Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

RESGATANDO ARTHUR FERREIRA FILHO

Ultimando os preparativos para a nossa última viagem de Florianópolis (SC) para Gramado (RS), adentrei novamente o escritório de nossa casa em Canasvieiras - com um pouquinho de saudade antecipada pelas coisas que ia estar deixando - para mais uma olhada nas estantes de livros. O objetivo era encontrar algo leve, em peso e conteúdo, para ler durante a viagem, se a oportunidade surgisse. E encontrei um volume fino, com o título "Narrativas de Terra e Sangue", cujo autor chama-se Arthur Ferreira Filho".
Pois bem, esse escritor, é tio materno de meu pai Carlos Ferreira de Azambuja e, conseqüentemente, meu tio avô. Meu pai, muito mais Azambuja que Ferreira, sempre foi bastante reservado, em geral, e mais ainda no que se referia à sua vida familiar. Teve as suas razões, surgidas ainda em sua infância, e as carregou por toda a vida. Através dele muito pouco transpirou acerca dos meus antepassados Azambujas ou Ferreiras, muito embora fossem famílias muito grandes, tanto a nivel regional, como nacional. Uma peculiaridade curiosa, entretanto, é que meu irmão Nei e eu ainda carregamos em nossos nomes o sobrenome Ferreira, exatamente por solicitação de Arthur Ferreira Filho. Pelo menos até pouco tempo atrás, era normal que os filhos ajuntassem ao seu prenome, o último sobrenome da mãe e o último sobrenome do pai. A pedido deste nosso tio avô, já antecipando o conseqüente desaparecimento do sobrenome Ferreira nos nomes dos filhos de meu pai, a ele sugeriu que o mantivesse em nossos nomes, o que evitaria a extinção do sobrenome, pelo menos por mais uma geração. Mal sabia ele que a minha esposa Selene sugeriria, numa singela homenagem, que o nosso terceiro filho, e primeiro homem, se tornasse Júnior; para minha alegria e "transtorno" permanente para o meu filho, dado o comprimento quilométrico de seu próprio nome: Nelson Sant'Anna Ferreira de Azambuja Júnior!

Nasceu Arthur Ferreira Filho na histórica Fazenda do Bujuru, em São José do Norte, cidade fronteira à importante cidade de Rio Grande, porto marítimo na entrada da Lagoa dos Patos, sul do estado do Rio Grande do Sul, na data revolucionária de 20 de setembro (por acaso mesma data natalícia de meu pai), em 1899; faleceu em Porto Alegre em 25 de março de 1996, com 96 anos de idade. Muito cedo transferiu-se para Bom Jesus, situado na região nordeste do estado, cidade da qual seria, primeiro, delegado, e mais tarde, Prefeito Municipal. Foi também Prefeito de Passo Fundo e São Leopoldo.
Descendente de antiga família de fazendeiros e militares do sul do estado do Rio Grando do Sul, foi engenheiro, militar, escritor, sociólogo, historiador e político brasileiro. Positivista, era filiado ao Partido Republicano Rio-grandense. Foi Capitão da Brigada do Norte durante a Revolução de 1923 e chegou a Tenente-Coronel em 1925, em operações de guerra nos estados de Santa Catarina e Paraná. Mereceu várias condecorações e medalhas, foi diretor da Biblioteca Pública do Estado e membro, entre outros, do Instituto Geográfico do Rio Grande do Sul, Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, Academia Rio-grandense de Letras, da qual foi quatro vezes presidente. Escreveu vários livros, entre eles uma "História Geral do Rio Grande do Sul" e "Narrativas de Terra e Sangue". Não é meu objetivo transcrever as "Memórias" deste gaúcho ilustre, mas gostaria muito de registrar que Arthur Ferreira Filho encarna o que o Rio Grande tem de melhor, com sua experiência da "campanha do tempo das tropeadas de gado gordo para a tablada de Pelotas e dos negócios de mulas de tiro para as áreas mineiras e já para as urbanizações de São Paulo". "Castilhista" de berço, manteve-se sempre dentro dos padrões éticos da filosofia positivista de Augusto Comte, mostrados no regime de nobre conduta cívica dos governos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Em todas as funções públicas de que se ocupou, sempre desempenhou fecunda e honesta administração. E, mais do que qualquer outra coisa, assistiu e participou da consolidação de República, colaborando para a sua manutenção, inclusive colocando em risco a sua própria vida.
Li o seu livro "Narrativas de Terra e Sangue" em dois dias e nunca, como autêntico gaúcho não-bairrista, me deliciei tanto com as histórias e "causos" das coisas do Rio Grande, como com as narradas por Arthur Ferreira Filho. Como diz Ângelo Torres, prefaciando seu livro de memórias, "Quem quiser conhecer o Rio Grande a cavalo, do Império e dos primeiros anos da República, deve percorrer as páginas de Narrativas de Terra e Sangue", onde Arthur Ferreira Filho relata as histórias pastoris daquele tempo, com uma simplicidade e, ao mesmo tempo, uma emoção que não pode deixar de fazer retornar às suas origens os gaúchos que, como eu, por tanto tempo se mantiveram espacialmente distantes do seu querido torrão natal.
Faço público o meu lamento, por não possuir, à época em que nos deixou, o conhecimento necessário para bem poder expressar ao meu pai, a minha enorme admiração por esse seu tio querido, após tomar conhecimento de uma pequeníssima parcela de sua obra e de sua vida.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

