedro e Paulo, foram utilizadas para atacar Bakunin porque nelas ele pedia ao Imperador perdão por seus pecados e implorava a ele que se colocasse a frente dos eslavos como redentor e pai.
Seu eurocentrismo teve como manifestações um apelo seu pela constituição dos Estados Unidos da Europa, seu suporte ao colonialismo russo, em particular como defendido por seu parente e patrono o conde Nikolay Muravyov-Amursky e sua indiferença ao Japão e aos camponeses japoneses durante e depois de sua breve estadia em Yokohama, embora o Japão fosse considerado o país mais proeminente e revolucionário da Ásia durante a Restauração Meiji, de 1866 a 1869. Estes aspectos de seu pensamento, no entanto, datam de antes dele se tornar um anarquista.
Devido a algumas de suas colocações com relação ao judaísmo, Bakunin tem sido considerado um antissemita. Este posicionamento, que nada tem a ver com o anarquismo, tem sido bastante criticado pelos libertários das gerações seguintes, identificando esta característica como uma falha de caráter mais ou menos comum entre parte dos anarquistas e socialistas da Europa do século XIX, que incluíam Proudhon.
Durante algumas discussões com Karl Marx, Bakunin apresentou comentários antissemitas comuns entre os preconceitos europeus com relação aos judeus tratando-os como uma nação sem território. Sobre eles teria dito Bakunin:

“…uma seita de exploradores, um povo de sanguessugas, um único parasita devorador, estreita e intimamente ligado, não só através das fronteiras nacionais, mas também em todas as divergências de opinião política … (judeus) cuja paixão mercantil constitui um dos principais traços de seu caráter nacional.”

Na verdade, pode-se afirmar que Bakunin era contra toda e qualquer forma de autoridade imposta pela religião ou estado, conforme trecho de seu livro "Deus e o Estado". Seria, portanto, muito simplista ou equivocado afirmar que ele era somente contra o povo semita.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

MIKHAIL BAKUNIN E O ANARQUISMO (Parte 3)