THE NETHERLANDS OU HOLLAND?

Há poucos dias atrás, comentando sobre a questão “Pequim ou Beijing?” e motivado por aquela discussão, lembrei-me de ter ouvido e freqüentemente ainda ouvir, muitas vezes, pessoas – incluindo autoridades - usarem indiscriminadamente as palavras “Holanda” e “The Netherlands” (em português, Países Baixos). E lembrei-me também do meu amigo Gilberto Valente Canali, que havia feito, logo após ter-se formado em Engenharia Civil, um curso em Delft, “The Netherlands”, casualmente localizada na região de “Holland”, e resolvi realizar uma pequena pesquisa para esclarecer o assunto. Vamos lá...
Netherlands é o país europeu, parte do "Reino das Netherlands", que consiste das Netherlands, propriamente ditas, das Antilhas das Netherlands e Aruba, no Caribe. As Netherlands são uma monarquia constitucional democrática parlamentar, localizada na Europa Ocidental. Faz fronteira com o Mar do Norte, ao norte e oeste, com a Bélgica, ao sul e com a Alemanha a leste. É, portanto, o País. A figura abaixo mostra as Netherlands (em vermelho) e sua relação com a Europa.





A Holanda (em língua inglesa e dutch, Holland) é uma região na parte ocidental das Netherlands. Uma importante potência marítima e econômica no século XVII, a Holanda hoje é constituída pelas províncias Holanda do Norte e Holanda do Sul (“dutch provinces”) e é, portanto uma parte das Netherlands. Por falar em “Dutch”, é oportuno lembrar que essa palavra é usada para se referir às pessoas, à língua e à qualquer coisa nativa das Netherlands (em dutch, Nederland); em conseqüência, é absurdo dizer “fulano é holandês”, a “língua holandesa” etc…, mas deveria ser dito “fulano é dutch”, a “língua dutch” etc.. Consequentemente, quando referindo-se às “Netherlands”, como um todo, o adjetivo a ser empregado é “Dutch”. Tal termo não pode ser usado para “Holanda” em um contexto moderno, porque ele se refere a toda Netherlands e não apenas à Holanda. A figura que segue mostra a Holanda (em laranja) dentro das Netherlands.
Com relação à língua falada nas Netherlands, é interessante registrar que tanto o “dutch” como o “frisian” são línguas oficiais daquele país.





As Netherlands são, muitas vezes, chamadas de Holanda, o que é, portanto, formalmente incorreto, uma vez que a Holanda do Norte e a Holanda do Sul são meramente duas de suas doze províncias. Esse exemplo de “pars pro toto” ou sinédoque é bem similar à tendência que existe em se referir ao Reino Unido como “Inglaterra”.
O nome Holland (tanto em inglês, quanto em dutch) apareceu documentado, pela primeira vez, em 866 AD, para caracterizar a região ao redor de Haarlem e, por volta de 1064, era usada para indicar o nome de todo o distrito. Nessa época os habitantes de Holland referiam-se a si próprios como “Hollanders”; Hoje em dia, esse termo refere-se, especificamente, ao povo das provícias de North Holland e South Holland. Portanto, estritamente falando, o termo “Hollanders” não se refere ao povo de toda as “Netherlands”, embora, coloquialmente, Hollanders (holandeses) seja muitas vezes e erradamente usado nesse contexto mais amplo.





A palavra Holland é derivada do termo “dutch” holtland (que significa “terra florestada”). Essa variação de escrita permaneceu em uso até mais ou menos o século XIV em cuja época o termo estabilizou-se como Holland. Popular, mas incorreta, a etimologia sustenta que Holland é derivada de hol land (“terra côncava”) e foi inspirada pela geografia de terras baixas predominantes na Holanda. Em contrapartida, a palavra “dutch” Nederland, significa terras baixas ou inferiores” e, essa sim, tem a sua razão de ser.
Como a maioria sabe, as Netherlands é, geograficamente, um país de terras baixas, com 60% de sua população vivendo abaixo do nível do mar. Áreas significativas do país foram obtidas através de aterro marítimo e preservadas através de um elaborado sistema de diques e “polderes”. Não é à toa que grandes e renomados centros de hidráulica surgiram exatamente naquele país e têm, por tanto tempo, atraído estudiosos de todo o mundo em busca de novos e eficientes conhecimentos nessa área.

sábado, 25 de outubro de 2008

O CABEÇALHO DO BLOG

Pois imagino que estivesse devendo uma explicação a respeito do cabeçalho do blog, que possui um significado muito especial, para mim. Vamos a ela!
O cabeçalho é uma foto parcial, editada, da Praça da Matriz, em Porto Alegre. Nela pode-se ver um dos cães de bronze, na entrada da praça, o monumento ao "Positivismo" de Augusto Comte, parte da Catedral Metropolitana ao fundo e alguns dos prédio que circundam a praça.
A primeira coisa que gostaria de observar, é que pouca gente sabe que "Praça da Matriz" é o apelido carinhoso que se dá àquela que se chama, na verdade, Praça Marechal Deodoro. Para os porto-alegrenses, de uma maneira geral, ela sempre se chamou e chamar-se-á Praça da Matriz.
É preciso, depois, explicar o porque do seu especial significado para mim. Ocorre que tendo nascido em Porto Alegre, mudei-me dessa cidade, por motivos profissionais, no final de 1976, com 32 anos de idade, para a cidade de Florianópolis em Santa catarina, onde até hoje possuo um apartamento. Portanto, não apenas a Praça da Matriz, mas muitos outros lugares, me trazem doces recordações da época em que era jovem e tudo era muito mais fácil e, relativamente, de pouca responsabilidade.



Entretanto, a Praça da Matriz, particularmente, me traz lembranças muito mais fortes, principalmente de duas épocas: dos meus três anos de idade (1947) e dos meus 14 anos (1958).
Em 1947, quando meu pai construía uma casa para nós, no bairro do Partenon, fomos morar, por um período relativamente curto, no centro da cidade de Porto Alegre, na chamada Pensão Viaduto. Como o próprio nome indica, esta pensão, muito simples, localizava-se ao pé do viaduto Otávio Rocha, que todos chamam, erroneamente, de viaduto Borges de Medeiros, apenas porque ele se localiza sobre essa importante avenida de Porto Alegre. Para ser bem preciso, a Pensão Viaduto ficava na esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Jerônimo Coelho, exatamente onde fica atualmente a imensa sede da AGERGS - Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul - , em frente ao prédio do INSS, conforme pode-se ver no pequeno mapa colocado acima.
O mapa já citado apresenta a Praça da Matriz, em verde, e os seus arredores. Embora Porto Alegre conte hoje com mais de 1,4 milhões de habitantes, a cidade não fugiu à regra e também teve a sua praça central em frente à igreja mais importante. Nesse caso, a praça apresenta uma face para a rua Duque de Caxias, exatamente defronte à Catedral Metropolitana e a outra para a rua Jerônimo Coelho, enxergando o conhecido e antigo Teatro São Pedro e o Palácio da Justiça, entre eles, a rua General Câmara, famosa Rua da Ladeira; esta, descendo, vai encontrar a Rua da Praia (Rua dos Andradas), justamente no início da Praça da Alfândega.
O mapa mostra também, como vizinhos da Catedral, dois prédios antigos que já existiam à época de sua construção: o Palácio Piratini, sede e residência do governo estadual, e a casa do ilustre ex-governador da então Província de São Pedro do Rio Grande, Júlio de Castilhos, há muito transformada em Museu Júlio de Castilhos. Seguindo pela mesma calçada da rua Duque de Caxias, para a direita, afastando-se da Praça, chega-se ao Colégio Sevigné (escola só para meninas), das irmãs agostinianas, alegria dos alunos do Colégio Anchieta, onde fiz o meu ginásio (naquele tempo só para meninos), dos padres jesuítas, ao lado do Museu Júlio de Castilhos, no caminho do colégio das freiras; o Anchieta mudou-se da Rua Duque no início da década de 60.
Nas laterais da praça encontram-se, de um lado o moderno Palácio Farroupilha, sede da Assembléia Legislativa Estadual, e do outro, o Palácio do Ministério Publico. No local onde hoje se encontra a Assembléia Legislativa, tranquilamente descansava o antigo Auditório Araújo Viana, hoje localizado no Parque da Redenção.
Exatamente esses dois locais, a Praça da Matriz e o Auditório Araújo Viana, são os dois grandes responsáveis por essa crônica despretenciosa que hoje posto.
Da Pensão Viaduto até a Praça da Matriz, eram cerca de escassos trezentos metros, uma pequena caminhada, mesmo para os meus poucos três anos de idade ... Claro que é impossível manter registros precisos de tudo o que me ocorreu na época em que tinha três anos de idade, mas tenho lembranças claras dos passeios que fazíamos à Praça da Matriz, para realizar fantásticas cavalgadas nos lombos daqueles dois cães enormes (sentados, diga-se de passagem) que atuavam como se sentinelas fossem daquele sítio maravilhoso e, então, enorme. Da mesma forma, lembro-me muito bem dos concertos vespertinos, ou de início de noite, que eram oferecidos ao público no auditório Araújo Viana, pelas bandas e orquestas locais, que nunca hão de retornar. Fico a imaginar que músicas tais como "Moonlight Serenade", de Glenn Miller, "Rhapsody in Blue" e "It's Wonderful", do casal Gershwin, "Begin the Beguine", de Cole Porter e tantas outras jóias do mesmo calibre, criadas e cantadas no mundo inteiro antes que eu fosse nascido, ficaram na minha lembrança e fizeram parte de toda a minha vida, principalmente por obra e arte, das tardes passadas em brincadeiras na Praça da Matriz, pois mesmo sem ir ao Auditório Araújo Viana, dele chegavam até ela os sons dessas inesquecíveis melodias.
Onze anos depois, em 1958, voltamos a residir no centro de Porto Alegre, durante um ano, desta feita na rua Marechal Floriano, quase esquina com a rua Riachuelo (mudar de residência sempre foi uma espécie de prazer do meu pai), onde então ainda transitavam os bondes. Nossa casa ficava a cerca de uns setecentos metros da Praça da Matriz, muito próxima da rua Duque, e foi nessa época que meu irmão e eu ganhamos de nossos pais uma Monareta, pequena moto, muito aquém das famosas Lambretas que então faziam sucesso em todo o mundo. Dada a localização da nossa casa, a Praça da Matriz imediatamente apresentou-se como o local ideal para o desenvolvimento de nossas habilidades motociclísticas. Ah, quantos quilômetros rodados, quanto combustível consumido e quantas voltas realizadas em torno da Praça da Matriz, em exibições para as namoradinhas da época...
Nada mais justo do que prestar, ainda que tardiamente, uma homengam à Praça da Matriz, palco que foi de tantas das minhas aventuras de criança e lugar de realce que ocupa entre as minhas lembranças. Mal imaginava eu que, na mesma praça, brincara também, com tenra idade, aquela que seria a minha namorada e depois esposa de toda a minha vida. Para encerrar, algumas fotos da região com as pequenas explicações que se fazem necessárias.