III - BAKUNIN

Mikhail Aleksandrovitch Bakunin
Mikhail Aleksandrovitch Bakunin nasceu em Premukhimo, na Rússia, em 30 de maio de 1814 e faleceu em 01 de julho de 1876, na cidade de Berna, na Suíça. Foi um político teórico russo e um dos principais expoentes do anarquismo nos meados do século XIX. Nascido no Império Russo, de uma família de sete filhos, proprietária de terras de tendência nobre, durante a sua infância, seu pai Alexander, que se identificava com o liberalismo europeu e a Revolução Francesa, apresentou à sua família as ideias em torno deste movimento e ofereceu aos seus filhos uma educação primária baseada nestes mesmos ideais.
No entanto, depois dos fracassados levantes dezembristas de 1825, Alexander Bakunin, horrorizado com a violência e temeroso que as ideias liberais lhe causassem problemas, tornou-se um leal czarista a defender os benefícios da aristocracia russa que, a época, era quase toda composta por famílias da nobreza daquele país. Nesta mesma época Alexander decidiu mandar Mikhail para São Petersburgo para que ele se tornasse um oficial de artilharia. Aos 14 anos de idade Mikhail Bakunin deixou a casa de sua família, em Premukhimo, para a Universidade de Artilharia em São Petersburgo. Lá o jovem Bakunin completou seus estudos em 1832, e em 1834 foi promovido a oficial júnior da Guarda Imperial Russa. Seu pai imediatamente exigiu que ele fosse transferido para o exército regular. Após a transferência de cargo, a bateria na qual Bakunin estava alistado foi enviada à Minsk e Gardinas, na Lituânia.
Deprimido e insociável, em meio ao inverno rigoroso e preso em uma pequena aldeia congelada, teve início a revolta do jovem e Bakunin passaria a negligenciar seus deveres, mentindo, para passar os dias envolto em pele de carneiro. Teria sido então nesse momento que os seus ideais libertários teriam começado a se manifestar? A necessária disciplina do exército o teria incomodado tanto? Diante da incontinência, o oficial em comando lhe deu duas opções: retomar suas funções regulares ou desligar-se do exército. Bakunin tomaria a segunda e mais fácil decisão, retornando à casa paterna no início da primavera.
Diante do seu retorno, como seria fácil imaginar, a relação com o pai se tornaria cada vez mais conflituosa e os problemas de todos se agravariam. No verão seguinte ele tomaria parte em uma briga familiar assumindo o lado de sua irmã que se rebelara contra o pai, defensor de um casamento em que sua filha se sentia infeliz, ampliando ainda mais as suas revoltas. Em 1835 Mikahil Bakunin parte para Moscou com o objetivo de estudar filosofia, caminho natural para muitos jovens incomodados por problemas existenciais. A escolha se contrapunha frontalmente ao projeto de vida defendido por seu pai: tornar-se um grande oficial de carreira militar. E acontece o inevitável rompimento.
Mikahil Bakunin passou sua juventude em Moscou, estudando filosofia, com um grupo de estudantes universitários, engajados no estudo sistemático de filosofia idealista – em oposição à materialista. A filosofia de Kant era, inicialmente, a central neste círculo de estudos, mas depois alternaram para Schelling, Fichte e Hegel. E começou a frequentar os círculos radicais onde foi, em grande medida, influenciado pelas ideias de Aleksandr Herzen, considerado “o pai do socialismo russo”, filósofo, escritor, jornalista e político russo, seu contemporâneo e um dos primeiros críticos russos ao capitalismo e à burguesia. Esses, sempre e inevitavelmente, têm sido os grandes vilões de todos os males da humanidade, como se, não existindo, pudesse existir a riqueza possível de minorar os males maiores dos miseráveis. A propósito, Herzen era filho ilegítimo de um rico proprietário de terras russo com uma jovem protestante alemã, o que poderia ajudar a explicar a sua aversão ao capitalismo e à burguesia.
Foi fortemente influenciado pelo pensamento de Hegel, sendo o autor da primeira tradução de sua obra para o idioma russo, mesma época em que começa a desenvolver uma perspectiva pan-eslávica. Depois de longas discussões com seu pai, Bakunin foi para Berlin em 1840 onde, inicialmente, planejava tornar-se um professor universitário, mas logo encontrou e passou a fazer parte de um grupo de estudantes denominado "Esquerda Hegeliana", unindo-se ao movimento socialista. Em seu ensaio de 1842 “A Reação na Alemanha”, ele argumentava em favor da ação revolucionária da negação, resumida na frase:
A paixão pela destruição é uma paixão criativa”.
Mudou-se para Dresden (Alemanha) e depois para Paris (França), onde conheceu grandes pensadores políticos entre estes George Sand, Pierre-Joseph Proudhon e Karl Marx, todos socialistas. Por essa época já havia abandonado seu interesse na carreira acadêmica, devotando mais e mais do seu tempo à promoção da revolução. Preocupado com seu radicalismo o governo imperial russo ordenou que ele retornasse a Rússia. Diante de sua recusa, todas as suas propriedades – já herdadas de seu pai - em território russo foram confiscadas. Nesta mesma época Bakunin foi para a cidade suíça de Zurique, onde permaneceu por seis meses. Em Bruxelas encontrou-se com oradores do nacionalismo e do progressismo polonês, como Joachim Lelewel, membro da Associação Internacional de Trabalhadores, junto com Karl Marx e Friedrich Engels. Logo rompeu com os poloneses por discordar de muitas das suas ideias. Foi deportado da França por discursar publicamente contra a opressão russa na Polônia. No outono de 1848 Bakunin publicou seu “Apelo aos Eslavos”, em que propunha que os revolucionários eslavos se unissem com os revolucionários húngaros, italianos e alemães para derrubar as três maiores autocracias da Europa, o Império Russo, o Império Austro-Húngaro, e o Reino da Prússia. Em 1849 foi preso em Dresden por sua participação na Rebelião de 1848, ocorrida em toda a Europa Central.
Após ter sido preso e sentenciado em vários países da Europa, foi finalmente enviado de volta ao Império Russo, onde foi aprisionado na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petersburgo, onde teria assinado confissão bastante controversa. Depois de três anos ele passaria outros quatro preso nas masmorras subterrâneas do castelo de Shlisselburg, onde sofreria com o escorbuto e perderia todos os dentes como resultado de aterradora dieta. Seu contínuo aprisionamento, nessas terríveis condições, fizeram com que ele pedisse ao seu irmão que lhe trouxesse veneno para dar um fim mais digno ao seu sofrimento. Em fevereiro de 1857, sua mãe fez um apelo ao imperador Alexandre II, que resultou na deportação de Bakunin ao exílio permanente na cidade de Tomsk, na Sibéria Ocidental. Após muitas peripécias e ajudado por parentes influentes na Sibéria, conseguiu escapar do exílio indo para o Japão, Estados Unidos e, de lá, retornando para Londres, onde ficou durante um curto período de tempo em que, juntamente com Herzen, colaborou para o periódico jornal radical Kolokol ("O Sino"). Em 1863 Bakunin partiu da Inglaterra para se juntar à insurreição na Polônia, mas não conseguiu chegar ao seu destino, permanecendo algum tempo na Suíça e na Itália, onde manteve contato com Garibaldi. Foi lá que pela primeira vez ele se autodeclarou anarquista e expôs suas ideias como tal.
Apesar de ser considerado um criminoso pelas autoridades religiosas e governamentais, já naquela época, Bakunin havia se tornado uma figura de grande influência para a juventude progressista e revolucionária, não só na Rússia, mas por toda a Europa. Em 1868, tornou-se membro da “Associação Internacional de Trabalhadores” (AIT), uma federação de progressistas e organizações sindicais com grupos, em grande parte, dos países europeus. Entre os anos de 1869 e 1870, Bakunin esteve envolvido com o revolucionário russo Sergey Nechayev em um número significativo de projetos clandestinos. Em conjunto os dois teriam escrito os livretos "Palavras à juventude – princípios da revolução" e "Catecismo de um Revolucionário", obras consideradas por muitos um exemplo de frieza maquiavélica. Entretanto, logo em seguida, Bakunin reveria esta posição rompendo com Nechayev devido aos seus métodos "jesuítas", como o próprio Bakunin posteriormente definiria. Desde então passa a criticar a ideia de Nechayev de que todos os meios são justificáveis para atingir aos fins revolucionários.
Em 1870, entrou na insurreição de Lyon, um dos principais precedentes da Comuna de Paris, o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a invasão alemã, durante a guerra franco-prussiana. Em 1872 Bakunin havia se tornado uma figura influente na AIT, fazendo com que, através de suas posições, o congresso ficasse dividido em duas tendências contrapostas: uma delas, que se organizava em torno da figura de Marx, defendia a participação em eleições parlamentares e a outra, de caráter libertário, opondo-se a essa, considerada não revolucionária, se articulava em torno de Bakunin.
A posição defendida pelo círculo de Bakunin acabaria sendo derrotada em votação e, ao fim do congresso, Bakunin e muitos membros foram expurgados sob a acusação de manterem uma organização secreta dentro da Internacional. Os libertários, entre eles Bakunin responderam à acusação afirmando que o congresso fora manipulado, e que por esse motivo organizariam sua própria conferência da Internacional em Santo-Imier na Suíça depois, de 1872. Ainda que Bakunin aceitasse a análise de classes de Marx e suas teorias econômicas relacionadas ao capitalismo, reconhecendo-o em sua genialidade, ele considerava Marx um arrogante, e achava que seus métodos poderiam comprometer a revolução social. Bakunin criticava de forma efusiva o que chamava de "socialismo autoritário" (que associava sobretudo ao Marxismo) e o conceito de ditadura do proletariado, que refutava abertamente:

“Se você pegar o mais ardente revolucionário e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele será pior que o próprio Kzar”.

Bakunin e a frase que o tornou famoso
As palavras de Bakunin, antecipadas em minha Introdução e causa primeira desta postagem, evidenciando a falha da estratégia marxista, soavam proféticas com relação aos acontecimentos do século XX.
Bakunin manteve-se envolvido em muitas atividades no âmbito dos movimentos revolucionários europeus.
De 1870 à 1876, escreveu grande parte de sua obra, textos como “Estadismo e Anarquia” e “Deus e o Estado”.  Apesar de sua saúde frágil, tentou participar em uma insurreição em Bolonha, mas foi forçado a voltar para a Suíça, disfarçado, para receber tratamento médico.
Vila Baronata, Lugano, cedida por Carlo Cafiero
Em 1873, morando em Lugano, Suíça, conviveu com Errico Malatesta, teórico e ativista anarquista italiano, também membro da AIT. Bakunin ainda participaria, em 1874, de uma tentativa de revolta na cidade italiana de Bologna. Esta, no entanto, não alcançou êxito, fazendo com que o velho revolucionário retornasse a Lugano, onde passou seus últimos anos. No final de sua vida, com muitos problemas de saúde, foi levado, por um amigo, para um hospital em Berna, onde encontrou seu fim em 1º de julho de 1876.
Seu corpo foi enterrado no cemitério de Bremgarten na cidade de Berna. Seu túmulo mantido graças às doações de um suíço anônimo, ainda é visitado por anarquistas vindos de todo o mundo.
Túmulo de Bakunin


Bakunin é lembrado como uma das maiores figuras da história do anarquismo e um oponente do Marxismo em seu caráter autoritário, especialmente das ideias de Marx de ‘Ditadura do Proletariado’. Ele segue sendo uma referência presente entre os anarquistas da contemporaneidade.