A Praça da Matriz, com o Palácio Piratini à sua frente e o Auditório Araújo Viana, à sua direita, na década de 20 (eu ainda não era nascido, não). Nessa época a Catedra atual ainda não existia, mas sim uma igreja antiga que dava nome à rua - Rua da Igreja. Pode-se ver claramente, na parte de baixo do Auditório, o palco onde se apresentavam as orquestras da época, em direção à rua Duque de Caxias.







É possível ver, também, os bancos de concreto imitando troncos de árvores, onde as pessoas sentavam-se para assistir aos concertos e os carramanchões que se enchiam de flores, proporcionando sombra acolhedora nas tardes de verão.
A seguir, o viaduto sobre a Av. Borges de Medeiros, com suas enormes escadarias e os postes com seus "lampiões" de lâmpadas amareladas, passeio pitoresco que elevava os transeuntes à rua Duque de Caxias. No topo da fotografia, à direita, pode-se ver o prédio dos Diários Associados, por onde passei muitas vezes no caminho para o Colégio Anchieta. Idêntica escadaria existia para o outro lado do Viaduto, que terminava muito próximo do saudoso Cinema Capitólio; sob ambas, as famosas lojinhas e quiosques do Viaduto para onde acorria a criançada em busca dos recém chegados "chiclets balão".



Monumento e árvores da Praça da Matriz e a Catedral Metropolitana ao fundo, em fotografia de 2003.
Abaixo, as escadarias da Praça da Matriz, com prédios modernos ao fundo.

















E, finalmente, a Preaça da Matriz com o Teatro São pedro, ao fundo, em foto moderna. À esquerda da foto pode-se ver o prédio da Assembléia Legislativa do Estado e, à direita, uma ponta do Palácio do Ministério Público.

Essas eram as poucas idéias e imagens que eu gostaria de postar em meu blog. Desejo que elas sirvam para trazer de volta à memória, dos que um dia as viveram e possam tê-las esquecido, este sítio tão agradável de Porto Alegre; como ambição maior, introduzi-las aos que ainda não tinham tido o prazer de conhecê-las.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

PEQUIM OU BEIJING?

Durante as Olimpíadas na China (das quais participei, como telespectador, até muito discretamente), chamou-me à atenção o fato de alguns canais de televisão, pelo menos, utilizarem o logo “Beijing 2008”. Há muitos anos que conheço as palavras Pequim e Beijing e penso que também já soube, um dia, que ambas se referiam à mesma cidade. Entretanto, com o evento e pela forma como o logo foi apresentado, sem maiores explicações, minha curiosidade foi aguçada e resolvi fazer uma pequena busca para melhor entender a questão.
Para começo de conversa, é muito importante que se alerte para o fato de que estamos escrevendo em português e, portanto, a grafia usada para as duas palavras acima, argumento do nosso comentário, é a grafia portuguesa, visto que em outras línguas elas, naturalmente, serão escritas diferentemente.
As duas palavras, Beijing e Pequim, referem-se à mesma metrópole localizada ao norte da China e sua atual capital ou, se preferirem, da República Popular da China (RPC), anteriormente conhecida, em inglês, por Peking. Pequim (Beijing) é uma das quatro municipalidades da RPC, que são equivalentes a províncias na estrutura administrativa daquele país. Pequim (Beijing) é uma das Quatro Grandes Antigas Capitais da China e limita-se com a Municipalidade de Hebei ao norte, oeste, sul e leste, e com a Municipalidade de Tianjin a sudeste. É a segunda maior cidade da China, apenas perdendo para Shanghai, constituindo-se num importante centro de transportes, com dezenas de estradas de ferro e para automóveis que a atravessam; é também o ponto focal de muitos vôos internacionais para o país. Pequim (Beijing) é reconhecido como o centro político, educacional e cultural da China, ao passo que Shangai e Hong Kong predominam no campo econômico. Como todos devem saber, presentemente, a cidade hospedou os Jogos Olímpicos de 2008.
Pequim (Beijing) significa “a capital do norte”, seguindo a tradição comum da Ásia Oriental pela qual as cidades capitais são explicitamente assim nomeadas. Por exemplo, Nanjing, na própria China, significa “a capital do sul”, Tokio no Japão e Hanói no Vietnam significam “capital do leste”, ao passo que Kioto no Japão e Seul na Korea significam, simplesmente, “capital”.
A cidade mudou de nome várias vezes. Durante a Dinastia Jin, a cidade era conhecida como Zhongdu e mais tarde, sob a Dinastia Mongol Yuan, como Dadu em chinês e Khanbaliq em mongol (registrado como Cambuluc por Marco Polo). Duas vezes na história da cidade, o nome foi mudado de Pequim (Beijing) para Peiping (Beiping), literalmente significando “Paz do Norte”, primeiramente, sob o imperador Hongwu, da Dinastia Ming e, posteriormente, em 1928, com o governo Kuomintang (KMT) da República da China; em ambas as ocasiões o nome removeu o elemento que significa “capital” (jing ou king) para indicar que a capital nacional havia sido transferida para Nanjing. Além disso, duas outras vezes a cidade mudou de Peiping (Beiping) para Pequim (Beijing); a primeira vez ocorreu quando o Imperador Yongle, da Dinastia Ming, moveu a capital de volta para Pequim (Beijing) e, novamente, em 1949, quando o Partido Comunista da China restaurou Pequim como a capital da China, após a fundação da República Popular da China. Finalmente, Yanjing é e tem sido outro popular e informal nome para Pequim (Beijing), uma referência ao antigo Estado de Yan, que existiu durante a Dinastia Zhou.





Entretanto, essas várias alterações do nome da cidade nada têm a ver com o motivo principal do nosso artigo, que refere-se à dúvida “Pequim ou Beijing?”.
Neste caso, não houve uma troca de nome, ilustra o Professor Cláudio Moreno, como no caso de Sião para Tailândia, ou de São Petersburgo para Leningrado, e de Leningrado de novo para São Petersburgo - casos em que existe uma pressão natural que nos leva a adotar a nova denominação. O que houve, neste caso, foi apenas uma troca de sistema de transcrição, o que termina sendo pouca coisa além de uma troca na grafia (já que a pronúncia é variável nas diferentes regiões da vasta China continental).
Pequim (em inglês Peking) é o nome da cidade de acordo com o sistema de Romanização do Mapa Postal Chinês e o tradicional nome costumeiramente usado para a cidade, em inglês (os passaportes emitidos pela Embaixada Inglesa ainda são impressos como sendo emitidos pela “British Embassy, Peking”. O termo “Peking” teve origem com os missionários franceses há quatrocentos anos atrás e corresponde a uma pronúncia mais antiga que antecede uma subseqüente mudança de som no Mandarim e que ainda é usado em muitas línguas. O sistema acima mencionado, de romanização para nomes de locais chineses, entrou em uso ao final da Dinastia Qing e foi oficialmente sancionado pela “Imperial Postal Joint Session Conference”, que teve lugar em Shanghai, na primavera de 1906. Este sistema de romanização foi retido após a queda da Dinastia Qing, em 1912, e uma vez que ficou em uso no atlas postal oficial da República da China, ele permaneceu como a forma mais comum de dar nome a locais chineses no ocidente (para cartógrafos, por exemplo) por uma grande parte do século XX. Com o estabelecimento da República Popular da China, o sistema tem sido gradualmente substituído pelo Pinyin, que é agora quase que universalmente aceito.


Explica o Professor Cláudio Moreno que o governo da China, pretendendo uniformizar as transliterações que o Ocidente faz de seus nomes, desenvolveu e divulgou o sistema PINYIN, que regula a transcrição fonética da língua chinesa para o alfabeto romano. Basicamente, esse sistema transformou a palavra Peking (em inglês) ou Pequim (em português) em Beijing. Ainda, segundo o Professor Moreno, "é útil e necessária a honorável iniciativa das veneráveis autoridades chinesas; a adoção desse sistema trará, finalmente, a serenidade aos leitores que, como eu, se sobressaltam a cada nova grafia do célebre presidente Mao (Mao Tse-Tung, Mao Tsetung, agora Mao Zedong) ou do não menos famoso Chiang Kai-Shek (Chang Kai-Chek, Tchang Kai Chek, parece que agora Jiang Jieshi)".
Ao final de tudo, me parece importante transcrever as idéias do professor Cláudio Moreno, quanto aos aspectos práticos da medida governamental chinesa. Diz ele:

“Para nós, os chineses da capital vivem em Pequim, mesmo que eles gritem todos juntos que vivem em Beijing. Nossos antepassados lusitanos entraram na China no século XVI; como herança deles, falamos uma língua que conhece o nome Pequim há quase 500 anos. Aliás, no início havia também algumas divergências quanto à sua pronúncia, mas sob outro enfoque: Fernão Mendes Pinto, o extraordinário escritor-viajante, fala, no capítulo CV da Peregrinação, desta ‘cidade que nós chamamos Paquim, a quem os seus naturais chamam Pequim’. Portugal manteve intenso intercâmbio com a China, enviando embaixadores, missionários, aventureiros, comerciantes e militares (não necessariamente nessa ordem) ao império dos "chins", como diziam, acabando por estabelecer uma base em Macau, até recentemente sob domínio ocidental. Por tudo isso, nosso idioma se acostumou a nomes como Pequim, Cantão e Nanquim, além de suas derivações: falamos da cozinha cantonesa, da tinta nanquim, do cachorro pequinês (aquele pequeno cãozinho doméstico de focinho achatado). Assim vivemos felizes por meio milênio, e não vamos trocar tudo isso apenas por causa de uma lei chinesa. Isso não significa, porém, que vamos abandonar os nomes já enraizados em nosso léxico. Para entender por que afirmo isso, basta comparar, no quadro abaixo, o nome tradicional com a nova versão PINYIN:

Cantão – Guangzhou
Xangai - Shanghai
Pequim – Beijing
Nanquim – Nanjing
Hong-Kong – Xianggang

É sabido que as leis ortográficas de um país não costumam ter repercussão nas outras línguas. Quando nós oficializamos a grafia Brasil, os países de língua inglesa continuaram a usar Brazil, a forma consagrada durante nosso regime imperial, enquanto a França, alheia a tudo, sempre usou alegremente o seu Brésil. Por isso, mesmo que um bilhão de chineses não concordem, devemos manter o Pequim do Português, da mesma forma que se mantiveram Pékin (Fr.), Pechino (It.), Pekín (Esp.) e Peking (Al.). Só os jornais de língua inglesa se apressaram em aderir à novidade; talvez, em nome da globalização, nossa imprensa pudesse adotar o hábito educativo de incluir, entre parênteses, o nome reformulado: Pequim (Beijing).” Isso explicaria a difusão fácil do logo Beijing, pelas televisões, durante os últimos Jogos Olímpicos.

Gostaria de concluir registrando que comungo com a opinião do Professor Moreno e até acho que ele foi mesmo muito ponderado em suas opiniões (ponderação é uma característica das pessoas cultas e experientes). Fico imaginando quão complicado poderia ser para nós, brasileiros, sairmos pelo mundo a fora, a ensinar a pronúncia correta de palavras tão brasileiras que nem mesmo nós conseguimos às vezes pronunciar - o que fará escrever e explicar -, a estrangeiros que mal conhecem seus próprios problemas muitas vezes insolúveis. E, reciprocamente, ficar escutando (entre incontáveis outros exemplos) porque os “welsh” chamam sua nação de Wales quando nós a chamamos de País de Gales, quando temos dentro da nossa casa assuntos muito mais importantes para resolver e nem de perto o conseguimos.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

"BONS DITADORES"?


Em abril do ano passado, num consultório médico, abri uma "Veja" não muito antiga, de 23 de março do mesmo ano, e li um artigo do Millôr Fernandes. Não se trata, portanto, de artigo postado na internet com a afirmação (falsa ou verdadeira) de uma suposta autoria, como acontece frequentemente, em geral falsa. Nesse artigo, entre outras coisas, Millôr Fernandes diz, textualmente:
"García Márquez mais uma vez foi visitar Fidel. Com carinho, tece-lhe elogios, minuciosos e excessivos. É isso aí - intelectuais não resistem a um ditador. Raramente tomam o poder. Mas gostam de ser "valet de chambre" - criado de quarto. Adoram um boquete ideológico."
Algumas poucas perguntas brotam imediatamente de todas as cabeças, não só das mais cultas ou inteligentes:
1) O Fidel mencionado na crônica é o mesmo Fidel Castro, de Cuba, o ditador mais antigo do mundo (que a gente nem mesmo sabe mais se está vivo ou morto)?
2) É aquele mesmo, que tendo iniciado uma revolução justificada e honesta (alguma revolução é justificada e honesta?), enviou à sua própria criação, "el paredón", milhares de opositores ao seu recém criado regime, para serem sumariamente fuzilados?
3) O Garcia Márquez mencionado por Millôr Fernandes é o mesmo Gabriel García Marquez, consagrado autor de "Cem Anos de Solidão", considerado um marco da literatura mundial?
4) É aquele mesmo autor, prêmio Nobel de literatura por sua obra, que possuindo todas as credenciais e o poder de influenciar povos, políticos e governantes do mundo inteiro, pregando a ética, moral e correção em todos os setores da humanidade, ao invés de assim agir, diferencia os ditadores ao seu bel prazer e nada faz a não ser adular este ditador Fidel Castro?
5) Existem diferenças entre ditadores de esquerda e ditadores de direita (alguns são maus, outros são bons)? Ou são todos iguais mas alguns "mais iguais do que os outros"?
Se a resposta a uma ou mais dessas perguntas for afirmativa, minha desilusão com o autor desce às profundezas do inferno e passo a me questionar sobre qual terá sido o seu grande e real objetivo ao escrever o já considerado (pelo menos por alguns) "romance latino-americano mais importante do século XX"! Fico imaginando que os "Aurelianos" e "José Arcadios Buendías", bem como os demais brilhantes personagens de sua magistral obra devam, ao tomar conhecimento dos últimos procedimentos de seu criador, estar se revirando em suas covas, ultrajados em sua honra, depois te terem proporcionado tão maravilhosos exemplos em sua luta sem fim pela liberdade de sua querida "Macondo".
Aguardo, com muita ansiedade e interesse, comentários sobre o artigo de Millôr Fernandes. É importante lembrar que esse brilhante jornalista, escritor, teatrólogo, humorista etc..., é ex-colaborador importante do nosso tão lembrado "O Pasquim".

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O CAÇADOR DE PIPAS

Em alguma semana de março do ano passado comecei e terminei um livro que reputo como um dos melhores romances que já li até hoje. Assim dito, isso pode parecer tolice, mas vale à pena conferir, quem ainda não fez.


Notem bem que não estou falando de uma obra prima de filosofia, de um clássico internacional, de um poema ou de um romance épico. Estou falando de um romance escrito em nossos dias e que trata de vidas dos nossos dias. É a este tipo de romance que estou me referindo e por isso mesmo o seu valor maior.

O livro chama-se "O Caçador de Pipas", em português, e "The Kite Runner", no seu original, em inglês. Seu autor, Khaled Hosseini, é um médico afegão nascido em Cabul, em 1965, e residente em São Francisco da Califórnia. Os acontecimentos narrados em seu livro iniciam em 1963 e terminam em 2003, ano da primeira edição do romance, que é, por sinal, o seu primeiro trabalho. O livro não é, diretamente de cunho político, mas apresenta um país e um governo que, ainda por um grande contingente de pessoas, é visto como uma grande ilusão.


Da conhecida escritora Isabel Allende, filha de Tomás Allende, um primo irmão do ex-presidente chileno Salvador Allende, recebeu o seguinte comentário: "Uma obra maravilhosa ... Esta é uma daquelas inesquecíveis histórias que permanecem com você por anos. Todos os grandes temas da literatura e da vida constituem o tecido dessa extraordinária novela: amor, honra, culpa, medo, redenção ... Ela é tão poderosa que, por um longo tempo, tudo o que eu li depois dela me pareceu insípido". Fico feliz por ter tido a mesma impressão que teve esta excelente escritora.


"O Caçador de Pipas" teve seus direitos editoriais vendidos para 29 países e já estreou nas telas de cinemas de todo o mundo, numa produção de Sam Mendes, o mesmo diretor de "Beleza Americana".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O TÍTULO DO BLOG


Ao iniciar a construção do nosso blog, algumas palavras sobre o seu título.


Beowulf é o mais importante e também o mais longo poema épico heróico sobrevivente, em inglês arcaico (Old English) representando, isoladamente, com suas 3.182 linhas de verso, mais de um décimo de toda a poesia remanescente do início da época Anglo-Saxônica. O texto sobrevive, em um único manuscrito, na British Library, em que foi copiado junto com outros textos, em torno do ano 1000 DC. Por vezes referenciado como o "Épico Nacional da Inglaterra", o poema é baseado em tradição oral, transmitido por "scops" (cantadores de contos), mesclando história com lenda e seu autor é desconhecido.
Quem quer que o tenha criado, é provável que uma versão escrita, substancialmente similar ao texto existente hoje, existisse antes da morte do Rei Alfred, em 899 DC. A data de sua composição tem sido, tradicionalmente, estimada como aproximadamente 750 - 800 DC; entretanto, mais recentemente, dúvidas têm sido levantadas sobre os critérios linguísticos para definição de datas, tendo alguns estudiosos sugerido que tenha sido criado no século XI, quase à mesma época em que foi copiado.
Os eventos descritos no poema teriam ocorrido ao final do quinto e durante o sexto séculos, após o início da emigração e estabelecimento dos Anglo-Saxons na Inglaterra e antes que se tivesse encerrado. O poema trata de lendas, sem separar elementos de ficção de eventos históricos reais. A história se passa num mundo escandinavo ao sul, remoto de sua audiência Anglo-Saxon, embora sua ancestral.

Beowulf inicia com a narração da chegada de Scyld do mar, de sua vida de conquistas e seu misterioso funeral em um navio, uma abertura que leva a um passado mundo heróico, conhecido das audiências Anglo-Saxon como o mundo dos seus ancestrais. É a história das dinastias que governaram as costas do Báltico e do Mar do Norte durante o quinto e sexto séculos. Foi destas costas e nesta época que o inglês veio para a Inglaterra.
A ação inicia no começo do sexto século na Zealand, em Heorot, a corte de Hrothgar, rei dos Danes (Dinamarca), que é aterrorizada pelo monstro Grendel. Hrothgar é então ajudado por Beowulf, um sobrinho de Hygelac, rei dos Geats, um povo escandinavo ao sul da Suécia. O poema termina com a morte de Beowulf, na Geatland, após sua luta com um dragão que é por ele morto. Os Geats agora esperam ser atacados por seus vizinhos os Suecos e também pelos Merovingian Franks (Franceses) que haviam sido atacados por Hygelac. O ponto decisivo para os Geats no poema foi a morte de Hygelac numa expedição temerária contra os Frisians (povo da Holanda) e os Hetware na borda setentrional do império Frankish, cuja morte histórica deve ter acontecido em torno do ano 520.
O que Beowulf relata dos Danes, Swedes and Geats, tem uma forte base em eventos históricos, embora uma história formatada em padrões lendários. Em nenhuma outra fonte o nome Beowulf é encontrado. Corajoso e sábio, ele é tão forte como trinta homens e um campeão da natação. Pagando um favor feito a seu pai, ele vai a Hrothgar como voluntário para enfrentar Grendel a noite, com as mãos nuas. Mergulha em um lago para buscar a mãe de Grendel em seu covil. Mais tarde, obrigado a tomar o trono de Geatland, ele reina por 50 anos. Quando um dragão ataca seu povo ele o enfrenta em um combate único. O bravo e magnânimo herói torna-se um rei generoso e amante da paz.

Há muito mais material disponível sobre o poema e eu mesmo possuo duas edições diferentes da obra, em inglês, ambas com o texto integral devidamente atualizado e com as necessárias explicações para o seu correto entendimento.



O livro, incluido numa suposta relação dos "cem maiores livros do mundo" foi, mais ou menos recentemente, colocado nas telas dos cinemas (segunda versão), em forma de animação, sem ser totalmente fiel ao que narra o poema. A seu favor as facilidades que a animação proporciona para impressionar o espectador.